Publicidade
Publicidade
first
  
last
 
 
start
stop
1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 (0 Votos)

charge070912

Brasil - GGN - Sérgio Buarque de Holanda


O pronunciamento da presidente Dilma alusivo aos 191 anos da nossa Independência é a expressão mais acabada de que o Brasil não consegue pensar-se enquanto nação. Dilma fez um discurso conjuntural, centrado nos problemas comesinhos do dia-a-dia – uma espécie de propaganda do seu governo. Nenhuma palavra acerca do significado da nossa Independência, do nosso caráter enquanto povo, do nosso destino enquanto nação.

Foi um discurso decepcionante, encadeado na corrente histórica de uma elite política que só consegue pensar em duas coisas: ou nos interesses dos grupos que representa ou na continuidade de seu grupo no poder. Nada foi pronunciado sobre o que o Brasil pretende no contexto de um mundo globalizado; nada sobre os caminhos do Brasil no enfrentamento da crise internacional; nada sobre os desafios ambientais no momento em que os limites do planeta ficam cada vez mais evidentes; nada sobre os desafios tecnológicos e do conhecimento ou sobre a corrida estratégica na busca de novas fontes energéticas renováveis e a necessidade de uma economia mais descarbonizada.

Dilma não conseguiu falar sobre o caráter da nossa democracia, que vive impasses evidentes, marcada por uma corrupção estrutural, por um sistema político que dá sinais de esgotamento, por uma representação que não consegue fazer uma reforma política, por um sistema tributário regressivo que tira dos pobres para dar aos ricos. As reformas de que o Brasil precisa não foram mencionadas. Falou-se apenas nos Pactos que não são pactos, pois são programas de governo pactuados por ele mesmo. Dilma não mencionou a necessidade de uma reforma do Estado que não consegue ser operativo e não apresenta resultados satisfatórios na prestação de serviços públicos e na garantia de direitos. Enfim, Dilma precisava ter dito que a nossa democracia precisa de uma enorme infusão de eficiência e de igualdade e justiça, pois continuamos sendo um dos países mais desiguais do mundo.

Nada foi dito também em relação ao que o Brasil pretende com seus vizinhos. Talvez isso se deva ao tato de que hoje, junto com a Argentina, gerenciamos uma massa falida que é o Mercosul. A suposta liderança brasileira na região é meramente declaratória. Não conseguimos construir instituições regionais sólidas, não somos capazes de construir uma unidade forte com nossos vizinhos com o objetivo de posicionar melhor a região no cenário mundial e não estamos dispostos a pagar qualquer preço por uma liderança efetiva, que saiba fazer concessões para integrar.

Darci Ribeiro disse que "nós, brasileiros, nesse quadro, somos um povo em ser, impedido de sê-lo. Um povo mestiço na carne e no espírito, já que aqui a mestiçagem jamais foi crime ou pecado. Nela fomos feitos e ainda continuamos nos fazendo. Essa massa de nativos oriundos da mestiçagem viveu séculos sem consciência de si, afundada na ninguendade. Assim foi até se definir como uma nova identidade étcnico-nacional, a de brasileiros".

Identidade se explicita em unidade, equilíbrio, justiça e igualdade. Não é isso que vemos no Brasil. A elite branca paulista, por exemplo, odeia o Bolsa Família. Quem tem Bolsa Família não vê portas de saída. A forma como estamos nos fazendo é lenta e dolorosa. A nossa brasilidade, é carente de conteúdo, é pouco mais que uma ninguendade. Darci Ribeiro imaginava que seríamos uma nova Roma, com todas as suas virtudes. Não somos. A República romana construiu a liberdade e o equilíbrio, com o escudo, com o elmo e com o gládio, expandindo os valores da civilização. Nós escravizamos os africanos e afro-brasileiros, dizimamos os índios e mantemos uma desigualdade brutal. Continuamos negando serviços públicos decentes e direitos efetivos para milhões de brasileiros.

O dia da Independência é um dia excepcional pelo seu caráter fundante. Qual o significado da nossa Independência? Não sabemos muito bem. A fizemos, permanecendo manietados a Portugal e à Inglaterra. Ela veio sem a liberdade. Dilma não invocou o significado da nossa Independência. Se não a invocamos é porque ela não teve nenhum sentido heroico. A invocação é fundamental nos momentos de tragédia ou nos momentos constitutivos da grandeza e das conquistas, pois os momentos significantes do passado servem para retificar a nossa conduta no presente e indicar os caminhos do futuro. No concerto das nações, Independência significa autodeterminação e soberania. A nossa soberania foi violada pela espionagem norte-americana recentemente. Nosso orgulho foi ferido. Mas parecemos uma nação sem orgulho ao constatar que a nossa líder maior nada disse acerca disso no dia da comemoração da nossa Independência.

O discurso de Dilma se dissipou no gás lacrimogêneo que foi lançado contra manifestantes no dia 7 de Setembro. Se algum significado teve a comemoração da nossa Independência neste ano, este está nos protestos e nas escaramuças de rua. Mesmo sem propósitos muito claros, os manifestantes mostraram que pulsam sinais de vida em nossa brasilidade. Não são os sinais daqueles que estão protegidos pelas polícias, pelas forças armadas pelos altos cargos. São os sinais de alerta de que o Brasil precisa ter rumos, precisa construir um sentido, uma comunidade de destino ou um destino manifesto. Se quisermos ser uma República virtuosa, apta a construir suas virtudes e grandeza, precisamos refundar nossa brasilidade refundando nossa República.

Aldo Fornazieri – Cientista Político e Professor da Escola de Sociologia e Política de São Paulo.


Diário Liberdade é um projeto sem fins lucrativos, mas cuja atividade gera uns gastos fixos importantes em hosting, domínios, manutençom e programaçom. Com a tua ajuda, poderemos manter o projeto livre e fazê-lo crescer em conteúdos e funcionalidades.

Microdoaçom de 3 euro:

Doaçom de valor livre:

Última hora

first
  
last
 
 
start
stop

Quem somos | Info legal | Publicidade | Copyleft © 2010 Diário Liberdade.

Contacto: info [arroba] diarioliberdade.org | Telf: (+34) 717714759

Desenhado por Eledian Technology

Aviso

Bem-vind@ ao Diário Liberdade!

Para poder votar os comentários, é necessário ter registro próprio no Diário Liberdade ou logar-se.

Clique em uma das opções abaixo.