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110215 Raiana2Brasil - Ciência e lilás nos olhos - [Isabel S. Vijande] A Doutora em Biologia Raiana Cabral. Brasileira, atua em ciências do solo, ecologia de ecossistemas costeiros e etnobiologia.


O passado mês de Outubro tive prazer de conversar com ela quando estava pronta para apresentar a sua tese de doutoramento. Além de conversar com fluidez das diferenças na expressom do patriarcado e das sócio-económicas, assim como das semelhanças entre a Galiza e o Brasil, fez favor de me responder muito amavelmente e de umha forma muito pedagógica a umhas perguntas para as quais a resposta nos pode ajudar a compreender realidades que nos desafiam no dia de hoje local e globalmente.

1) Estás a fazer a tese sobre o relacionamento entre as superfícies salinas e os manglares. Um exemplo de interconexom entre distintos ecosistemas do Brasil. Podes explicar-nos um bocado mais?

Os manguezais (manglares) são ecossistemas típicos de áreas costeiras tropicais. Essas áreas são conhecidas como berçários naturais pela alta produtividade de nutrientes que matem grande parte da base da cadeia trófica marinha. Quando os manguezais estão em áreas submetidas a um clima árido (poucas chuvas e elevadas temperaturas) planícies hipersalinas podem ser formadas na borda dos manguezais (numa transição entre a “área seca” e os manguezais, as “áreas úmidas”) ou dentro da floresta de mangue. Essas áreas são freqüentadas por diversos animais (crustáceos, mamíferos e aves, por exemplo) e são ambientes estratégicos para recolonização do manguezal em caso de aumento do nível do mar (no contexto de mudanças climáticas que estamos exerimentando).

2) Comentavas-me o outro dia que estas superfícies eram objetos valiosos para as empresas capitalistas que utilizam para o cultivo do camarom; ficando muita gente sem trabalho. Podes pôr algum exemplo?

Os manguezais como um todo são áreas muito vulneráveis, por que estão localizados ao longo de toda zona costeira brasileira, principal área povoada e economicamente ativa desde o Brasil colonial. Ao longo da história os manguezais foram substituídos principalmente por cidades e empreedimentos industriais. As planícies hipersalinas foram por muitos anos transformadas em salinas para produção de sal para consumo humano, atividade que entrou em declínio no final do século XX. Atualmente as maiores ameaças aos “salgados” ou “apicum” como essas regiões são conhecidas localmente, são as fazendas para cultivo de camarão em cativeiro. Além de impactos ambientais como desmatamento ilegal de áreas de mangue e despejo de resíduos sem tratamento, os maiores impactos dessas atividades estão relacionados as populações tradicionais de pescadores que vivem nessas regiões. Isso por que as empresas normalmente dificultam o acesso dessas pessoas ao manguezal, ao rio e o mar, áreas de pesca artesanal pelo bloqueio de passagem. As empresas que se estabelecem nessas áreas geralmente afirmam que são atividades que proporcionam emprego e desenvolvimento, porém é mais comum o desenvolvimento de grandes conflitos pelo uso da terra devido as grandes pressões exercidas sob a população local e empregabilidade sazonal.

3) Acho que o dano poderia ter semelhanças com o que acontece nas rias galegas. Mudando um bocado de cenário como influi a deflorestaçom da Amazônia na disponibilidade de água potável?

A Amazônia Sul-Americana está relacionada com muitas funções ambientais, muitas delas complexas, entre elas a disponibilidade de água em algumas partes do Brasil. Os estudos apontam que a principal relação entre a área de cobertura florestal da Amazônia e a disponibilidade de água são os chamados “rios atmosféricos”. Esses “rios” são formados por massas de ar carregadas de vapor de água, muitas vezes acompanhados por nuvens, e são movimentados pelos ventos. Esse vapor de água é, em boa parte, proveniente da evaporação da floresta e transforma-se em chuva potencial para outras áreas no Brasil. Com o cenário de mudanças climáticas e desmatamento ilegal da Amazônia muito desse fluxo atmosféricos estão ameaçados e, portanto o abastecimento de água já vai se complicando aqui no Brasil. Mais sobre esse fenômeno pode ser lido aqui: http://riosvoadores.com.br/o-projeto/fenomeno-dos-rios-voadores/ e aqui: http://amazoniareal.com.br/rios-voadores-e-a-agua-de-sao-paulo-1-a-questao-levantada/.

