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colombia marcha-patrióticaColômbia - Brasil de Fato - [Javier Rodríguez Ruiz] Desde 2012, a Colômbia tem experimentado grandes mobilizações sociais. O surgimento em nível nacional de movimentos  sociais e políticos com pautas amplas marca uma opção alternativa de poder e  governo, no meio da continuidade das práticas estatais e das políticas públicas do 4º país com maior inequidade no mundo e com uma guerra civil irresoluta que já leva mais de 40 anos.


Durante o mais recente grande encontro dos movimentos políticos e sociais da Colômbia, a Cúpula Agrária, Étnica e Popular, realizada nos dias 15, 16 e 17 de março, na cidade de Bogotá, definiu- -se pela convocação de uma nova paralisação nacional de todos os setores sociais, a ser realizada em fins de abril/início de maio.

Isso traz à memória a última paralisação realizada em 2013, que resultou em algumas negociações e acordos entre o governo e os manifestantes, que acabaram sendo descumpridos pelo primeiro – razão pela qual esta nova paralisação está sendo chamada. Entre agosto e setembro do ano passado, durante os  mais de 20 dias de mobilizações no campo e na cidade, ocorreram 660 casos de violações de direitos humanos individuais ou coletivos, que deixaram um saldo de 262 detenções arbitrárias; 485 pessoas feridas, sendo 21 com armas de fogo; 19 pessoas assassinadas e quatro desaparecidas. A seguir, David Flórez, porta-voz da Marcha Patriótica, um dos movimentos mais importantes no contexto colombiano, analisa o momento atual do país.

Brasil de Fato – É sabido que os movimentos sociais colombianos realizam um importante esforço de construção de plataformas de unidade política. Você poderia descrever quais são os avanços a esse respeito nos últimos anos?

David Flórez – Nos últimos anos, os movimentos sofreram um processo de qualificação muito importante que se reflete na passagem da luta meramente reivindicativa para a mais declarada disputa pelo poder político. Esse exercício se concretizou na criação de movimentos sociopolíticos em que confluem organizações camponesas, estudantis, sindicais, juvenis, indígenas, afro-colombianas, LGBTI, movimentos urbanos, entre outros, que têm um desejo de transformação estrutural e uma clara vocação de poder. Sem dúvida, a Marcha Patriótica e o Congreso de los Pueblos (Congresso dos Povos) estão incluídos entre os movimentos sociopolíticos mais significativos na atual realidade política colombiana, devido a sua ampla presença no território nacional, sua diversidade e sua demonstrada capacidade de mobilização. Pode-se se dizer que são vários os avanços. Em primeiro lugar, a ressignificação do exercício da política, já que este havia sido reduzido à participação eleitoral. Ou seja, a criação destes movimentos permitiu resgatar (retomar) a rua, a mobilização e a organização como formas de alcançar vitórias políticas assim como acumular forças para a tomada do poder e para chegar a ser governo.

O que mais?

Permitiu também a retomada de temas fundamentais ao povo colombiano que se encontravam fora do debate público, como aqueles relacionados à necessidade da solução política do conflito e a paz com justiça social; ao fracasso do modelo neoliberal e do livre comércio, especialmente no que tange a produção agrícola em condições de uma histórica concentração da terra; e ao debate sobre as nefastas consequências sociais e ambientais do modelo de extração de minérios. O avanço na unidade do movimento popular pode ser medido pela recente realização da Cúpula Agrária, Étnica e Popular, na qual um grande número de organizações sociais e políticas conseguiram não apenas articular suas agendas, mas também avançar em aspectos importantes de unidade programática e de projeção estratégica.

Quais são as principais dificuldades para a construção dessas organizações políticas alternativas no panorama político colombiano?

Eu poderia mencionar várias, mas definitivamente a principal tem sido a falta de garantias reais e formais para o exercício da política. A Marcha Patriótica, desde seu nascimento, tem sido vítima de uma feroz perseguição por parte do Estado, o que se expressa claramente nos 48 integrantes assassinados, mais de 300 vítimas de fraudes judiciais, entre os quais se encontram processos contra três integrantes da nossa direção nacional: Huber Ballesteros, Francisco Toloza e Wilmer Madroñero. Além disso, mais de 900 integrantes já receberam ameaças de morte por parte de grupos paramilitares que trabalham de mãos dadas com o Estado. Todos esses vexames têm sido legitimados por meio de uma brutal campanha de estigmatização que vai do presidente da República aos ministros e comandantes militares e termina na chamada “grande” mídia.

