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maduro-1Venezuela - Brasil de Fato - [Ignacio Ramonet] Conversamos com Nicolás Maduro – a bordo do helicóptero que nos conduz de Caracas a Taguanes (Estado Guárico) - , no mesmo dia em que se cumpriam seus primeiros cem dias de governo como presidente da República Bolivariana.


Depois de ter fracassado em sua tentativa de deslegitimar ao presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, democraticamente eleito em 14 de abril, a oposição já prepara as eleições municipais do próximo 8 de dezembro. Nessa perspectiva, lançou recentemente, com a ajuda da direita internacional e seus habituais cúmplices midiáticos, o boato de que o presidente Maduro não teria nascido na Venezuela e, por conseguinte, como estipula a Constituição, sua eleição não seria válida.

Sobre essa nova campanha de intoxicação e vários outros temas da atualidade, conversamos com Nicolás Maduro* – a bordo do helicóptero que nos conduz de Caracas a Taguanes (Estado Guárico) - , no mesmo dia em que se cumpriam seus primeiros cem dias de governo como presidente da República Bolivariana.

Ignacio Ramonet: A oposição venezuelana lançou uma campanha, que encontra eco em alguns meios internacionais, afirmando que o senhor não nasceu na Venezuela, mas, em Cúcuta, Colômbia; e que possui dupla nacionalidade, o que, segundo a Constituição, o invalidaria como Presidente. Que comentários essa acusação lhe inspira?

Nicolás Maduro: O objetivo dessa loucura lançada por um demente da ultradireita panamenha é criar as condições para uma desestabilização política. Tentam conseguir o que não puderam fazer nem através das eleições, nem dos golpes de Estado, nem através das sabotagens econômicas. Estão desesperados. E se baseiam na ideologia anticolombiana que a burguesia e a direita venezuelanas sempre tiveram contra o povo da Colômbia.

A esse respeito, se eu tivesse nascido em Cúcuta ou em Bogotá, me sentiria feliz de ser colombiano. Porque é uma terra fundada por Bolívar. Se tivesse nascido em Quito ou em Guayaquil, também me sentiria orgulhoso de ser equatoriano, porque é uma terra libertada por Bolívar; ou em Lima, ou em Potosí, ou em La Paz, ou em Cochabamba, me sentiria feliz por ser peruano ou boliviano; e se houvesse nascido no Panamá, terra de Omar Torrijos, terra de dignidade, que fez parte da Gran Colômbia, de Bolívar, também me sentiria orgulhoso de ser panamenho. Porém, nasci e me criei em Caracas, berço do Libertador; nessa Caracas sempre convulsa, rebelde, revolucionária. E aqui estou como presidente. Essas loucuras serão recordadas como parte da crise de desespero esquizofrênico na qual, às vezes, a direita internacional entra com o objetivo de acabar com essa réstia de luz que é a revolução bolivariana.

Por outro lado, o presidente da Assembleia Nacional, Diosdado Cabello, declarou recentemente que foram descobertas conspirações contra o senhor, com intenção de atentar contra sua vida.

Sim, o ministro do Interior, Rodríguez Torres, o presidente da Assembleia Nacional, Diosdado Cabello, e eu mesmo revelamos um dos planos de assassinato que estava sendo preparado para o dia 24 de julho, aniversário do nascimento de Simón Bolívar, e comemoração dos 190 anos da Batalha Naval de Maracaibo. Dispunham de um conjunto de planos que conseguimos neutralizar e que têm sempre sua origem na mesma direita internacional. Aí, aparece por exemplo, o nome de Álvaro Uribe (ex-presidente da Colômbia), que tem uma obsessão contra a Venezuela e contra os filhos de Chávez. Aparece também a velha máfia de Miami, a de Posada Carriles, que conta com o apoio de importantes instâncias de poder nos EUA. O governo de Barack Obama não quis desmontar essa máfia de Posada Carriles, um terrorista convicto e confesso, perseguido pelas leis de nosso país porque derrubou um avião de Cubana de Aviação, em outubro de 1976...

