Foi uma iniciativa bem-vinda, mas apenas em alguns aspectos. O novo Primeiro-ministro sueco de centro-esquerda, Stefan Lofven, no seu discurso de investidura ante o parlamento, indicava em 3 de Outubro a intenção do governo sueco de reconhecer o Estado palestino.
Explicou que essa medida, mencionada na plataforma do seu partido, está de acordo com a promoção da solução dos dois Estados e, o que é mais significativo, que deve “negociar-se em conformidade com o direito internacional”. O apelo para se ajustar ao direito internacional na diplomacia futura constitui realmente mais um passo em frente do que a anunciada intenção de futuro reconhecimento, intenção que recebeu até agora toda a atenção dos media e incorreu na ira de Tel Aviv.
Incorporar o direito internacional nas futuras negociações equivaleria a uma modificação radical do “processo de paz” que surgiu da Declaração de Princípios de Oslo em 1993.
O ponto de vista de Israel/EUA era que qualquer acordo resultaria de um processo de negociações entre as partes, o que significaria reconhecer o primado do poder, tendo em conta “os factos sobre o terreno” (ou seja, os colonatos ilegais) e a pressão diplomática (ao proporcionar aos EUA o falso papel de “intermediário honesto” ao mesmo tempo que assegurava que os interesses de Israel estivessem protegidos).
Suspeito que esta linguagem esperançosa que sugere a relevância do direito internacional foi inserida sem consciência alguma da sua importância ou relevância. Essa interpretação está em línea com as explicações oficiais suecas sobre a sua iniciativa como uma via para ajudar os líderes palestinos “moderados” a assumir o controlo da diplomacia, facilitando desse modo o eventual objectivo da coexistência mutua baseada em dois Estados.
Estocolmo presumia, sem nenhuma argumentação a fundamentá-la e contra o peso da evidência e da experiência, que um Estado palestino poderia surgir de uma diplomacia revigorada. Nenhuma menção era feita dos colonatos, do muro de separação, da rede de estradas que retalhou tão profundamente os restos da Palestina, que na altura das fronteiras de 1967 já representava apenas 22% da Palestina histórica, e menos de metade do que o plano de repartição da ONU havia oferecido aos palestinos em 1947, o que na altura parecia já ser injusto e incompatível com os direitos palestinos à luz do direito internacional.
O porta-voz do governo dos EUA, Jan Paski, teve a precaução de confirmar a abordagem de Oslo adoptada por Washington que tão lesiva tem sido para as perspectivas palestinas de um Estado viável: “Certamente que apoiamos a estatalidade palestina, mas ela apenas pode surgir através de um resultado negociado, da resolução das questões do estatuto final e do reconhecimento mútuo por ambas as partes”. Note-se a intencional ausência de qualquer referência ao direito internacional.
Para além disto, há cada vez menos razões para supor que el governo israelita apoie um processo que conduza em qualquer sentido significativo a uma estatalidad palestina, embora Netanyahu repita em ambientes internacionais o estéril mantra de que qualquer resultado apenas pode derivar de negociações directas entre as partes, acrescentando que a iniciativa sueca, a concretizar-se, constituirá um obstáculo a esse resultado.
Para não despertar esperanças, Netanyahu acrescenta que nenhum acordo que não proteja os interesses nacionais de Israel e garanta a segurança dos cidadãos israelitas poderá ser concretizado. Quando fala em casa em hebreu, a perspectiva de um Estado palestino torna-se tão remota como o estabelecimento de um governo mundial.
Sem qualquer surpresa, Isaac Herzog, o chefe do Partido Trabalhista na oposição, foi muito activo em reforçar a objecção de Netanyahu ao curso de acção proposto pela Suécia. Herzog, em conversa com Lofven, procurou de dissuadir a Suécia de actuar “unilateralmente”, sugerindo que era provável que tal medida produzisse “consequências indesejáveis” não reveladas.
Até aí chega o “campo da paz” israelita, que agora parece conformar-se com actuar como moço de recados de uma política estatal dirigida pelo direitista Likud.
A Autoridade Palestina (AP), com falta de boas notícias desde os ataques de Gaza saudou, aos mais altos níveis (Abbas, Erakat) a medida sueca, apelidando-a de “notável e corajosa”, bem como de “excelente”. A liderança da AP chegou até a sugerir que o reconhecimento da estatalidad palestina poderia aumentar a pressão para o reatamento das negociações sobre a solução de dois Estados como se daí resultasse qualquer vantagem para a Palestina.
Esses sentimentos fazem vista grossa ao histórico de fracassos de Oslo do ponto de vista palestino, e do inverso para Israel.
Entretanto, da perspectiva do povo palestino como entidade distinta da Autoridade Palestina, ¿faz sentido que nesta etapa da sua luta se continue actuando como se a solução dos dois Estados pudesse ainda trazer a paz?
Por outras palavras, se o acto de reconhecimento por parte da Suécia tivesse estado vinculado ao fracasso de Oslo ele estaria apontando o caminho no sentido de uma mudança construtiva na diplomacia de paz, mas justificá-lo como um passo no sentido da solução dos dois Estados alcançada mediante negociações directas do tipo das que repetidamente fracassaram no decurso de mais de vinte anos parece uma irreflectida expressão de inocência política por parte dos pouco experientes dirigentes de Estocolmo, um gesto pela paz que sem dúvida manifesta boa-fé mas, aparentemente, sem qualquer noção de que o enfermo paciente morreu há anos.
*Richard Falk, Professor Emeritus de Direito Internacional na Universidade de Princeton. Acabou de completar um mandato de seis anos como Relator Especial das Nações Unidas para os direitos humanos dos palestinos. Foi designado para esse cargo em 2008 pelo Conselho do Direitos Humanos da ONU.