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181214 ftColômbia - FEU - [Francisco Toloza] O episódio da prisão e libertação do brigadeiro general Rubén Darío Alzate, despojado de suas características macondianas, que fariam ruborizar nosso desaparecido Nobel, bem pode ser uma síntese do momento exato do desenvolvimento da guerra em nosso país e da dura luta pela conquista de uma saída para mais de meio século de confrontos.


Debate geral: Uma fotografia da guerra e da paz

Digamos que todas as situações ocorridas em torno deste fato configuram uma excelente fotografia do conflito social armado, apenas ofuscada pela eloquente imagem do comandante guerrilheiro Pastor Alape junto ao general oficial libertado no marco da missão humanitária.

Para além da foto que irritou o fascismo, o retrato de fundo revela que a prisão do general é inocultável. A falácia da "pós-vitória" e do "pós-conflito militar" que chegou a pregar o controle territorial das Forças Armadas oficiais sobre a totalidade do território nacional, é uma mentira catedrática, com o agravante de que as exigências da nova espacialidade capitalista da reprimarização financeira precisamente focam nestas zonas de grande operação armada do conflito.

O peculiar – e caso queira, fortuito – do caso não pode eclipsar a continuidade – não precisamente frustrada – da realidade histórica estrutural da ação insurgente. O debate sobre um estado em que se abole o exercício do monopólio da coerção e luta uma guerra assimétrica, não pode ser o esforço militar de sua contraparte em clara inferioridade técnica e quantitativa: o problema não é se o general foi capturado em combate ou em descanso, mas que não pode atuar plenamente em seu teatro de operações, precisamente pela ação da insurgência.

O general Alzate e seus acompanhantes foram feitos prisioneiros não na selva densa, mas em um povoado situado a 15 minutos do rio Atrato – a principal via de comunicação da região de Quibdó. Mobilizaram uma Força Tarefa com mais de 2500 homens e numerosas lanchas e aviões. Durante quase uma semana de operativos de resgate, inclusive com bombardeios, e duas semanas de militarização da zona com mais de cinco mil novos efetivos, as Forças Armadas oficiais não encontraram o general, como tampouco emboscaram forças guerrilheiras.

As paupérrimas condições de vida dos habitantes do Chocó não possuem comparação. Estamos falando de uma zona que faz parte das prioridades políticas e econômicas da acumulação por despojo do grande capital na Colômbia, considerando os numerosos megaprojetos de exploração florestal, direitos de mineração e transporte fluvial existente. O superintendente de Notários e Registro a situa como uma das regiões de implantação das chamadas Zidres, impulsionadas pelo projeto de lei 133, a fim de permitir a acumulação de terrenos para os grandes consórcios transnacionais.

Nos eventos da captura em combate dos dois soldados profissionais da Força Tarefa de Quirón, no departamento fronteiriço de Arauca, terceiro produtor de petróleo do país, as farsas midiáticas da vitória militar sobre a insurgência e do pleno domínio do território nacional por parte da Força Pública são apresentadas ainda mais evidentes.

É aqui onde empalidecem todos os analistas quantitativos do conflito, os assessores de segurança e vendedores de fumo, que tentam explicar a guerra para justificar seus contratos e não para compreendê-la em sua complexidade, produzindo estudos para deleitar ouvidos oficiais e da grande imprensa. Realidades tão eloquentes, porém dificilmente quantificáveis, como o episódio das duas prisões em Chocó e Arauca, deveriam obrigar olhares mais integrais sobre o desenvolvimento real do conflito, partindo de leituras qualitativas sobre as regiões, construídas in situ e não a partir da parcialidade de estatística oficial, pré-fabricada em prol do mito da vitória contrainsurgente.

Episódios como os de Arauca e Chocó são a mostra irrefutável da falência dos objetivos estratégicos de quase 15 anos de reestruturação das Forças Armadas, patrocinada pelo Plano Colômbia e assessorada por ONGs, como a Fundação Segurança e Democracia, do senador uribista Alfredo Rangel.