Posso garantir-lhe que continuaremos defendendo-nos, neutralizando esses planos... e vencendo. Se eles alcançassem seu objetivo, se criaria uma situação que não gostaria nem de pensar nela. A quem menos lhe convém que algo assim aconteça é a direita venezuelana. Desapareceria do mapa político de nosso país por 300 anos... Porque a Revolução tomaria outro caráter, sem dúvida, muito mais profundo, muito mais socialista, muito mais anti-imperialista. Espero que esses planos jamais tenham êxito, porque repercutiria muito mal para eles. E eu veria tudo lá do céu...

O senhor pensa que o fracasso da oposição em sua tentativa de desestabilização se deve à política que o senhor tem impulsionado, ou a uma mudança de atitude da própria oposição ante as eleições municipais do próximo 8 de dezembro?

Deve-se, principalmente, à fortaleza institucional da democracia venezuelana, e a decisão que tomei, apoiando-me nessa fortaleza, de derrotar o mais cedo possível a tentativa de insurreição e de violência. Neutralizá-lo. Não permitir que se estendesse. Eles tentaram uma espécie de insurreição nas principais cidades, nos dias 15 e 16 de abril.

Qual foi o grau de violência?

Assassinaram 11 pessoas humildes, entre elas, uma menina e um menino. E feriram a quase 100, dos quais pouco se fala. Teve gente que ficou com sequelas para toda a vida.

A oposição mostrou seu verdadeiro rosto golpista. Aparentava bons modos democráticos, porém, quando [em 5 de março], o comandante Chávez faleceu, decidiu desconhecer o resultado das eleições e tentar impor pela força –com o suposto apoio internacional dos EUA e de outros governos da direita-, uma operação para desestabilizar a Revolução. Conseguimos neutralizá-los e derrotá-los logo. Agora, não lhes resta outro caminho que voltar a tentar, pela via eleitoral, ocupar espaços nas prefeituras. Nós os obrigamos a que assim seja. Se não fosse por nossa decisão, de que a Constituição seja respeitada, eles teriam levado nosso país a uma situação de guerra civil.

Em recentes declarações, o senhor alertou sobre fissuras na unidade da Revolução. O senhor teme uma divisão do chavismo?

As forças divisionistas e dissolventes sempre ameaçaram qualquer Revolução. As aspirações ao poder de grupos de pessoas são uma negação do projeto da Revolução Bolivariana, que é de caráter socialista, e exige desprendimento e sacrifício. O comandante Chávez foi presidente porque as circunstâncias da história o colocaram nesse posto. E eu sou presidente, não por ambição individual ou porque represento um grupo econômico ou político; sou presidente porque o comandante Chávez me preparou, me designou e o povo venezuelano me ratificou em eleições livres e democráticas.

Assim, que todas essas forças dissolventes sempre existirão. Porém, a Revolução tem a capacidade moral, política, ideológica para sobrepor-se a qualquer tentativa de divisão de suas forças. Eu disse isso no Llano venezuelano, porque estava vendo com meus próprios olhos, lá mesmo, diante de mim, uma pessoa que se diz chavista, porém, por debaixo dos panos, é financiado pelos latifundiários, e ele tem um discurso chavista para dividir. Não é impossível que quando esse indivíduo constate que não é designado pela Revolução como candidato à prefeitura desse município, se lance por sua conta... Estamos em boas condições para conseguir candidaturas unitárias em quase todos os municípios do país; e teremos que fazer um grande esforço para derrotar as forças dissolventes desses setores que se dizem chavistas; mas, no final, acabam sendo aliados da contrarrevolução.

Em relação à prática governamental precedente, o senhor introduziu várias mudanças: crítica da insegurança, denúncia da corrupção e, sobretudo, o que chama o "governo de rua" Por que sentiu a necessidade de insistir nesses temas? E que balanço faz do "governo de rua"?

Em primeiro lugar, o "governo de rua", estabeleceu nessa nova etapa um método para que exista uma direção coletiva da Revolução. Segundo: criou-se um sistema de governo onde não há intermediários entre o poder popular local e a instância de governo nacional. Trás solução para problemas concretos; porém, sobretudo, contribui à construção do socialismo, das comunas, de uma economia socialista, e a consolidação de um sistema público de saúde integral, gratuito e de qualidade, e de um sistema educativo público e gratuito de qualidade... E o "governo de rua" é uma revolução dentro da Revolução.

É também uma maneira de combater o burocratismo?

