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071212 ivan-marquezColômbia - Prensa Latina - O Governo colombiano e as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia-Exército do Povo (FARC-EP) instalaram, no dia 19 de novembro em Cuba, uma mesa para o diálogo de paz, processo que gera expectativas por seu objetivo de superar décadas de conflito armado.


A propósito dessas conversas, a Prensa Latina realizou uma entrevista exclusiva com o comandante guerrilheiro Iván Márquez, chefe da equipe das FARC-EP no diálogo que acontece no havaneiro Palácio de Convenções.

Prensa Latina (PL): Como as FARC-EP veem o cenário regional para o processo de paz na Colômbia?

Iván Márquez (Márquez): Uma onda de importantes mudanças, na qual os povos têm enfatizado sua rejeição ao neoliberalismo, percorre hoje o continente. Nossa América exige tomar seu próprio rumo e entendeu-se que a paz da Colômbia é fundamental para a paz do continente. Esse era o sonho de Simón Bolívar: ver um continente unido marchando sobre o caminho da justiça e da liberdade, sem subordinações a potências estrangeiras.

As FARC-EP percebem que o respaldo de nações irmãs ao processo que acontece em Havana está carregado desse ambiente de independência e de reivindicação dos interesses dos mais humildes. O recente respaldo da Unasul às conversas dá força a esse convencimento.

O diálogo, além de despertar a esperança de um povo que merece paz e justiça social, contribuirá para gerar um clima de distensão e paz na região. Mas é ao mesmo tempo a vitória da solidariedade e do altruísmo dos povos e governos da Venezuela, Noruega, Cuba e Chile. E desde já ganha o povo da Colômbia, que sempre buscou a solução não sangrenta do conflito sobre a base da superação das causas que o geraram.

Somos conscientes de que demos apenas um passo para à frente; um passo importante, sim, que deve ser dinamizado e potencializado com a voz do povo na mesa de conversas, traçando a rota, construindo o novo país. O povo é quem pode.

PL: As FARC-EP solicita a presença de Simón Trinidad na mesa de conversas. O que pode significar sua presença ou ausência?

Márquez: Simón é como uma bandeira de paz ao vento. Na mesa, seguramente, ajudará com sua sabedoria e amor ao povo na construção da pátria em convivência, com solidariedade. Sua presença seria um ato de justiça e sua ausência todo o contrário, porque continuaria condenado por um delito que jamais cometeu. Fazemos todos os esforços e a pressão que for necessária, para que sua vinculação física à mesa de Havana seja uma realidade. Em um ato de reivindicação de sua soberania jurídica, o Estado colombiano deve solicitar o recurso de Exequatur para que Simón regresse a sua pátria e possa exercer o papel que lhe corresponde na busca da paz.

PL: O presidente Juan Manuel Santos manifestou recentemente um otimismo moderado em torno do possível sucesso do processo. As FARC-EP compartilham esta visão?

Márquez: Uma proposta não generosa produz moderação e omissão frente ao sucesso. Nosso otimismo pleno fundamenta-se na participação do povo com suas iniciativas na construção da paz.

O povo é quem manda, e de sua capacidade de mobilização brotam todas as nossas certezas de vitória do bem supremo da paz. A disposição de todos os combatentes das FARC de levar adiante o processo é forte e está subordinada à vontade nacional.

PL:Como as FARC-EP chegam às negociações de Havana?

Márquez: Se o otimismo de Santos está sofreado pelas rédias da moderação é porque algo lhe diz que as FARC-EP não estão debilitadas nem submetidas.

As FARC-EP não são apenas fogo, movimento e manobra de comandos. São, antes de mais nada, povo em marcha, em trote, determinado a conseguir a justiça social e a soberania. E isso é temido pelas oligarquias. O que está claro é que aqui nas FARC-EP ninguém está acovardado, estamos absolutamente cheios de moral, de moral de combate! Essa categórica afirmação de nosso comandante Alfonso Cano retumba como torrente sonora na consciência guerrilheira.

Chegamos com a melhor disposição, seguindo o mandato de uma linha estratégica constante, a de buscar por todos os meios a solução política do conflito.

PL: Em alguns meios vemos a mensagem de uma suposta divisão no interior das FARC-EP. Que opinião merece essa afirmação?

Márquez: Pensamos que é uma campanha lastimável e taciturna, condenada ao desencanto. Os que realmente conhecem as FARC-EP, os que sabem de sua coesão interna, não desperdiçam seu tempo em divagações estéreis.

PL: Altos chefes militares colombianos acusam as FARC-EP de receber quantias milionárias como resultado do narcotráfico. O que considera a respeito?

Márquez: Esses são túmulos bonitos por fora, mas podres por dentro. Essa é uma campanha mentirosa das elites verdadeiramente mafiosas e bandidas. Todas as instituições colombianas, há muito tempo, foram permeadas pelo narcotráfico até o teto. Com o dinheiro da máfia foram elegidos vários presidentes, de Turbay até Uribe. Os cartéis colombianos da droga elegeram e continuam elegendo representantes, senadores, magistrados e generais.

Até as duas melhores polícias do mundo receberam pagamento por seus "bons ofícios". O chefe de informática do DAS (Departamento Administrativo de Segurança), Rafael García, denunciou que esse organismo de Estado, dependente da Presidência, facilitou à máfia a rota da droga para os Estados Unidos, através do cartel mexicano dos Beltrán Leyva, e que os dólares, produto do negócio, entravam pela porta grande do aeroporto Dourado, controlado pelo DAS, diretamente às mãos dos capos. O DAS é conhecido no mundo da máfia como o "cartel das três letras".

