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170712 otegiEuskal Herria - La Jornada - [Tradução do Diário Liberdade] Reproduzimos, traduzida para a nossa língua, a entrevista com Arnaldo Otegi, líder da esquerda independentista basca, publicada ontem nas páginas do jornal progressista mexicano La Jornada.


La Jornada - Recentemente o Tribunal Supremo espanhol sentenciou você e outros quatro colegas seus a três anos e meio mais de cárcere -somarão seis anos encarcerados se o recurso for recusado- por ser, segundo os magistrados, os encarregados de desmobilizar a ETA e propiciar a opção política do independentismo. Como explica essa sentença?

Arnaldo Otegi -Só a podemos entender corretamente se a interpretarmos em termos políticos e não jurídicos. Em termos jurídicos, é uma autêntica aberração para qualquer pessoa que acreditar no direito. Ao contrário, de um ponto de vista político faz parte da agenda que manejam os inimigos da paz no País Basco.

-A justiça espanhola, a que interesses serve neste caso?

-Na chamada transição democrática espanhola não houve depuração nem petição de responsabilidades aos integrantes dos aparelhos do Estado (entre eles o Judicial), que sustentaram de maneira entusiástica o regime fascista de Franco. Hoje, alguns membros das mais altas magistraturas do Estado fizeram parte das estruturas da ditadura. De modo que não pode gerar nenhuma surpresa constatar que a maioria dos integrantes do judiciário espanhol estejam ao serviço dos setores que buscam o colapso do processo de paz no País Basco.

-Há alguma diferença, no aparelho judicial, no relacionamento que mantêm com os poderes políticos e econômicos?

-A OCDE situa o nível de independência judicial do Estado espanhol no posto 64, justamente entre o Egito e o Irã. De modo que devemos ser claros quanto a isso: na Espanha não há divisão de poderes e não existe a independência do poder judicial. Se um Estado assim merece o qualificativo de democrático é algo que deixo ao critério dos leitores.

-Fala-se muito, especialmente após a recuperação do poder pelo PP, do poder que exerce a direita mediática na tomada de decisões do presidente Mariano Rajoi. Que pensa sobre isso?

-Veja, eu faço primeiro uma constatação: como é possível que num Estado que manteve um regime ditatorial durante décadas não exista a extrema-direita ao menos de maneira oficial? Simplesmente, porque está integrada no PP. De modo que em termos intelectuais e como exercício para o debate poderia conceder que existem setores mediáticos que condicionam as decisões de Rajoi... Mas em termos de uma análise política rigorosa digo-lhe que se essas decisões têm uma natureza profundamente reacionária e conservadora, e simplesmente porque por cima de qualquer outra consideração o presidente espanhol é profundamente conservador e reacionário.

-A quem interessa que a ETA rompa o cessar-fogo e retome a atividade?

-Aos setores que estavam cômodos no cenário anterior e que temem que a paz deixe ainda mais em evidência absoluta falta de argumentos democráticos deles para continuarem negando ao Povo Basco os seus direitos democráticos.

-Vê possível que isso aconteça? Você o justificaria?

-Não vai acontecer, mas se ocorresse mostraria minha rejeição frontal em termos políticos.

-Que provocou o surgimiento da ETA? E a sua declaração de cessar-fogo permanente?

-A ETA nasceu como organização armada revolucionária em resposta à estratégia de genocídio nacional que propõe o regime de Franco contra o País Basco, animada também por acontecimentos históricos como a guerra da Argélia ou da própria Revolução Cubana. A decisão de dar por finalizada a sua campanha armada é fruto da decisão das bases sociais e militantes de independentismo de esquerda de fechar uma fase do nosso processo de libertação e iniciar uma nova que deve ser desenvolvida única e exclusivamente pelas vias pacíficas e democráticas.

-Neste incipiente processo aberto depois da declaração da ETA, a quem corresponde assumir responsabilidades e pedir perdão?

-Todas as partes envolvidas devemos assumir nossas responsabilidades na dor que geramos com nossas palavras ou ações. O reconhecimento da dor causada corresponde-nos a todos.

-Você foi militante da ETA há mais de 30 anos. Esteve encarcerado por essa razão. Ao tempo, já em liberdade, emergiu como líder do movimento independentista político, aberto, dando a cara, tanto que chegaram a o comparar, nos meios espanhóis, com o irlandês Gerry Adams. Como foi essa transição?

-Sempre vivi com naturalidade meu compromisso político e foi o encarceramento da Mesa Nacional de Herri Batasuna o que me situou na atividade pública. Desde então, tratei de ser honesto com os princípios que sempre devem guiar um revolucionário e trabalhei para que o independentismo basco de esquerda fizesse uma transição para posições políticas que defendessem o uso exclusivo de métodos democráticos. Mas a primeira transição é a que um precisa fazer em sua própria consciência para depois transladar ao resto, e esse trânsito é duro, difícil e, ao mesmo tempo, apaixonante, sobretudo se culmina com sucesso, como é o nosso caso.