De vencê-lo. Propondo outro sistema. Porque os modelos de governo que herdamos expressam a forma de governar do Estado burguês, ele mesmo herdeiro da colônia, na América Latina. O presidente Chávez os derrotou mediante as Missões que constituíram um novo modelo de gestão das políticas públicas. Nós, estamos agregando o "governo de rua" às Missões, que, poderíamos dizer, é uma instrução direta do comandante Chávez. Ele nos ordenou, a Elías Jaua que era vice-presidente na época e a mim, que era vice-presidente político, que fôssemos construindo um sistema de governo regionalizado 0"popular", dizia ele- e eu lhe pus "governo de rua". Todas são instruções e orientações dentro da filosofia de um modelo socialista no qual o poder não seja das elites –nem elites burguesas, nem l]novas elites que se burocratizam ou se aburguesam-. Queremos que o poder esteja democratizado, que seja uma vacina contra o burocratismo, contra o aburguesamento e, além do mais, que nos permita alcançar a "eficiência socialista".

Se a oposição ganhar as eleições municipais de 8 de dezembro próximo, é provável que chame a um referendo revocatório em 2015. Como o senhor vê essa perspectiva?

Estamos preparados para todos os cenários. Sempre diremos a verdade ao povo. Se a oposição conseguisse uma boa votação no 8 de dezembro, tentará aprofundar a desestabilização para dissolver nossa pátria, acabar com a independência e acabar com a Revolução do comandante Chávez, que retomou o conceito de Republica Bolivariana. Vão impor cenários de desestabilização violenta em primeiro lugar e os EUA tentarão acabar com os níveis de independência e de união que a América Latina possui hoje.

Temos uma grande responsabilidade, porque estamos defendendo um projeto que pode tornar possível outro mundo em nossa região e pode contribuir para criar um mundo multipolar, sem hegemonias econômicas, militares, nem políticas do imperialismo estadunidense. Boa parte do nascimento de outro mundo onde se respeitam os direitos dos povos do Sul –e, inclusive, dos povos da Europa, para que a Europa livre-se do neoliberalismo-, depende de que, na América Latina, triunfem definitivamente as ideias de constituir um bloco de força e de equilíbrio para consolidar a ideia de que já não somos nenhum "pátio traseiro/quintal" dos Estados Unidos. Tudo isso depende, em boa medida, do que aconteça por aqui.

Como o senhor explica o resultado da oposição no passado 14 de abril, e como pensa ganhar o próximo 8 de dezembro?

Há um eleitorado que sempre votou indistintamente na oposição. Porém, no dia 14 de abril, uma boa parte dos que não votaram em nós o fizeram por descontentamento, por coisas mal feitas, problemas acumulados... No entanto, esses eleitores nunca acompanharam as aventuras golpistas e antibolivarianas da direita. A esses venezuelanos, nós, permanentemente, dizemos que estamos na rua, trabalhando para melhorar as coisas. Eles sabem que não tem sido fácil. E que a epopeia maior foi, na véspera do 14 de abril, sobrepassar a tragédia histórica da morte do comandante Chávez; superar o luto coletivo. Quando uma pessoa entra em luto, pode cair em estado de desesperança; não crer em nada. Boa parte do povo venezuelano entrou em luto profundo. E os especialistas em guerra psicológica que acossam nosso país se aproveitaram desse momento e dessa fragilidade para atacar duramente... Por isso, nossa vitória no dia 14 de abril foi realmente heroica.

O que estamos realizando –o "governo de rua"; a recuperação da economia; a atenção a temas intransferíveis, como a segurança cidadã, a corrupção...-. Isso nos dará forças para a grande vitória do 8 de dezembro. E será a garantia de que se abre um novo caminho para a construção do socialismo do século XXI.

Até onde o senhor pensa chegar em sua luta contra a corrupção?

Até as últimas consequências. Vamos com tudo! Enfrentamos uma direita muito corrupta, herdeira da IV República descomposta e em decadência. Porém, também estamos enfrentando a corrupção que fez ninho no campo revolucionário ou no seio do Estado. Não haverá trégua! Constitui uma equipe secreta de investigadores incorruptíveis que já estão destampando vários casos. Temos alguns detidos de mais alto nível e vamos seguir atacando forte. Serão julgados e irão para onde devem ir: para a prisão!

Como o senhor vê a situação da economia venezuelana? Várias análises alertam sobre o elevado nível da inflação.

