Em 1977 elas se reuniram pela primeira vez para reivindicar informações sobre seus filhos desaparecidos durante a última ditadura argentina (1976-1983). Apesar da proibição de reuniões públicas e de qualquer manifestação que pudesse ser considerada “subversiva”, elas venceram o medo e se colocaram semanalmente em frente à Casa Rosada, em busca de verdade e de justiça.
Nesta segunda-feira (30/04), cumprem-se 35 anos desde a primeira manifestação das Mães da Praça de Maio, no auge da repressão, quando, desesperadas, pediam a aparição com vida de seus filhos, e chegaram a enfrentar forças policiais a cavalo, foram ameaçadas de morte e tiveram companheiras sequestradas, torturadas e assassinadas.
Com o fim dos anos de chumbo, o grupo passou a exigir justiça para os responsáveis pelas mortes e desaparecimentos de pessoas na ditadura – estima-se que o número de vítimas chegue a 30 mil - e a divulgar as crueldades perpetradas pelos agentes de repressão.
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A primeira marcha protagonizada pelas Mães da Praça de Maio na frente da sede do governo aconteceu em 30 de abril de 1977
“Estamos satisfeitas com nossas conquistas”, disse a presidente da linha fundadora da agrupação, Marta Vásquez. “Contamos ao mundo a tragédia que acontecia em nosso país e assim se soube o que acontecia na Argentina, da forte repressão que desaparecia, sequestrava, matava, torturava, cometia toda classe de vexame. E tínhamos que ficar caladas? Não, tínhamos que continuar”, afirmou.
O relato de Vásquez relembra a luta semanal na praça, quando pontualmente, estavam persistentes e a postos, com panos brancos amarrados na cabeça, em frente à sede do governo. Como os militares tentavam reprimir a manifestação pedindo que circulassem, as mães passaram a caminhar dando voltas na praça, dando início a essa tradição, realizada até hoje, a cada quinta-feira.
Foi assim que estas emblemáticas argentinas, movidas pela indignação, ensinaram, ao longo dos anos, que apesar da dor que as acompanha, a resistência permanente e pacífica pode levar a resultados concretos: desde o retorno da democracia, em 1983, 265 repressores haviam sido condenados e 806 processados até o início deste ano, segundo a Unidade Fiscal de Coordenação e Acompanhamento de casos de violações dos Direitos Humanos.
Cisão
O ato desta segunda-feira foi dividido em dois, refletindo a ruptura da agrupação em 1986, quando divergências ideológicas levaram à criação de duas correntes: a Associação das Mães da Praça de Maio – que conta atualmente com subsídio do governo e possui cerca de 200 integrantes em todo o país - e a Associação da Linha Fundadora, que reúne aproximadamente 100 mães que originaram a tradição e se declara independente de partidos e governos.
Luciana Taddeo/Opera Mundi
Integrantes da Associação da Linha Fundadora, que reúne aproximadamente 100 mães, se reúnem na Praça de Maio
Enquanto o grupo fundador realizou uma ronda de depoimentos das mães durante a tarde, o grupo apoiado pelo governo organizou um show folclórico em um palco instalado no meio da Praça, no início da noite. Liderado por Hebe de Bonafini, o segundo conta atualmente com uma universidade, uma estação de rádio e um projeto habitacional chamado “Sueños Compartidos”, cujo administrador foi acusado de desvio de verba pública no ano passado.
Apesar dos reveses e diferenças, o objetivo comum das mães se manteve. Se antes o pedido era “Aparição com vida dos presos desaparecidos”, com o fim da ditadura os protestos ganharam cada vez mais caráter político. Algumas das faixas levadas à frente das marchas nos últimos anos traziam mensagens como: “Lutemos contra a riqueza da oligarquia terra tenente”, “Trabalhemos pela reforma agrária”, “Viver combatendo a injustiça” e “Distribuição da riqueza já”.
Quando o grupo deu a 1700ª. volta na praça, em 2010, Bonafini admitiu que a idade já pesa para ela e suas companheiras: “Acordamos de manhã cheias de dor, doem nossas pernas, os olhos, o joelhos, o rim, o coração, tudo”, disse, completando: “Mas mesmo assim, quando se aproxima das três da tarde, vamos correndo pra frente do espelho para colocar o pano na cabeça e quando chegamos na praça já não sentimos dor nenhuma”, garantiu Bonafini.