-Leva três anos detrás das grades. Como é o seu dia a dia? Com quem se relaciona? Como vê o mundo do interior do cárcere?

-Fazendo um cómputo global de minhas estâncias no cárcere, levo 10 anos cumpridos. Meu dia a dia estrutura-se (seguindo os conselhos de Nelson Mandela) entre o desporto, a leitura e o estudo, com o objetivo de me continuar a formar para o dia que recupere a minha liberdade. Quanto a meu diagnóstico sobre o mundo, de maneira resumida é assim: o mundo vive uma autêntica crise de civilização, na qual convergem ao mesmo tempo uma crise sistémica do capitalismo (de agregado), uma energética (já ultrapassamos o pico na produção petrolífera) e uma ecológica (mudança climática), que põem em risco o planeta e a nossa espécie.

Tudo isto, ademais, traz como consequência lógica um perigosíssimo palco de disputa da hegemonia mundial entre uma potência em risco de ser decadente (Estados Unidos) e as potências emergentes, como a China, fundamentalmente. Neste contexto, a reivindicação de uma ordem mundial diferente é uma necessidade evidente. Ou socialismo ou barbárie.

-Nessa linha, que opinião lhe merece a atitude dos militantes da ETA que se afastaram da organização há alguns anos e optaram por saídas pessoais?

-Sou crítico em termos políticos com quem adaptou essa decisão, embora o respeite em termos pessoais. Acho profundamente que as decisões e propostas devem ser coletivas, embora necessariamente depois tenham que ser materializadas em termos individuais.

-Não acha que se adiantaram, de algum modo, aos tempos?

-Não. Ao invés, penso que se enganaram nos tempos e nas formas.

-É isso condenável?

-A condenação é uma categoria moral que do meu ponto de vista não deve ser utilizado para definir posições políticas. Para mim, a posição deles é criticável em termos políticos, mas deve se expressar em termos escrupulosamente respeitosos.

-Há algo de que se arrependa?

-Para um revolucionário (ou aspirante a sê-lo) não deve haver juiz mais severo que sua consciência. Sou especialmente crítico com algumas coisas que fiz, de modo que posso assinalar a modo de exemplo duas: as declarações que efetuei e que puderam acrescentar mais dor às vítimas (ainda sendo involuntárias) e não ter feito mais para evitar a rutura do último processo de diálogo que mantivemos com o governo de Rodríguez Zapatero.

-Já instalados no hoje político, vê o País Basco independente? Isso é possível dadas as condições político-econômicas que imperam no mundo?

-Nas últimas eleições do País Basco estivemos a 2 mil votos de sermos a força mais votada. De modo que estou totalmente convencido de que os bascos seremos um Estado na Europa. Em termos económicos, a nossa renda per capita é uma das mais altas do continente (34 mil euros), o nosso tecido industrial é sólido, a nossa geografia invejável, e em frente de nós temos uma Espanha que acaba de ser auxiliada parcialmente e corre grave risco de ser resgatada totalmente nos próximos meses. Espanha, como Estado, é um projeto frustrado em termos políticos e económicos. A nossa independência é já também uma autêntica necessidade económica.

-Que os diferencia a vocês, os bascos, dos espanhóis, dos catalães e dos galegos?

-Somos singelamente um povo com identidade nacional diferente ao do resto. Nem melhores nem piores.

-Sob que premisas deveria ser dada a entente cordial com Madri?

-A equação para o entendimento tem o seu ingrediente principal na palavra respeito. Respeito pela nossa condição nacional e pelo nosso direito a decidir pacífica e democraticamente o nosso futuro.

-No seu mais recente escrito despede-se invocando, entre outras personagens, a Che e a Fidel Castro. Que é para você a América Latina?

-A América Latina, e o México em primeiro lugar, é o continente que acolheu os nossos antepassados quando abandonaram o país por razões de perseguição política ou exclusão económica (entre eles alguns dos meus familiares que hoje residem no DF e aos quais envio um grande abraço).

Além disso, é o continente do realismo mágico, de García Márquez e Neruda, de Carlos Fuentes e Galeano, de Diego e Frida, de Carpentier, de Camilo e o Che, do socialismo do século XXI, de Zapata e Bolívar, de Allende e Arbenz, da Repsol nacionalizada. De tantas coisas! Há continentes que fabricam produtos. A América Latina é também a grande fábrica de sonhos libertários e igualitários do planeta. Se não existisse deveríamos de a inventar.


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