A economia venezuelana está em transição para um novo modelo produtivo, diversificado e 'socialista do século XXI', no marco da construção de um novo quadro econômico constituído pela integração sul-americana e latino-americana. Não devemos esquecer que, agora, somos membros do Mercosul; somos membros da Alba (Aliança Bolivariana para os Povos de Nossa América) e lideramos Petrocaribe. Toda essa massa geográfico-demográfico-econômica reúne 24 países do continente, o que poderia representar quase a quarta economia do mundo... Temos que transformar a economia venezuelana e conectá-la com o desenvolvimento desse novo marco econômico, e, ao mesmo tempo, integrar-nos, em situação vantajosa, na economia mundial. Não de dependência. Por isso digo que estamos em transição.

Sobre a inflação, lhe direi que padecemos um ataque muito forte, especulativo, contra nossa moeda, e estamos superando. Há também uma sabotagem ao abastecimento de vários produtos. Tudo isso produz inflação. Porém, já começamos a controlar, a equilibrar; e estou certo de que superaremos essa situação no que resta do segundo semestre.

Vamos estabilizar a moeda. Já começamos a estabilizar o abastecimento; porém, a chave fundamental para que saiamos desse modelo rentista, dependente, é a diversificação de nossa produção. Estamos realizando grandes investimentos em setores chave da produção de alimentos, da agroindústria e da indústria pesada. Estamos atraindo capital internacional que traga divisas e tecnologia. Recentemente, fizemos um giro pela Europa e estamos otimistas de que venham capitais da França, da Itália, de Portugal... Desejamos que venha capital do Brasil, da Índia, da China, com sua tecnologia para desenvolver a indústria intermediária na Venezuela, diversificando-a. Para que a Venezuela tenha motores próprios e variados e não dependa somente do petróleo que, claro, constitui um motor poderosíssimo para os próximos 50, 80 anos. Poderosíssimo. Não esqueçamos que a Venezuela dispõe de mais importantes resevas de petróleo do planeta e possui a quarta reserva de gás. A Venezuela é uma economia com muito poder financeiro e econômico. O que veremos, sobretudo a partir de 2014, é uma recuperação do nível de estímulo e crescimento da economia venezuelana.

Como se explicam os problemas de desabastecimento, que têm sido muito criticados pela imprensa internacional?

O desabastecimento faz parte de uma estratégia de "guerra silenciosa", onde atores políticos, acompanhados por atores econômicos nacionais e internacionais, vendo o estado de gravidade do comandante Chávez, entre dezembro de 2012 e março desse ano, começaram a atacar pontos chave dos processos econômicos venezuelanos. Alentados também por alguns erros cometidos no sistema de câmbio de divisas na Venezuela, que já foram corrigidos. Essas forças antibolivarianas, pouco a pouco, começaram a golpear o abastecimento dos produtos que importamos. Além disso, para explicar a escassez de alguns produtos, devemos levar em consideração que o poder aquisitivo dos venezuelanos não para de aumentar. Temos apenas 6% de desemprego e o salário mínimo urbano aqui é o mais alto da América Latina. Outro ponto importante, reconhecido pela FAO (Organização das nações Unidas para a Alimentação e Agricultura, siglas em inglês), somos o país do mundo que mais tem feito para combater a fome. Tudo isso -é muito importante considerar- gerou uma capacidade de consumo da população que está crescendo a cada ano acima de 10%. O consumo cresce em um ritmo superior à capacidade de produção do país e à capacidade dos mecanismos que tínhamos para abastecê-lo com importações.

O comandante Chávez, na última vez que falei com ele pessoalmente, no dia 22 de fevereiro passado, quando avaliamos a situação econômica e falamos sobre o desabastecimento, me disse: "Desatou-se uma 'guerra econômica' para aproveitar minha doença e a gravidade de minha situação e a possibilidade de chegarmos às eleições presidenciais. Nesse caso, a burguesia tentaria criar circunstâncias econômicas difíceis para, com o apoio imperial, dar o golpe final na Revolução Bolivariana".