Se não existe o controle territorial por um exército quadruplicado e amamentado com dinheiro imperialista por três décadas dos dois departamentos fundamentais para a nova formação socioeconômica, onde se condensam hoje as ambições do grande capital, a corrida armamentista colombiana fracassou junto com a quimera pela saída militar ao conflito armado. Entende-se, pois, porque os 50 mil ricaços que pagaram durante uma década o chamado imposto ao patrimônio, sob a promessa uribista de ganhar a guerra, se queixam de seu enésimo e infrutífero prolongamento.

O segundo grande aspecto desnudado com a prisão do general Alzate está relacionado aos discursos e roupagens falsamente filantrópicos que, mediante a chamada "Ação Integral", se converteram em um componente vertebral dos chamados planos de consolidação. Militares desenvolvendo tarefas civis e sem uniforme não são uma excepcionalidade nem um capricho de domingo do general Alzate, mas uma ação permanente da Força Pública, que constitui parte de sua estratégia precisamente de controle territorial.

Isto significa que a interceptação por parte dos guerrilheiros do general e de seus acompanhantes encarna a impossibilidade da Força de Tarefa Titán de exercer seus trabalhos em seu teatro de operações e, também, o fracasso desta linha de tarefas por seus militares.

A cândida versão do "amor aos chocoanos" com termos militares embalando crianças e, generosamente, presenteando turbinas no marco de uma messiânica "Agenda Estratégica Integral Chocó 2038" fica para a galeria dos defensores com microfone. Em troca, revelam-se interessantes abordagens em torno desta velha tática de ações cívico-militares.

A presença da funcionária do Mindefensa, Gloria Urrego, não é coincidência: mostra a evidente conspiração de setores civis e econômicos com os planos de guerra oficiais, dado o papel desempenhado pelo complexo militar industrial na economia colombiana. Bem mereceria uma discussão sobre se este tipo de funcionário mantém sua categoria de pessoa protegida pelo Direito Internacional Humanitário, dada sua clara participação no desenvolvimento da guerra, em trabalhos que as próprias Forças Armadas converteram em capital de sua aposta falida pelo controle territorial.

Rompendo com qualquer definição missionária das Forças Armadas e com qualquer esboço institucional lógico, em torno da Ação Integral presenciamos o desenvolvimento de redes clientelistas assistencialistas, paralelas às autoridades civis e manipuladas discretamente pela espada do comando das divisões militares. Resta dizer que se o Plano Nacional de Desenvolvimento, de Simoncito Gaviria e de seu jardim de infância do DNP, não interessa atender realmente aos problemas do Chocó, muito menos estes programas, dado o seu insignificante silêncio, mais parecem populismo armado que autênticas medidas em prol do bem-estar social da população.

Não obstante, através deles e em franco desconhecimento das instituições locais, que contam com minguados orçamentos, os altos oficiais aproveitam para criar uma "base social" civil para seus planos de guerra. Digamos que a Ação Integral é uma "marmelada camuflada" dirigida a incorporar no conflito as camadas pauperizadas e jovens profissionais, mediante o assistencialismo vulgar e a contratação com nossos recursos públicos. Supondo que com o fim da guerra travada em Havana e a necessária desmilitarização da vida social, será uma nova institucionalidade civil e democrática impulsionada pelos verdadeiros programas requeridos para a satisfação das necessidades básicas de todos os colombianos.

O terceiro aspecto posto em evidência pela conjuntura do general Alzate é o maniqueísmo ordinário do governo, que coloca em risco o processo de paz ao levantar-se unilateralmente da mesa rompendo os critérios acordados pelos diálogos. Aparentemente, custa ao governo assimilar a realidade e seus membros continuam atados às suas próprias mentiras: as conversações de Havana são um processo de paz bilateral entre partes divergentes, não derrotadas no campo de batalha e não o deplorável processo de submissão unilateral à justiça do atual regime, tal qual o inventam funcionários, empresários e colunistas do status quo.

