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fabricaAlemanha - Diário Liberdade - [Alejandro Acosta] Nas três décadas passadas, com a aplicação das chamadas políticas neoliberais, as condições de vida da população nos países desenvolvidos têm piorado significativamente. Mas, apesar dos ataques ao chamado “estado de bem-estar social”, muitos dos programas sociais e condições de vida ainda se mantêm em pé.


A fábrica da Volskwagen, em Woldorg, tenta imitar a “Ilha da Fantasia”, pelo menos na aparência. Foto: Alejandro Acosta / Diário Liberdade

População pacificada, até quando?

A população tem sido mantida pacificada, na Alemanha, por meio do aumento do saque dos países mais fracos da Europa. Sobre esta base, têm sido concedidos aumentos acima da inflação a categorias chaves, como os metalúrgicos. Em cima de uma intensa propaganda demagógica, tenta se criar o clima de que “está tudo bem”, de que “estamos seguros” numa “ilha da fantasia” enquanto o resto do mundo se explode, ou, melhor ainda, “qual resto do mundo?”, “onde isso fica”.

Leia também:

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A tendência geral da situação econômica e política é à piora, conforme aumenta a pressão a partir da periferia. Os chamados PIIGS (Portugal, Irlanda, Itália, Grécia e Espanha) representam apenas a ponta do iceberg da crise na União Europeia. A crise avançou muito na Inglaterra e principalmente na França.

Os restos do “Estado de bem-estar social” na Alemanha

Na Alemanha, a educação e a saúde públicas predominam, e com boa qualidade, assim como acontece em vários dos países desenvolvidos. A maior exceção são os Estados Unidos, onde os serviços públicos foram quase destruídos.

O transporte público, tanto urbano como interurbano e interprovincial, é de muito boa qualidade. Muitas pessoas nem sequer possuem um automóvel, mesmo quando têm condições de comprá-lo.

Existem várias leis sociais que garantem liberdades para as mulheres, os homossexuais e as minorias. Isso tem gerado uma enorme confusão, inclusive na esquerda mundial, sobre o suposto papel progressista das invasões imperialistas, como, por exemplo, no Iraque e no Afeganistão, onde a população local, e os costumes locais, seriam coisas de “bárbaros” porque as mulheres são perseguidas e os homossexuais reprimidos. A questão da exploração imperialista é ignorada. Esta visão sofreu um certo desgaste após as barbaridades cometidas pelos norte-americanos no Iraque, mas ainda é importante devido ao próprio caráter moralista da avaliação do mundo e da sociedade próprio das camadas médias da população.

O estado alemão leva em consideração o meio ambiente nas políticas públicas, até certo ponto, mesmo que às vezes não passe de mera aparência. Após o desastre de Fukushima, foi aberto um plano para fechar as 50 centrais nucleares em operação no país até 2025, apesar do plano ainda não ter saído do papel por causa da crise econômica. Em contrapartida, essa mesma tecnologia nuclear, que apresenta vários problemas de segurança, continuou a ser vendida para os países atrasados, entre eles o Brasil com Angra 3.

O planejamento urbano na Alemanha surpreende até quem conhece os Estados Unidos, apesar de contar com 80 milhões de habitantes em 357 mil quilômetros quadrados, pouco mais de uma vez e meia da extensão territorial do Estado de São Paulo. Além de Berlim, que conta com dois milhões de habitantes, não há megacidades na Alemanha. O desenvolvimento é descentralizado, assim como a localização das indústrias. As cidades têm muito verde e acesso bastante homogêneo aos serviços públicos.

A qualidade dos empregos tem piorado em relação aos direitos trabalhistas. A maior parte das novas vagas é por período parcial e terceirizada. Mas ainda é possível encontrar empregos e sobreviver com o salário que, em grande medida, é complementado com os serviços públicos.

Água potável na Europa: é possível beber a água das fontes!