4) Vim um dia num documentário que os indígenas tinham garantido a sua terra e que existem grupos paramilitares privados ás ordens de grandes companhias de soja que chegam mesmo ao assassinato para fazer-se com os terreios. E isto mesmo assim?

Sim. Infelizmente os conflitos ambientais são muito comuns no Brasil, sobretudo por questões agrárias e disputa de território por populações tradicionais como as populações indígenas, pescadores e descendentes de escravos (quilombolas). Existe disponível na internet um mapa detalhado de conflitos envolvendo injustiça ambiental e Saúde no Brasil (http://www.conflitoambiental.icict.fiocruz.br/index.php) que é muito impressionante nesse sentido, pois destaca exatamente onde existem problemas. E são muitos!

5) Há gente ameaçada pela defesa dos recursos no Brasil?

Sim, e não são poucas! A Comissão Pastoral da Terra (http://www.cptnacional.org.br/) mantêm uma atualizada lista de pessoas ameaçadas e sob proteção do estado por estarem relacionada a defesa de interesses comuns e meio ambiente. Relacionando com a sua pergunta anterior, recomendo a leitura dessa matéria voltada para Amazônia, na qual o autor relata que 174 pessoas em 2014 estão ameaçadas de morte por conta da justiça ambiental e em que são entrevistadas algumas dessas pessoas. (http://amazoniareal.com.br/amazonia-tem-174-pessoas-ameacadas-de-morte-por-conflitos-no-campo-diz-cpt/).

6) O que achas das energias eólicas, é na realidade umha energia limpa?

Eu acredito que o termo “energia limpa” é uma estratégia de marketing para vender uma idéia ou produto. Explico. Todas as formas que possuímos para gerar energia elétrica geram maior ou menor impacto. Esse impacto pode ser ambiental, mas também social. Em termos de impacto ambiental, a geração de energia eólica é muito interessante, pois utiliza um recurso quase que ilimitado para geração de energia. Porém o processo para sua instalação e distribuição pode ser muito problemático. Os problemas vão de ordem de conflito de uso do território com as populações tradicionais e, ambientais como irregularidades nos licenciamentos ambientais e instalações faltam de estudos relacionando os impactos sobre fauna e humanos que vivem nos arredores. Caso tenham maior interesse nesse tema recomendo um amplo debate levantado nesse artigo sobre a produção energética e os conflitos relacionados a ela: http://rccs.revues.org/5217.

7) Na Galiza temos aberto um conflito com a mega-minaria. Acho que olhar para outros locais nos pode ajudar na compreensom de esta realidade. Existe a mega-minaria no Brasil. Podes falar-nos um bocado dos perigos disto?

No Brasil existem atividades de mineração principalmente relacionadas a extração de ferro, ouro, chumbo, zinco e prata, carvão, agregados para construção civil, gipsita e cassiterita. Cada tipo de extrativismo está relacionado a um perigo diferente. O governo Brasileiro categoriza principalmente os problemas relacionados a poluição, levando como secundário agravantes que eu particularmente considero grave, por exemplo alterações ambientais, conflitos de uso do solo e geração de áreas degradadas com difícil recuperação. É uma questão muito delicada e que necessita ainda um amplo debate e eficiência na aplicação das leis ambientais no momento de instalação e na fiscalização contínua desse tipo de atividade

8) Achas que a defesa dos nossos recursos é importante?

A defesa e eficiência dos recursos naturais e o respeito a dignidade humana são as grandes questões desse século.

A defesa e eficiência dos recursos naturais e o respeito a dignidade humana são as grandes questões desse século. Nossa sobrevivência enquanto espécie depende dessa compreensão. Espero que não tardemos muito em desenvolver e ampliar a consciência que tudo e todos estão conectados. Essa atitude deve ser individual, mas, sobretudo coletiva, pois já não temos muito tempo a perder.

Doutora Cabral, muito obrigada polo seu tempo, disponibilidade e amabilidade.


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