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141010_fronteira_mexico_eua_valasMéxico - Caros Amigos - [Aleksander Aguilar] A imigração não é um tema central da realidade brasileira – pese as enormes comunidades de brasileiros espalhadas por diferentes partes do mundo – quando comparado ao aspecto visceral e de peso determinante que a questão ocupa na vida centro-americana.


Talvez esta por esta razão a chacina ocorrida no México, dia 21 de agosto, não tenha causado comoção nacional no Brasil, nem ganhado destaque na primeira página dos meios de comunicação, embora haja brasileiros entre os mortos.

A execução de 72 imigrantes no estado de Tamaulipas, no norte do México, perto da fronteira com os Estados Unidos, não é o primeiro crime desse tipo na região, mas, como define o portal de notícias salvadorenho, El Faro, “foi um grito, um coro reiterado que por fim chegou aos ouvidos de todos (...) o episódio mais recente de uma longa cadeia de seqüestros e assassinatos de imigrantes perpetrados por grupos do crime organizado no México”.

Há uma crise de segurança pública no México e os imigrantes, principalmente os centro-americanos, são as vítimas mais indefesas.

Este massacre é indignante, mas não surpreendente. É um capítulo a mais de uma história sem perspectiva de final que ocorre pelo menos desde 2008. O informe da Comissão Nacional de Direitos Humanos do México, “Informe Especial sobre los casos de secuestro em contra migrantes”, afirma que cerca de 10 mil imigrantes ilegais, a maioria da América Central, foram sequestrados no segundo semestre daquele ano. O documento também apresentou o nome e sobrenome da “organização de delinquentes” responsável pelos crimes. “Los Zetas” é uma quadrilha organizada desde 1997, fundadora do Cartel do Golfo e, ainda segundo o informe, autoridades de municípios e estados mexicanos participavam desses casos de seqüestro.

O massacre do grupo de 72 imigrantes foi, segundo as investigações, levado a cabo pelo Los Zetas. O grupo controla a chamada “rota do imigrante”, do México até os Estados Unidos, e há vários meses realizam sequestros de indocumentados para pedir resgate aos parentes. Em Tamaulipas os sequestrados receberam uma proposta de trabalho como matadores de aluguel para o cartel mexicano, segundo relatou um dos únicos três sobreviventes identificados. A oferta não foi aceita e todos foram executados a tiros com as mãos e os pés atados.

Entre os mortos, há cidadãos de nacionalidades hondurenha, salvadorenha, equatoriana, guatemalteca e brasileira. Sim, havia cidadãos brasileiros entre eles. Juliard Aires Fernandes, de 20 anos, e Herminio Cardoso dos Santos, 24, eram da região de Goverandor Valadares, em Minas Gerais. Mas, na grande mídia do Brasil a notícia principal foi a de que a Polícia Federal irá contribuir com as investigações. A imprensa tratou do tema como algo que ocorreu no “distante” México e se referiu às vítimas como sendo naturais “da região do Brasil que mais exporta mão de obra imigrante para os Estados Unidos”. Pelo menos 14 dos corpos identificados eram de salvadorenhos, incluindo o de dois adolescentes.

A apatia e o comportamento ‘blasé’ do Brasil diante desse caso são tristes e sintomáticas de um país que, no frigir dos ovos, está distante do contexto latino-americano. No entanto, na América Central a situação é bem diferente.

A violentíssima guerra civil de El Salvador (1980-1992) que deixou mais de 70 mil mortos em uma nação de, na época, quatro milhões de pessoas foi concluída ontem, em termos históricos, em 1992. E desde então a realidade golpeia: o país conseguiu a paz política, ou pelo menos o fim da hostilidade bélica oficial, ao custo de muito sangue, mas ainda está longe da paz social.

O editorial do periódico salvadorenho, ContraPunto, explicita: “A pobreza e a exclusão dominam El Salvador e os jovens atualmente possuem quase apenas duas oportunidades: ou participam das maras (gangs) ou migram para os Estados Unidos. Em ambos casos a morte segue a espreita como um denominador comum e um determinismo maldito”.

Estima-se que cerca 2.5 milhões de salvadorenhos residem nos Estados Unidos e as remessas que enviam a El Salvador são um pilar fundamental da economia do país. Em 2009, o valor total do dinheiro enviado representou aproximadamente um 18% do PIB nacional.

O presidente salvadorenho, Mauricio Funes, classificou o massacre como um “ato sem precedentes na história das migrações de El Salvador”. Funes, eleito presidente no ano passado na inédita e histórica vitória da FMLN (Farabundo Martí Liberación Nacional), o ex-grupo guerrilheiro transformado em partido político depois dos Acordos de Paz de 1992, reconheceu que a tragédia é um reflexo da falta de condições de vida necessárias no país para evitar o fluxo migratório para os Estados Unidos. “Eu não posso culpar ao México pelo ocorrido, pois El Salvador também tem responsabilidades nisso. As autoridades do país precisam fazer os esforços para que aqui haja condições suficientes de emprego, saúde e educação”, afirmou o mandatário.

A culpa certamente não é do México, apenas, pois os governos centro-americanos também deveriam estabelecer demandas mais fortes para proteger os seus cidadãos. No entanto, existe uma medida com dois pesos na política migratória mexicana que merece ser denunciada: defender os direitos dos seus imigrantes ante os Estados Unidos, mas olhar para o outro lado na sua fronteira Sul.

A Anistia Internacional – Seção México emitiu um informe em abril deste ano, “Victimas invisibles – Migrantes en movimiento en México”, em que ressalta o fracasso das autoridades federais e estatais mexicanas em inplementar medidas efetivas para prevenir os milhares de sequestros, assassinatos e violações dos direitos humanos dos imigrantes a mercê de grupos de criminosos. No comunicado oficial de imprensa sobre a chacina de Tamaulipas, a organização afirma que “este caso mais uma vez demonstra o extremo perigo que enfrentam os imigrantes e a aparente incapacidade das autoridades de reduzir os ataques contra eles”.

É de fato um grande paradoxo que em território mexicano os imigrantes centro-americanos sejam tratados de maneira diferenciada quando todos – salvadorenhos, mexicanos e brasileiros, ou latino-americanos em geral – tentam juntos cruzar a fronteira em direção ao desgastado clichê do “sonho americano”.

O massacre de Tamaulipas é um símbolo cru e cruel da dependência econômica, política e cultural latino-americana e, especialmente, da América Central.

Aleksander Aguilar é jornalista, licenciado em Letras e mestre em Estudos Internacionais pesquisador das relações Brasil-América Central www.deiticos.blogspot.com

 


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