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protestosdireitaargentinaArgentina - Correio da Cidadania - [Julio Gambina] Produziu-se o anunciado protesto de 8 de novembro (8N) e convém comentá-lo por um enfoque integrado, de economia e política, ou vice-versa se for o caso, ainda que, por vocação e formação, assinalo que se trata, definitivamente, de uma análise feita a partir da Economia Política.


Tem intencionalidade política a manifestação? Existem reivindicações econômicas no protesto? Ambas as interrogações respondemos afirmativamente.

Saiu-se às ruas com demandas políticas e econômicas, assumindo-se um formato instalado historicamente pelo movimento popular, que tantas críticas gerou nos mesmos setores que fecharam ruas e impossibilitaram a circulação.

Pareceu que o piquete estava dependente de quem o conduzia. Deve-se recordar aos manifestantes do dia 8 a situação de mobilização e ocupação das ruas e espaços públicos quando no final do mês saírem às ruas os trabalhadores, pra protestar na convocatória da CGT, CTA e outros grupos, a fim de se mobilizarem contra a lei dos riscos do trabalho; a lei do imposto aos lucros sobre os trabalhadores, entre outras questões; e inclusive reivindicações políticas, pela liberdade sindical e na crítica à intromissão do Ministério do Trabalho na disputa política sindical.

As mobilizações são políticas e/ou reivindicações econômicas, mas não é a mesma coisa reclamar da eliminação das restrições ao dólar e reivindicar um salário mínimo de 5000 pesos mensais, ainda que ambos os protestos se orientem ao Poder Executivo. De modo igual, não é assimilável a demanda política por liberdade do comércio (do dólar) como queixa pela liberdade sindical (reconhecimento à CTA e mais de 2000 organizações sindicais sem personalidade jurídica).

Pretendemos apontar que existem diferentes tipologias de protestos sobre o governo; que existem algumas reivindicações pela direita e outras pela esquerda, com o que o espaço político não só se define entre governo e oposição sistêmica, mas a partir de uma política governamental questionada nas duas pontas.

Definitivamente, a disputa reconhece três espaços, mesmo quando seja menos visível a opção crítica de esquerda.

A direita busca sua base social

Não há dúvidas de que o 8 de novembro é um protesto de direita contra o governo, mesmo que nem todos os mobilizados sejam de direita.

É uma iniciativa impulsionada, em termos de responsáveis ideológicos, por setores sociais associados às classes dominantes (meios monopólicos de comunicação, fundações, partidos e organizações sociais e culturais).

Tratou-se de uma massiva mobilização induzida e orquestrada por âmbitos (políticos, ideológicos, econômicos, sociais, culturais) que promovem um agrupamento para fazer coerente uma política de governo com os objetivos da liberalização econômica, de acordo com o imaginário econômico da década de 90.

Por trás das mobilizações estão os principais meios de comunicação (empresas cujo objetivo é a rentabilidade, o lucro, e que se sentem afetadas pela legislação de mídia e a descapitalização e desmonopolização promovidas), e vários âmbitos políticos e ideológicos favoráveis a uma política explícita de alinhamento com o poder mundial, seja a política exterior dos EUA, ou o alinhamento sem reservas com os organismos internacionais, OMC, FMI, Banco Mundial.

É por isso que as reivindicações se inspiram, por exemplo, na crítica às restrições à compra e venda de divisas, promovendo a liberdade do comércio. O livre câmbio é a consigna por excelência dos regimes do capital, desde a instauração das políticas neoliberais.

Claro que o protesto arrasta outros setores sociais, não dominantes, nem socioeconomicamente hegemônicos, o que concede massividade à mobilização e ao protesto. Insistamos que não todos os mobilizados são aderentes de uma política de direita, e muito menos são setores ricos, pois, caso contrário, nunca seria massiva tal manifestação. O que queremos enfatizar é que esses setores sociais são hegemonizados por uma lógica política das classes dominantes e seus instrumentos de mediação de consenso.

Os argumentos que carregam esses descontentes são variados, e entre eles se destaca a inflação, que afeta principalmente os setores de menor renda.

Também aparece a questão da insegurança pessoal, algo que transcende a conjuntura e se projeta como tema estrutural de um capitalismo cada vez mais orientado à extensão do delito como forma de produção de valor e mais-valia (negócios de drogas, armas, tráfico de pessoas etc.).