Nós já estamos saindo dessas circunstâncias. Ao povo venezuelano jamais faltou o alimento. Nunca. Pode ir em qualquer bairro popular, desses que eu conheci nos anos 80, onde as crianças eram famélicas, onde as pessoas comiam uma vez ao dia e, às vezes, comida para cachorro... O bairro mais humilde que encontrem no país, onde quiser, pode abrir a despensa e verá carne, arroz, óleo, leite... O povo tem garantido o alimento e isso nas piores circunstâncias da 'guerra econômica' que nos fizeram.

Por isso, temos estabilidade social e política. Agora, essa guerra é muito diferente daquela de onze anos atrás. Saía o chefe da patronal, Carmona Estanga, e chamava a paralisação geral. Saía o chefe da velha burocracia sindical, Carlos Ortega, e chamava à paralisação. Eles davam a cara, assumiam a sabotagem da economia e houve grandes desabastecimentos que quase provocam uma explosão social em 2002-2003. Agora, não. Agora é a 'guerra silenciosa', uma 'guerra suave', 'diplomacia suave', segundo consignas de Washington. Em 2002-2003, governava George W. Bush, que era brutal e dizia: "Vou invadir!" e invadia; "Vamos derrocar tal governo" e o derrocava. Agora, é o suave, o escondido, e aparece a direita fascitoide que vai sorrindo e dizendo: "Esse governo é incapaz porque não pode abastecer as cidades". Quando são eles os que estão por detrás de um plano, com agentes internacionais no campo econômico para causar dano ao país. Porém, vamos superando e vamos nos vacinando. No futuro, lhes será impossível arremeter com esses mesmos mecanismos.

Na economia, que papel o senhor vê para o setor privado?

Historicamente, o setor privado na Venezuela tem pouco desenvolvimento. Nunca houve burguesia nacional. O setor privado, fundamentalmente, se desenvolveu quando surgiu o petróleo, como um fator mais bem vinculado à apropriação da renda petroleira. Quase todas as grandes riquezas da burguesia venezuelana estão vinculadas à manipulação do dólar, seja para importar produtos (a burguesia comercial) ou seja para apropriar-se da renda e colocá-la nas contas de grandes bancos no exterior. Assim que, em cem anos, não tivemos uma burguesia produtiva como teve o Brasil, por exemplo, ou a Argentina. Agora é que estamos vendo ressurgir setores privados com projetos vinculados à verdadeira produção de riquezas para o país.

No modelo socialista da Venezuela, o setor privado tem um papel a desempenhar na diversificação da economia. Historicamente, o comandante Hugo Chávez favoreceu as relações com o setor privado, tanto na pequena como na média ou grande empresa, favoreceu o desenvolvimento de empresas mistas e a venda de capital privado internacional. Há um pensamento econômico que, na Venezuela, foi desenvolvido para selecionar em qual área é necessário investimento estrangeiro. Que capital pode vir e em que condições. Por exemplo: se o nosso petróleo é nacionalizado, existem vários métodos que permitem investimentos na Faixa de Orinoco, de todo o capital mundial; lá há empresas de todo o planeta, empresas mistas: 40% de capital internacional, 60% da Venezuela. Cobramos os impostos devidos – antes cobrávamos 1%, agora 33%. A Venezuela oferece todas as garantias constitucionais para receber o capital internacional.

Vocês mantém o controle do câmbio?

O controle do câmbio é um sistema bem sucedido. Em fevereiro, para nos defendermos de um ataque brutal contra a economia e sobre a moeda, tivemos que adaptar, por exemplo, o bolívar. A Venezuela pode lidar com esse tipo de câmbio que temos, aperfeiçoando-o. Devemos fortalecer nossa moeda, vaciná-la para prevenir ataques especulativos e melhorar o sistema de manejo das divisas conversíveis.

O senhor me disse antes de 'eficiência'. Que progresso tem sido constatado em termos de "eficiência", particularmente no campo da economia?

Em primeiro lugar, um melhora substancial do sistema do Cadivi [Comissão de Administração de Divisas], a agência que administra o controle de câmbio na Venezuela. Ele melhorou muito nos controles anteriores, os controles posteriores e a alocação de divisas necessárias para os agentes econômicos. Outro elemento muito importante tem sido a criação do SICAD [Sistema Complementar de Administração de Divisas], um mecanismo de leilão que está funcionando perfeitamente, mas que agora também têm acesso o público em geral. Qualquer um pode ir para o SICAD. As pessoas comuns podem ganhar divisas para a sua vida normal, sem ter que passar por qualquer checkpoint. Esses são avanços concretos.

