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091012 votacaoBrasil - Literatura em Construção - [Diego Mileli] Domingo, fim de tarde, depois de almoçar na casa da mãe, saio para retornar à minha. No caminho, aquele sol baixo, oblíquo a meter-se pelos olhos e a nos obrigar a franzir as pálpebras resgata ares de outono, principalmente se somado às folhas que se amontoam no chão. Centenas, milhares delas a cobrir as calçadas esburacadas do subúrbio carioca. Curioso é que praticamente todas as folhas têm a mesma cara como se todas as árvores fossem da mesma espécie. O calor, porém, me lembra que deveria ser é verão, apesar de teoricamente ainda estarmos na primavera já que é outubro. Além disso, reparo que as folhas no chão, em vez de amarelas e crocantes, a estalar sob os nossos passos; essas não dão estalo. São brancas e escorregadias e derrubam o passante pensante distraído.


Essas folhas estranhas que vem de árvores famosas, mas que ninguém nunca viu e o povo não pode comer dos frutos, vem com fotos e números mágicos escritos. Não dizem nada, apenas querem atuar como mensagem subliminar por fotografias de rostos e números repetidos incessantemente. São como a representação do milagre. Basta memorizar, repetir os algarismos e a cidade mudará; a vida melhorará. Como, não sei. Mas tenho fé. Dizem que será melhor se eu acreditar neles. Por mais que eu não veja nada, como vou negar? Se não mudou é porque não tivemos fé o bastante. 

Aliás, saiu o resultado da apuração dos votos. As capas dos jornais comemoram. Por que, eu mais uma vez não sei. Não entendo. Mas, como não consigo não ver isso, olhei para os números. O prefeito eleito teve 2.097.733 votos, enquanto o segundo teve apenas 914.082. Uma distância tão grande que não resta dúvidas o povo escolheu o primeiro. Aqueles cartazes espalhados por toda parte e as folhas caídas ao chão no outono eleitoral convenceram a ter fé. Há quem creia que estamos em plena primavera da cidade. São tantos olhos voltados para ela com tantos eventos internacionais a ocorrer na maravilhosíssima cidade do Rio de Janeiro! Bem verdade que poucos vivemos no cartão postal, mas somos felizes de sustentarmo-la e depois voltar para casa nos transportes ligeiramente apertados, é verdade, e encarar com prazer a lentidão do trânsito, graças à certeza de ter cumprido o trabalho e com o coração satisfeito a repousar tranquilo na sensação de pertencimento ao portão de entrada do Brasil e à cidade amiga, que nos é inegavelmente cara, e exporta a cara do país para o mundo. 

Olho um pouco abaixo e somo. Encontro: 1.472.537! Caramba, tão perto do primeiro colocado. Quem é isso que envolveu tanta gente?! Essa quantidade poderia fazer uma revolução! Mas esses são os votos nulos, brancos e abstenções. Ainda que o voto seja obrigatório, 965.214 eleitores simplesmente não votaram. Não compareceram. Ignoraram o Estado e à convocação, não foram. Será gente que sonha tão alto que não teve tempo de olhar para o chão e ser convencido pelas folhas que o cobre e alçou o olhar ainda acima dos cartazes nas calçadas e pendurados nas casas? Será gente que perdeu completamente qualquer esperança e com isso não teve forças para querer? Será gente que vê que o voto não é o símbolo da democracia, mas o seria a participação popular constante nas tomadas de decisão e nos rumos da sociedade? 

Acho que será sempre gente das mais diversas opiniões, posições e motivos. Isso é menos importante. O que me parece demonstrar é que 2.618.274 eleitores não queriam o prefeito eleito. Do total de eleitores, tirado da soma de votos apurados à de abstenções (4.719.607) visualizo que 55% dos eleitores não aprova o prefeito eleito. O sistema, todavia, foi criado pelo poder para quem está no poder e nega sem vergonha nem pudor, os que não querem, os que não acreditam, os que de tanta desilusão e desesperança, desistiram. 

Quem ficou de fora da composição do poder municipal tem aí um milhão e meio de eleitores para somar ao seu total de votos para ganhar uma próxima eleição, gente que não tem nada a perder, pois se não participou da única e mísera oportunidade democrática direta que o sistema nos permite, que é eleger alguém para indiretamente nos representar. Seja a esperança. Faça e mostre. Ou, com tanta gente assim, poderia mesmo fazer uma das maiores manifestações coletivas da história mundial e fazer uma revolução. Mas, para isso, antes de mais nada, precisa compreender o que deixou de fora 31% do total de eleitores. Terão eles formado um novo Estado e não precisam mais desse oficial? Ou não acreditam em nenhum destes tantos? Ou não acreditam em mais nada? 

Lembrei agora de Lima Barreto em Os Bruzundangas: “Os seus eleitores não sabem quem ele é, quais são os seus talentos, as suas idéias políticas, as suas vistas sociais, o grau de interesse que ele pode ter pela causa pública; é um puro nome sem nada atrás ou dentro dele. O eleito, porém, depois de certos passes e benzeduras legais, vai para a Câmara representar-lhes a vontade, os desejos e, certamente, procurar minorar-lhes os sofrimentos, sem nada conhecer de tudo isto.”

Foto: Envolverde


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