Você poderia descrever qual é a proposta de construção de democracia da Marcha Patriótica e quais suas distâncias e críticas com a suposta democracia eleitoral colombiana?

É muito importante que fique claro que na Colômbia não há uma verdadeira democracia e que claros exemplos disso foram as mais recentes eleições legislativas que se realizaram em meio a denúncias de fraude feitas por todos os partidos que participaram, pelo enorme custo das campanhas, algumas delas superando os 2 milhões de dólares por candidato, cifra que só é possível de ser alcançada por meio do financiamento de transnacionais do setor financeiro ou do narco-paramilitarismo. Também ficou evidente o constrangimento armado, o aumento das ameaças contra as organizações sociais e a compra de votos, o que fez com que 69 parlamentares eleitos sejam de famílias ou clãs políticos ligados ao paramilitarismo, realidade que na Colômbia é de público conhecimento. O histórico clientelismo também esteve presente. Por meio dele foi distribuído o dinheiro do Estado para garantir cadeiras no parlamento e assegurar que os amigos do presidente Santos acompanhem a pretensão de reeleição dele. Outro fenômeno importante de se analisar é a já histórica alta abstenção, que subiu para 56% em nível nacional e chegou a 66%, em Bogotá. Além do crescimento significativo de votos branco, nulo e não marcados, que somados chegaram a 22%, o que representa um percentual de votos superior ao de qualquer um dos partidos políticos que participaram nas eleições. Isso mostra, a meu ver, uma aguda crise de representação do regime político colombiano, que devido a um exercício claramente antidemocrático e de clientela nas eleições, suscitou uma enorme rejeição dessas instituições por parte dos colombianos. Diante desse panorama no atual regime político, a esquerda colombiana está limitada a reproduzir a democracia governável por meio da participação minoritária no Parlamento, sem nenhuma chance real de ser governo e de ter poder.

Qual a saída, então?

A Marcha Patriótica vem insistindo na necessidade da realização de uma Assembleia Nacional Constituinte que consiga mudar o atual regime político e suas instituições antidemocráticas e que abra a possibilidade de referendar popularmente os possíveis acordos entre as insurgências e o governo nacional. Fora isso, que também inclua os setores sociais historicamente excluídos das decisões importantes de nosso país: indígenas, afro-colombianos, camponeses, estudantes e os integrantes dos grupos insurgentes.

Você poderia fazer uma breve análise do panorama de mobilizações populares que aconteceram na Colômbia desde o surgimento dessas plataformas de unidade social e política?

Eu posso dizer que essas plataformas nasceram na mobilização popular, já que são produto de históricos de luta acumulados e porque seu nascimento foi legitimado por massivas mobilizações, como as que aconteceram no dia 12 de outubro de 2013, com o Congreso de los Pueblos, e nos dias 20 de julho de 2010 e 23 de abril de 2012 no caso da Marcha Patriótica. A geração destes processos tem repercutido no aumento significativo da mobilização social, popular e unitária em nosso país. Isso trouxe como resultado a realização da Semana da Indignação em outubro de 2012, a paralisação agrária e popular e a Minga Indígena entre os meses de setembro e outubro do ano de 2013. Esses últimos fatos constituíram-se na maior mobilização em nosso país nos últimos 30 anos.

Qual é a agenda política de mobilizações prevista na Colômbia?

Como resultado da Cúpula Agrária, Étnica e Popular, o movimento político e social Marcha Patriótica, Congreso de los Pueblos e as organizações mais representativas dos mundos afro-colombiano e indígena preparamos uma nova paralisação nacional a ser realizada em fins de abril/início de maio, com o propósito de obrigar o governo a mudar suas políticas em relação aos camponeses, à produção agrícola e a outros setores sociais.


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