A teimosia contumaz do estado colombiano, que tentou aplicar a tática sionista de dialogar em meio a ofensivas de extermínio de seu interlocutor, não pactuou nem o cessar-fogo bilateral e nem os acordos de regulamentação da guerra, o que propicia a continuidade e cotidianidade de atos do conflito armado, em um confronto impossível de ser resolvido pela via belicista.

Não se entende porque o presidente, como se fosse um menino rico, faz birra, chuta a mesa e até chama seu irmão maior quando sua contraparte adere às regras do jogo acordadas mutuamente. Ao que parece, Santos, seus militares e assessores pensavam que dialogar em meio à guerra implicava imunidade de suas forças oficiais, que acreditavam estar revestidas pelo manto invulnerável de sua sofisticada tecnologia e outras fraudes.

Esta indelicadeza talvez refreie momentaneamente o ruído dos sabres do generalato e o furor da turba fascistóide do uribismo, porém não poderá nunca ser bem vista ante a comunidade internacional, os países garantidores e facilitadores, testemunhas imparciais do processo de diálogo e das condições iniciais acordadas pelas partes.

É apenas compreensível que, ao cumprirem-se dois anos depois da instalação da Mesa, a opinião pública exija dar passos firmes para mitigar os efeitos do conflito armado com o necessário fim da guerra, assim como avançar para um cessar-fogo bilateral que suspenda o derramamento de sangue em um conflito onde as partes e todos os colombianos fazem frente para dar uma saída política. Está claro que os estrondos da guerra apenas alimentam os inimigos do processo, que aguardam qualquer drama próprio do conflito para agitar os ódios e desprestigiar os esforços de reconciliação.

Infelizmente, foi preciso prender um general já que não bastaram os sofrimentos das comunidades camponesas, prisioneiros políticos ou combatentes rasos com os rigores da guerra, para que uma parte do governo entendesse a importância fundamental deste debate, posto hoje na ordem do dia e no qual a Mesa se prepara para abordar em sua próxima retomada. Hoje, nitidamente, urgem um acordo humanitário especial e um armistício, como preliminares da paz estável e duradoura.

Um quarto aspecto relevante, expresso nesta conjuntura, alude à velha máxima que reza que em um conflito a primeira vítima é a verdade. A forma com que o ministro da Guerra, Juan Carlos Pinzón, e seu generalato calaram os soldados profissionais da Força de Tarefa Quirón, o cabo Rodríguez e a funcionária do batalhão Gloria Urrego, e impediram as declarações do general Alzate até que o discurso, sem réplicas e nem perguntas, claramente pré-fabricado pelos assessores de imagem dos uniformizados fosse lido por este em um autêntico show midiático, não deixa nenhuma dúvida que se oculta da opinião pública o verdadeiro estado do conflito e a real situação das Forças Armadas.

Pretende-se apresentar como viciadas as declarações dos soldados Rivera e Díaz às FARC-EP, porém fica mais que clara a coerção aos prisioneiros de guerra libertados para sua retratação sob o quarteis e a hierarquia militar.

Além da mórbida comédia que o episódio gerou, o certo é que as sucessivas versões oficiais sobre a cadeia de fatos de retenção, libertação e baixa do general Alzate não são convincentes para ninguém, menos para o general Lasprilla e, pela primeira vez em muitos anos, o tradicional feixe de mentiras destiladas pelas vozes militares é percebido inclusive pela grande mídia. Mais além da casuística própria do ocorrido, se evidenciam escusas manipulações informativas nas forças oficiais e graves problemas de comunicação-coordenação entre as diferentes instâncias da cadeia de comando que incluem Santos e seu ministro Pinzón.