A questão da água potável merece um destaque especial, principalmente para poder estabelecer uma comparação com a horrorosa qualidade (ou falta de qualidade) da nossa água.

A água potável, na Alemanha e em vários outros países europeus, é muito boa, inclusive melhor que a água mineral que compramos no Brasil.

Na Suíça, a situação é ainda mais surpreendente. Existe uma política pública específica para este serviço. A água potável é ainda melhor que na Alemanha e pode ser bebida em qualquer fonte, na rua. Isso acontece no país da Nestlé, o monopólio que busca privatizar até a água da chuva nos países atrasados e que provocou uma revolução na cidade de Cochabamba, na Bolívia, em 2002. Essa não foi uma exceção. O mesmo está sendo tentado na África, com a participação da Coca-Cola e de outros monopólios.

Quando pensamos no verdadeiro lixo líquido podre (cheio de resíduos químicos e agrotóxicos), que recebemos no Brasil, principalmente no Estado de São Paulo, e em praticamente todos os países latino-americanos, surge a pergunta óbvia: como a maioria dos países desenvolvidos consegue fornecer um serviço de qualidade?

Na realidade, o serviço não é exclusividade dos países desenvolvidos. Na Sérvia, por exemplo, que é um país pobre e agrícola, e que passou por várias guerras nos últimos 23 anos, a água também é de boa qualidade e pode ser bebida nas fontes públicas.

O problema da água potável não carrega nenhuma mágica nem bruxaria. A crise hídrica e a péssima qualidade da nossa água se relaciona com a falta de investimentos, com o sucateamento, com as privatizações dos serviços públicos e com o direcionamento dessas empresas para a especulação financeira. As empresas brasileiras dos serviços públicos privatizados, ou semiprivatizados, especialmente as do setor elétrico e da água potável, estiveram na lista das recomendações dos principais fundos de investimentos especulativos nos últimos 15 anos. Os lucros, na década passada, foram simplesmente obscenos, enquanto o sucateamento foi levado às alturas.

Como a Alemanha consegue conter a crise europeia?

A mágica do “milagre” alemão deve ser avaliada em relação aos mecanismos que foram colocados em pé com o Tratado de Maastrich e consolidados com a União Europeia.

A aliança da França e da Alemanha encabeçou o imperialismo europeu que ressurgiu como uma grande potência no final da década de 1950. A exportação de capitais tem acontecido principalmente para os países da Europa.

Após o colapso do bloco soviético, vários países foram incorporados, na prática, como províncias alemãs, tal como, por exemplo, aconteceu com a República Tcheca, a Eslováquia e a Hungria. Outros países foram incorporados como fornecedores de produtos e serviços de baixo custo, fundamentalmente a Polônia, e, em escala menor, a Bulgária e a Romênia. Estes dois últimos países, junto com a Sérvia foram direcionados para a produção agrícola, da mesma maneira que, hoje, acontece com a Ucrânia. A decadente economia de Portugal foi sucateada, da mesma maneira que aconteceu com a Grécia. O Estado espanhol viu a produção industrial tornar-se um mero apêndice da indústria alemã, e, em menor medida, da indústria francesa.

Nos países do sul da Europa (Grécia, Portugal, Espanha, Itália), a política do imperialismo europeu se tornou particularmente parasitária. No final da década de 1990, esses países foram inundados com enormes volumes de crédito, destinados a facilitar o pagamento de produtos alemães e, em grande medida, também desviados para a especulação imobiliária. A indústria da maior parte desses países foi devastada. Os setores que sobraram ficaram a reboque da economia alemã, em primeiro lugar.

Após o colapso de 2008, os monopólios alemães foram resgatados com dinheiro público. Somente o banco Hypo Real State, hiper contaminado com créditos imobiliários podres, recebeu mais de 100 bilhões de euros.

