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bancos governo povo ajusteBrasil - Diário Liberdade - [Marcelo Dias Carcanholo] Talvez o único consenso que exista entre o governo e boa parte da oposição é que, do ponto de vista econômico, não há alternativas para combater a crise econômica brasileira a não ser o ajuste fiscal.


Comecemos admitindo que o ajuste fiscal seja necessário. Do ponto de vista meramente lógico, há duas formas de implementar um ajuste fiscal: (i) elevar receitas; e/ou (ii) reduzir despesas. A primeira forma gera muita controvérsia também em razão do conflito distributivo que isso pode provocar/aprofundar. O que é mais lamentável na atual conjuntura é que o conflito distributivo que se procura debater é o existente entre o setor privado e o setor público, revivendo o velho e desgastado argumento da equivalência ricardiana. O que pouco se discute é o conflito distributivo que, de fato, importa, o de classes sociais. Uma boa forma de elevar as receitas do Estado seria elevar a tributação dos setores historicamente mais privilegiados no país (tributação sobre heranças e grandes fortunas, taxação sobre lucros e dividendos, etc.), mas o que se preferiu foi “democratizar” o ajuste.

A forma mais clássica de aplicar um ajuste fiscal, entretanto, é reduzindo as despesas do Estado. O que salta aos olhos de qualquer indivíduo que não se assuste com os argumentos pseudotécnicos é que toda a discussão recai sobre como compor a redução dos gastos estatais estritamente do ponto de vista das despesas não financeiras (gastos estatais com custeio e investimento, gastos sociais, funcionalismo, etc.). Sobre as despesas financeiras (basicamente o pagamento do serviço da dívida pública) não se discute. Ao contrário, a prática tem sido a de aprofundar o ajuste nas despesas não financeiras justamente porque os gastos com serviço da dívida pública crescem fortemente.

Mas o ajuste fiscal é mesmo necessário?

Por um lado, assim como em outras partes, o governo brasileiro procurou responder aos impactos da crise mundial na economia doméstica fornecendo liquidez aos mercados financeiros. Para tanto, viu-se na necessidade, até para financiar essa atuação, de expandir a dívida pública. Por outro lado, a elevação das taxas de juros - presumidamente para combater a inflação e aliviar a pressão da instabilidade no mercado cambial - aumentou o pagamento dos juros atrelados a um estoque de dívida também crescente. Isto já nos dá uma ideia de alternativa de política econômica distinta da que parece ser consensual. O não questionamento das despesas financeiras (serviço e estoque) não se definiu, portanto, por questões técnicas, como se alardeia. A única explicação para isso são os compromissos políticos e de classe do atual governo.

Mas, ainda que com outra natureza, o ajuste fiscal é mesmo necessário? Não. Ele se tornou necessário em função da estratégia de desenvolvimento (neo)liberal que foi mantida e aprofundada. As reformas liberalizantes (abertura, desregulamentação e privatizações, ainda que com outras nomenclaturas) aprofundaram a dependência da economia brasileira frente aos movimentos da economia mundial, isto é, a sua vulnerabilidade externa. Isto implica a redução da autonomia de política econômica. No momento em que se acirra a crise mundial, os problemas de estrangulamento externo se agravam, definindo um piso mais elevado para as taxas domésticas de juros. Como as despesas financeiras são consideradas intocáveis, a variável de ajuste passa a ser o gasto não financeiro; daí o ajuste fiscal nos moldes atuais.

A conclusão é que uma resposta alternativa para combater a atual crise econômica requer outra estratégia de desenvolvimento, não liberal. Tanto menores seriam os custos de enfrentamento quanto antes ela tivesse sido adotada. Por que não o foi, nem durante o cenário externo favorável? Compromissos políticos e de classe. No momento da crise, eles apenas se explicitam.

Marcelo Dias Carcanholo é Presidente da Sociedade Latino-americana de Economia Política e Pensamento Crítico (SEPLA), Professor Associado da Faculdade de Economia da Universidade Federal Fluminense (UFF), membro do Núcleo Interdisciplinar de Estudos e Pesquisas em Marx e Marxismo (NIEP-UFF), e Professorcolaborador da Escola Nacional Florestan Fernandes (ENFF-MST).


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