Mas também temos constituído um Estado Maior para a direção da economia, liderado por Nelson Merentes, vice-Presidente de Finanças. Ali estão todos os ministros dos setores econômicos. Cada ministro tem que supervisionar, apoiar e orientar cada item que é produzido na Venezuela. Foram selecionadas 58 áreas-chave. Nós monitoramos um segmento permanentemente - poderia ser até diária, agora é semanal - como vai a produção de cada um desses produtos, que investimentos são necessários, quais os obstáculos para sua comercialização interna ... Em outras palavras, nós vamos conseguindo um mecanismo fundamental para governar a economia. Assim como é governado, a nível político, um país deve, deve governar a economia. Especialmente se estamos planejando construir o socialismo.

O capitalismo é o reino da anarquia, e quando há a anarquia econômica governa quem tem mais poder: o capital financeiro. Hoje, quem realmente governa a Europa? O capital financeiro. Na Europa, o capital financeiro é o desmantelamento do Estado de bem-estar criado após a Segunda Guerra Mundial. Na Venezuela não, estamos construindo um governo econômico para edificar o socialismo. Para que deveria servir a economia? Para garantir aos cidadãos a saúde pública, a alimentação, a habitação digna, a educação gratuita ... A quem devemos esses direitos universais? À Revolução Francesa e ao Iluminismo, que chegaram a nossas terras, traduzidos na mistiçagem latino-americana, da mão de Simón Rodríguez, e que defendeu Bolivar. É parte do patrimônio maior da humanidade. Mas o capital financeiro nega isso.

Nestes cem dias de mandato, a nossa impressão é que a grande crise de política externa que a Venezuela passou foi com a Colômbia. Como são as relações atuais com Bogotá?

Nestes cem dias, consolidamos todo o eixo de relações estratégicas, ante a construção de uma nova geopolítica regional e um novo sistema de forças para garantir a nova independência do continente. As diferenças com a Colômbia têm sido tratadas, obviamente, através do diálogo. Nós traçamos as linhas de ação para superá-las. Eu confio na palavra do presidente Juan Manuel Santos, e espero que possamos conseguir o que falamos. Eu confio que teremos uma relação de convivência pacífica e positiva entre dois modelos: um modelo socialista, de revolução cristã do século XXI, igualitário, de democracia popular como o venezuelano, e outro modelo que não vou qualificar, mas é diferente do nosso. Somos obrigados a conviver como irmãos siameses. Nós mostramos que se pode coexistir e espero que os setores políticos e econômicos dominantes na Colômbia, e o presidente Santos no comando do governo, entendam que a convivência e o respeito são essenciais para o desenvolvimento dos nossos dois países.

Como vão as relações com Washington?

Deixe-me dizer, em primeiro lugar, que Barack Obama é um presidente circunstancial. É uma circunstância dentro da elite que governa os Estados Unidos. Por que Obama chegou à presidência? Porque convinha aos interesses do complexo industrial, militar-financeiro-comunicacional que dirige os Estados Unidos com um projeto imperial. Quem conhece a fundo a história da fundação dos Estados Unidos e seu expansionismo, reconhecerá que ele é o mais poderoso império que já existiu, com um projeto de dominação do mundo. Obama foi eleito pelas elites em função de seus interesses, e tem alcançado parte do objetivo que foi planejado: tornar o país isolado, desacreditado que eram os Estados Unidos na era de George W. Bush, tornar-se, graças a Obama, em um potência que possui, mais uma vez, capacidade de influência e de dominação. Se não, vejamos o caso da Europa, sujeita aos ditames de Washington, como nunca antes.

O que aconteceu com o presidente da Bolívia, Evo Morales, quando quatro estados europeus lhe negaram o acesso ao seu espaço aéreo, é uma demonstração gravíssima de como, a partir de Washington, são direcionados os governos da Europa. É realmente desconcertante. Eu não sei se os povos da Europa sabem disso, porque, às vezes, com controle de comunicação que há, essas notícias vão sendo banalizadas e deixadas de lado. Mas é muito grave. Obama conseguiu que o império cresça em influência política.