O grosso dos “resgates” dos monopólios tem acontecido por meio do mecanismo ultra podre das dívidas públicas nacionais, que dispararam justamente a partir de 2008. Os “resgates”, responsáveis pelo grosso desses pagamentos, nem sequer chegam aos países. Eles vão diretamente para uma empresa criada pela União Europeia em Luxemburgo (que é um paraíso fiscal), de onde são repassados diretamente aos bancos, enquanto são impostas condições cada vez mais duras contra os trabalhadores.

Estabilidade da Alemanha, estabilidade da Europa

A estabilidade da Alemanha representa o fator fundamental da estabilidade da Europa. A migração dos trabalhadores para a Alemanha e outros países desenvolvidos, como os países nórdicos e a Inglaterra, tem ajudado a absorver e minimizar a crise nos países atrasados ou menos desenvolvidos. Sem essa válvula de escape, a crise já teria adquirido outras dimensões em países como a Grécia, o Estado espanhol, a Irlanda, Portugal e até a Itália.

As defesas do sistema capitalista mundial se encontram estruturadas na forma de círculos concêntricos. Os países mais fracos colapsaram em 2011, os países árabes. No Oriente Médio, a crise avança a passos largos em direção ao coração da região, a Arábia Saudita.

Na Europa, a crise tem atingido em cheio a primeira linha de defesa, os chamados países PIIGS (Portugal, Irlanda, Itália, Grécia e Espanha). A segunda linha de defesa já começou a apresentar rachaduras importantes, o que acontece tanto na França como na Inglaterra.

O coração do capitalismo europeu é representado pela Alemanha, com a França como aliado. A importância da França tem se visto reduzida, num processo que se acelerou a partir da derrota na Indochina (década de 1950) e na Argélia (início da década de 1960).

Os países nórdicos, a Suíça, a Holanda e a Bélgica funcionam como extensões secundárias do imperialismo europeu. A crise capitalista pode ser observada nesses países em diferentes graus. O impacto maior acontece na Finlândia e na Suécia. Em menor escala, também acontece na Noruega e na Suíça. Mas a piora da situação econômica tem se generalizado.

O colapso capitalista que está colocado para o próximo período avança na direção da Alemanha. As grandes empresas industriais têm visto as exportações caírem. Os bancos se encontram hiper contaminados com títulos podres. Por esse motivo, o imperialismo europeu busca “alternativas”, como a adesão ao chamado “Caminho da Seda” impulsionado pelos chineses.

Até quando?

A Alemanha tem sido obrigada a “resgatar” os países mais fracos e endividados da Europa com o objetivo de impedir a implosão dos próprios monopólios, que se encontram muito contaminados com os títulos financeiros da região. Mas essa política, ao mesmo tempo, tem aprofundado a crise na própria Alemanha.

Da mesma maneira, para manter a estabilidade social na União Europeia, os países mais desenvolvidos absorvem boa parte da mão de obra desses países. Essa política funciona como um fator de pressão sobre os salários dos alemães, principalmente sobre os setores menos organizados. Mas, conforme a recessão industrial aumenta, torna-se gradativamente num fator de aumento das tensões sociais.

Um novo colapso capitalista, de largas proporções, com os estados extremamente endividados e em recessão somente pode conduzir ao aumento do desemprego, da inflação e da carestia da vida. Os ataques contra os programas sociais, ou o que ainda resta deles, ficaram na mira. Conforme as contradições sociais se tornarem cada vez mais agudas, as ilusões das massas tendem a diminuir rapidamente.

O controle dos metalúrgicos, que representam o setor mais avançado dos trabalhadores alemães, tem acontecido na base de aumentos acima da inflação. Mas até quando essa política poderá ser mantida?

O aprofundamento da crise e o colapso capitalista não dependem da “esperteza” de um ou outro indivíduo. Se tratam de bilhões, ou trilhões, de transações diárias que atuam, em grande medida, no piloto automático sobre as leis do capitalismo.

Alejandro Acosta está atualmente na Alemanha como jornalista independente.


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