Tais setores sociais mobilizados, que ganham as ruas, o fazem contra os valores políticos que o governo defende mediante seu mandato (o denominado modelo).

É uma mobilização com múltiplas demandas, mas concentradas na crítica ao governo e seus projetos, apesar dos recentes acordos parlamentares entre governo e oposição. São acordos entre legisladores dos partidos de governo na nação e na cidade de Buenos Aires, tal como o caso da lei de riscos do trabalho, ou a reorganização territorial de Buenos Aires para negócios imobiliários; ou ainda a lei antiterrorista, ou a reabertura das trocas de títulos da dívida.

Tais acordos não impedem a disputa de consensos sociais para a competição eleitoral. Para isso, Mauricio Macri (prefeito de Buenos Aires) e seus seguidores e aliados se sentiram parte da iniciativa, que o governo tentou minimizar.

Todos sabem que disputam a política e a ordem econômico-social. É que o protesto se afirma em uma inclinação ideológica “pela liberdade” (de mercado, por exemplo) e que se expressa com alguns que afirmam que “apesar de não ter economias, se tivesse, gostaria de investir no que eu quisesse, dólares ou o que seja”.

É comum escutar esses comentários instalados como valor ideológico acima da satisfação com o emprego, salário e condições de vida para mais de um terço da população com problemas para resolver e obter condições de vida adequadas.

A disputa é pela gestão do capitalismo no país

O governo expressa um sentido e um projeto de gestão do capitalismo na Argentina. Aludimos à “reconstrução do capitalismo nacional” formulada por Néstor Kirchner na posse presidencial de 2003, assim como às recorrentes referências de Cristina Fernández ao objetivo capitalista de sua gestão.

Ao mesmo tempo, vale destacar que se trata de um projeto de gestão capitalista diferente do expressado pelo governo portenho (de Macri), mais inclinado à lógica ortodoxa neoliberal.

As ações cotidianas, entre elas a manifestação de 8 de novembro, tal como outras, são iniciativas para disputar o consenso social e confrontar-se pela hegemonia de governo. É a busca por constituir o outro, o oponente ao hegemônico que obteve 54% dos votos há um ano.

Vale o comentário de que está também em questão um reconhecimento recíproco das forças relativas do kirchnerismo e do macrismo para negociar com benefício mútuo, algo que se manifesta nos acordos parlamentares.

Todo pacto político constitui a busca de tempo para a conquista de vantagens particulares para a renovação da hegemonia na gestão capitalista. Do mesmo modo, as iniciativas como as do 8N, ou outras, são ações para consolidar base de massas em confrontação política.

Tais iniciativas políticas, como a do 8N, ou as negociações para a gestão capitalista, nada apontam ao bem estar dos de baixo, apenas os prejudicam mais ainda.

Por tudo isso, pensamos que na análise da conjuntura devem ser consideradas diversas iniciativas políticas em curso, e não só a do governo ou a do agrupamento do 8N. Uma dualidade que serve a ambos, independentemente de quem vença.

Pretendemos demonstrar que não se deve analisar a realidade na superfície dos acontecimentos e deixar claro o interesse principal das partes: a disputa pela hegemonia da gestão do governo em sua administração do capital.

A análise deve completar-se com o olhar orientado na consideração de outras mobilizações e acordos, que manifestam vontade de constituir processos contra-hegemônicos, quer dizer, para além da gestão capitalista.

Em outras palavras, deve-se observar a terceira via em discórdia na Argentina. Não existe apenas um outro e o governo; mas vários outros e o governo.

Porque, definitivamente, não é só o capitalismo, sua evolução e sua gestão, mas também múltiplos processos socioeconômicos e políticos, que pensam e exercitam a capacidade de proposta - pensando em melhorar a qualidade de vida dos trabalhadores e outros setores populares, lutando pelo conteúdo e sentido da ordem econômica e social, para além do neoliberalismo ou do capitalismo.

Julio Gambina é doutor em Ciências Sociais pela Universidade de Buenos Aires, professor titular de Economia Política na Universidade Nacional de Rosário e membro do comitê executivo do Conselho Latino-Americano de Ciências Sociais (CLACSO).

Blog: www.juliogambina.blogspot.com

Publicado originalmente em: http://alainet.org/active/50398&lang=es

Tradução: Gabriel Brito, jornalista do Correio da Cidadania.


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