Da mesma forma o ex-chefe de informática denunciou à Promotoria que o DAS abriu também uma rota de droga de Santa Marta para a Europa camuflada como ajuda humanitária a países africanos. JoeToff, diretor da DEA em certo momento, qualificou a Colômbia institucional como uma narco-democracia.

A Colômbia teve presidentes que abriram uma janela no Banco da República para facilitar a lavagem de divisas. Atualmente essa lavagem na Colômbia chega à cifra de 12 bilhões de dólares ao ano (20 bilhões de pesos), e a grande massa desse dinheiro se move pelos circuitos financeiros. Por isso dizemos, que as elites colombianas estão podres por dentro. A campanha mediática institucional contra as FARC-EP perde seu impulso diante da evidência aqui denunciada.

A narco produção está unida a um grave problema social acentuado pelas políticas neoliberais. As pessoas pauperizadas tem que se sustentar de alguma maneira. Por que o governo não impulsiona um programa de substituição desses cultivos, por outros também rentáveis para os camponeses pobres, como o sugeriram as FARC-EP? Por que não debate a legalização do consumo, como ocorreu no passado com o fumo e o álcool, acompanhando essa legalização de uma forte campanha educativa dirigida à juventude? Por que nos Estados Unidos não a poderosa máfia da distribuição, que fica com a parcela do leão do negócio, é perseguida nem os produtores dos insumos químicos?

É fato que 312 bilhões de dólares do narcotráfico foram injetados para uma tentativa de salvar o sistema financeiro mundial. Tudo isto, sem deixarmos de advertir que há por aí alguns ex-presidentes defendendo a legalização da droga, mas em estreita coordenação com os interesses da indústria farmacêutica.

PL: O ex-presidente de Costa Rica Oscar Arias expressou desconfiança no papel de Cuba no diálogo de paz. Como as FARC-EP veem a participação de Cuba, Noruega, Venezuela e Chile nesse processo?

Márquez: Se o senhor Oscar Arias não fez nada pela paz de Colômbia, que ao menos deixe que outros o tentem. Aos governos e povos da Noruega, Cuba, Venezuela e Chile, nossa eterna gratidão. Não há nada mais nobre que contribuir com esforços ao lucro do objetivo superior da paz. Esse é um princípio humanitário.

PL: Por que as FARC-EP consideram importante dialogar em meio a um cessar-fogo?

Márquez: Diante do autismo do governo diante do cessar-fogo bilateral e das hostilidades, respondemos com uma declaração unilateral nesse sentido que se estenderá por dois meses. Nossa vontade de paz está referendada por uma corrente sucessiva de gestos unilaterais, diante dos quais não vemos reciprocidade, nem tampouco a exigimos.

A opinião pública saberá tirar suas conclusões. É importante dialogar em meio a um ambiente favorável, mas se o governo não quer porque acha que com as bombas pode impor seus critérios na mesa do diálogo, ao menos deveríamos assinar um tratado de regularização da guerra, dentro do contexto e das especificidades do conflito colombiano, para amenizar os impactos da mesma na população.

PL: Como as FARC-EP veem a participação dos colombianos nesse processo de paz?

Márquez: Na participação cidadã, do soberano, das pessoas comuns, estão depositadas nossas esperanças de paz. A ela nos aferramos com todas as nossas forças. A participação dos colombianos é fundamental, e quanto a isso não podem haver restrições; a paz será uma construção coletiva. De todas as partes do país nos chegam mensagens todos os dias, com opiniões e iniciativas para que essa oportunidade de paz não nos escape como a água entre as mãos.

O povo tem a palavra. Que faça sentir sua voz em todos os cenários, porque Colômbia não está condenada eternamente à guerra. Precisamos da paz, da justiça social e da soberania, e entre todos as conseguiremos.

PL: Que fazer ou que garantias exigir para evitar se repita o ocorrido com a União Patriótica?

Márquez: O terrorismo de Estado não deixou nem por um minuto de atacar o povo. O genocídio não terminou com a União Patriótica; isso não cessou. O paramilitarismo de Estado, como estratégia contrainsurgente, segue vivo com outros nomes.

No governo de Santos foram assassinadas pessoas que reivindicavam terras e praticaram-se operativos contra a população, como nas épocas de Uribe. Não cessou a perseguição e a repressão contra o movimento popular. Nos processos dos "falsos positivos" foram apenas condenados cabos e sargentos e a alguns oficiais subordinados, mas nada se sabe dos autores intelectuais dessa atrocidade.

Gostaríamos de saber qual Promotor está investigando o ministro da Defesa de Uribe, o senhor Camilo Ospina, que assinou de punho e letra a Diretriz 029 que desatou esses crimes de lesa humanidade que o mundo conheceu como o caso dos "falsos positivos". O que impera é a impunidade que agora é coroada como fórum militar. A Colômbia precisa da solidariedade do mundo e que as nações direcionem potentes refletores sobre a conduta do poder.

PL: Conhecemos a agenda acordada, na sua opinião, e sem violar nada do acertado com o governo, quais são os pontos chave dessa agenda?

Márquez: A chave está na integralidade do Acordo Geral; a agenda é só um de seus aspectos, e temos que olhá-la à luz de seu preâmbulo, que é onde reside o espírito que motivou essas conversas.

PL: Que passos são necessários para, como dizem as FARC-EP, acabar com as causas que geraram sua luta?

Márquez: Mudar a estrutura latifundiária da propriedade da terra na Colômbia seria um bom começo. Agora há que frear com urgência a depredação mineral e energética e a economia extrativa em geral. E não é demais dizer que a paz requer radicais transformações econômicas, políticas e sociais.
Modificado el ( jueves, 06 de diciembre de 2012 )


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