Há 19 meses, a guerrilha ativa mais antiga da América Latina conversa em Havana com o governo do presidente, Juan Manuel Santos, para pôr encerrar o mais longo conflito armado do hemisfério americano, em diálogos cujo futuro dependeria dos resultados das eleições presidenciais.
Não obstante, em um contexto marcado pela disputa eleitoral entre Santos e Oscar Iván Zuluaga - ambos com visões diversas sobre o processo de paz iniciado aqui em 2012 -, o líder insurgente da delegação de paz, Iván Márquez, disse que a guerrilha "tem uma candidata às eleições e é a Assembléia Constituinte".
Ao chegar a seu meio século de existência, as Forças Armadas Revolucionárias - Exército do Povo (FARC-EP) apresentaram um documento no qual, dizem, expõem sua visão do novo país que propõem aos colombianos, através de um processo constituinte.
Através de 10 diretrizes para a realização desta Constituinte, propõem ao povo e seus setores sociais, políticos e culturais a construção de uma alternativa política e um bloco de poder diferente, segundo afirmou Márquez.
Entre as principais linhas propostas aparece a democratização e participação na vida social, a reestruturação democrática do Estado e a desmilitarización da vida social.
Igualmente, exige-se o desmonte dos poderes mafiosos e estruturas narcoparamilitares, a justiça para a paz e materialização dos direitos das vítimas do conflito, entre outros pontos explicitados.
Sobre a democratização e participação na vida social, a insurgência declarou que "a transição política para a Nova Colômbia exige a superação das falências e ausência de democracia real em todos os âmbitos da vida social".
Para isso, a democracia direta deve ser um modo cotidiano e permanente nos principais âmbitos da vida social: "uma democracia direta a nível local, comunal, regional e nacional", disse a guerrilha ao defender a potencialização dos mecanismos diretos de participação comunitária e cidadã.
Também, as FARC-EP exigiram a reestruturação democrática do Estado "que deverá compreender a redefinição dos poderes públicos e de suas faculdades, bem como do equilíbrio entre eles, limitando o excessivo caráter presidencialista".
A insurgência considerou que "tal reestruturação deverá ser acompanhada de uma reforma política e eleitoral que regule a disputa política em equidade e igualdade de condições, erradique as estruturas e práticas clientelistas, corruptas, criminosas e mafiosas no exercício da política".
Sobre o tema, propôs a reforma do poder eleitoral, dos atuais mecanismos de participação política, suprimindo suas regulamentações restritivas (...) e estabelecendo a eleição popular dos reitores dos organismos de controle; da Promotoria Geral e a Defensoría do Povo e a exclusão do Ministério Público.
Além disso, as FARC-EP propuseram que o processo constituinte deve ser fundamentado na desmilitarização sistemática da vida social, o que na sua opinião implica na redefinição dos conceitos de segurança e defesa, bem como da política estatal neste campo.
Nesse sentido, a guerrilha propõe a superação definitiva da doutrina militar da "segurança nacional" e "guerra contrainsurgente"; bem como a reconfiguração estrutural das Forças Militares e da Polícia.
Adicionalmente, demandou a transformação das instituições cívico-militares em instituições civis e uma política de redução contínua do grande gasto militar, para destinar esses recursos à cobertura das necessidades essenciais da população.
Além disso, a política de defesa colombiana deve ser separada dos ditâmes dos Departamentos de Estado e de Defesa, do Comando Sul, da CIA estadunidense e das centrais de inteligência britânica e israelense, e subtrair-se dos enfoques geopolíticos imperialistas sobre a América Latina, acrescentou a insurgência.
Também, as FARC-EP exigiram o "desmonte dos poderes mafiosos e estruturas narcoparamilitares que se incorporaram no Estado e na sociedade colombiana ao longo das últimas décadas, e se converteram em um fator determinante da organização capitalista".
Nesse caminho, faz-se necessária a depuração do Estado em seus diferentes níveis nacional, departamental e municipal, em seus ramos executivo, legislativo e judicial, nos órgãos de controle, bem como na organização eleitoral, incluídos o Conselho Nacional Eleitoral e a Registraduría Nacional, considerou a insurgência.
A guerrilha pôs ênfase no parágrafo que se refere à construção de uma justiça para a paz, que exige o reconhecimento e a materialização efetiva dos direitos das vítimas do conflito.
Segundo as FARC-EP, o processo constituinte deve contribuir com a construção de uma relação entre as aspirações de paz da sociedade colombiana e a provisão de justiça às vítimas.
Tudo isso com o objetivo de superar definitivamente as causas que produziram e fizeram persistente o conflito armado, assim como reparar integralmente suas vítimas.
Entre as ações propostas para conseguir isso, as FARC-EP respaldaram o estabelecimento desde já de uma Comissão de esclarecimento das origens e desenvolvimento do conflito, que contribua à construção da verdade no processo constituinte, e reiterou seu compromisso com a conformação de uma "Comissão da Verdade".
Outras diretrizes insurgentes são a desprivatização e desmercantilização das relações econômico-sociais, a recuperação da riqueza natural e a reapropriação social de bens comuns; reordenação democrática de territórios rurais e urbanos e um novo modelo econômico para o bem-estar do país.
Igualmente, as FARC-EP manifestaram que o processo constituinte deve ter dentro de seus propósitos a restauração da soberania nacional e o apoio aos processos de integração da Nossa América (América Latina).
Sobre o tema, a guerrilha defendeu a rejeição de qualquer forma de colonialismo, dependência e exploração imperialista e a continuidade do legado político das guerras de independência que derrotaram o colonialismo espanhol, francês e inglês.
A insurgência mostrou também seu respaldo ao impulsionamento do controle social e popular e o acompanhamento da cidadania dos tratados e acordos subscritos pelo Estado colombiano; bem como o reconhecimento da iniciativa social e popular para a denúncia de ditos convênios.
Nessa via, as FARC-EP apoiaram a imposição de medidas transitórias de proteção frente a convênios que vulnerem os direitos da população, incluída sua denúncia ou renegociação, em especial dos Tratados de Livre Comércio e os Acordos de Proteção Recíproca dos Investimentos.
Apesar da guerrilha e do governo já terem avançado com o estabelecimento de acordos parciais sobre o tema agrário, participação política e drogas ilícitas; a realização de um processo constituinte continua sendo uma demanda recorrente ao longo destes diálogos de paz.
Enquanto isso, face às eleições que definirão a presidência da Colômbia no próximo 15 de junho, as FARC-EP - ainda que declinaram se pronunciar sobre hipotéticos cenários resultantes das eleições -, fizeram um chamado pela defesa do processo de paz iniciado com o Executivo de Santos.