Preocupa mais ainda que, ao redor do mito da honra militar supostamente ofendida nesta conjuntura, se aprofundem as já visíveis inconformidades do generalato com o processo de paz, situação esta que deveria ser prontamente resolvida e transparentemente apresentada ao país. Os amantes da paz não defenestram a esperança de que no marco da solução política se instale a necessária Comissão da Verdade e Memória Histórica, que permita elucidar as intrincadas intrigas tecidas contra a reconciliação dos colombianos, por uma facção da cúpula militar forjada na Doutrina de Segurança Nacional na mesmíssima Escola das Américas.

Chegamos, pois, a um quinto elemento, desta fotografia da guerra e da paz, suscitada pelo general Alzate: os comandos militares não estão prontos para a paz. Os mesmos que se fotografam entretidos com cadáveres de insurgentes, consideram tratamento indigno e reacionam virulentamente ante a foto de um cumprimento entre um prisioneiro de guerra prestes a ser libertado e o comandante guerrilheiro que a propicia. Até a televisão pública britânica BBC avalia esta insanidade como sintoma de distanciamento da necessária reconciliação nacional. Por trás da superestrutura ideológica da suposta "honra militar" e sua humilhação, existe uma raiz mais secular: o negócio da guerra.

Digamos que retumbam nas forças oficiais a frase do velho Marx no Manifesto, quando descreve que o capital despojou de sua auréola todas as profissões que tinham por veneráveis e dignas de piedoso respeito. A "fé na causa" dos generais e sua firme adesão à perpetuação do conflito residem no lucrativo complexo militar industrial que controlam.

Em uma deformação nefasta do "keynesianismo militar", os oficiais de alta patente se decantaram em uma verdadeira facção de classe com exorbitantes orçamentos diretos e de confrontação que consumirão, em 2015, mais de 28 bilhões de pesos; possuem autênticos monopólios, como o do mercado de explosivos para usos civis, que hoje representa 80% do meio bilhão de renda do Indumil, de acordo com a produção de munições e importação de armas, além de uma alentada lista de mais de 480 mil homens, sendo mais de 226 mil aposentados com descomunais e onerosos privilégios. Tudo isso somado ao fragor da Doutrina de Segurança Nacional, na qual foram adestrados, e as ressonâncias do discurso fascista durante mais de uma década.

Os setores democráticos têm razão em assinalar que não existe acordo de paz possível que garanta a participação política e a abertura democrática na Colômbia sem incluir uma reforma estrutural das Forças Militares, sua doutrina e sua cadeia de comando, que ainda delira com uma possível vitória militar e seu anacrônico discurso de ameaça terrorista. Esperamos que a Comissão Técnica Militar, com seu par, o Comando Guerrilheiro de Normalização, já instalados na mesa de Havana, encaminhem prontamente o compromisso da alta oficialidade com a solução política e possibilitem o abandono das ambições, orgulhos e prejuízos da guerra que hoje cega o generalato.

Assim, obrigado por seus superiores a pedir baixa, o ex-general Alzate teve a voz quebrada. Porém, choram também todos os generais que se negam a aceitar a realidade da guerra e da paz. Choram porque levaram seu colega durante uma operação militar; choram porque ele não foi libertado por seus operativos, mas por um gesto humanitário unilateral da insurgência; choram porque os diálogos continuam e o conflito bélico se esgota. Generais da pátria: Não chorem mais! Não ganharam a guerra, porém ainda podem ajudar a conquistar a paz.

Sem dúvida, os militares como seres pensantes têm muito que opinar e contribuir com a nova Colômbia da paz estável e duradoura. Para isso, têm de deixar para trás suas amarras a esta guerra fratricida. No grande pacto de reconciliação que será a nova constituição pela paz, devem estar representados todos os setores e expressões políticas, inclusive vocês, militares. Ainda que neguem, sempre tiveram e têm poder deliberativo.

Nos vemos na Constituinte!

Francisco Toloza é conhecido intelectual, professor universitário colombiano.

Tradução: PCB.


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