Os Estados Unidos estão se preparando para uma nova etapa que é crescer em dominação militar e econômica. Na América Latina, o projeto é reverter os processos progressistas de mudança para voltar a converter-nos em seu quintal. Por isso estão retomando - com outro nome – o projeto da Alca [Área de Livre Comércio das Américas], para nos dominar economicamente e retomar os mesmos métodos do passado. Observa-se, sob a presidência de Obama: o golpe de Estado em Honduras dirigido a partir do Pentágono; a tentativa de golpe contra o presidente do Equador, Rafael Correa, teleguiada pela CIA; golpe de Estado no Paraguai operado por Washington para remover o presidente Fernando Lugo... Que ninguém se engane, se os Estados Unidos vissem que há condições favoráveis, voltariam de novo a encher de trevas e de morte a América Latina.

Por isso, a relação do governo Obama conosco é esquizofrênica. Eles pensam que podem nos enganar com a "diplomacia branda", que vamos deixar nos dar o "abraço da morte". Temos os temos entendido muito claramente: vocês aí com seu projeto imperialista e nós aqui com o nosso projeto de libertação. A única maneira de ter um relacionamento estável e permanente é se nos respeitarem. Por isso eu digo: "Tolerância zero para o desrespeito gringo e suas elites Nós não vamos tolerar mais".

Se continuarem nos agredindo, responderemos a cada agressão com maior fortaleza. Chegou a hora da tolerância zero.

Na recente Cúpula da ALBA, o senhor propôs uma articulação ALBA-Mercosul-Petrocaribe. É uma resposta à Aliança do Pacífico?

Não. É uma necessidade histórica. Precisamos consolidar os espaços econômicos alcançados. O Mercosul vive uma transformação muito positiva e agora, com a incorporação da Venezuela, Bolívia próxima incorporação e a possível incorporação do Equador, o Mercosul começa a ocupar um espaço vital na América do Sul.

Petrocaribe é uma realidade maravilhosa que tem permitido a estabilidade energética, econômica, financeira e social de 18 países do Caribe. E a ALBA é uma vanguarda onde tem ocorrido ensaios econômicos como o SUCRE [Sistema Único de Compensação Regional], uma unidade de mudança latino-americana, ou como o Banco da ALBA e outros ensaios como as "empresas gran-nacionais", que vão adquirindo experiência e espaços .

É hora de cercar todos os espaços já conquistados para definir um novo modelo econômico. É hora de unir este vasto espaço Mercosul-ALBA-Petrocaribe que representará, mais uma vez, quase a quarta economia do mundo, em um espaço nosso, não de falso livre comércio. Porque o livre comércio é falso! Você acha possível permitir a livre circulação, nos mares, de um tubarão e uma sardinha sem que o tubarão coma a sardinha? Impossível. O livre comércio é como trocar pepitas de ouro por espelhos, sistema com o qual nos colonizaram por 500 anos. Precisamos consolidar uma zona econômica complementar, diversa, desenvolvida, com seus mecanismos financeiros, monetários, e converter-nos em um poderoso bloco econômico. E, a partir daí, ter relações com a Rússia, Índia, China, África do Sul; redefinir nossas relações comerciais e econômicas com a Europa, os Estados Unidos, onde nós não voltemos a ocupar o papel de colônia.

Como o senhor vê as relações com a União Europeia?

A União Europeia perdeu a oportunidade de se tornar uma grande potência equlibradora do mundo. Todos os povos do planeta esperavam que a União Europeia fosse a força de equilíbrio do mundo. Mas parece que não. O capital financeiro e dos antigos complexos colonialistas das elites que dirigiram a Europa por 300 anos, parece que se impõem à consciência democrática e democratizadora da maioria dos povos da Europa. O que queremos da União Europeia? Que mude sua política, que deixe de estar de joelhos diante de Washington, que se abra para o mundo e que veja a América Latina como uma grande oportunidade para voltar a restaurar o estado de bem-estar social e para estabelecer relações conosco de igualdade, de prosperidade, de crescimento. De uma forma natural, podemos desenvolver uma parceria União Europeia-América Latina e Caribe para o desenvolvimento conjunto. Estamos preparados para isso. Compreendemos perfeitamente a cultura ocidental, somos parte dela, embora tenhamos nossas peculiaridades mestiças. Mas as elites europeias não nos entendem. Oxalá isso se supere.

O presidente Chávez queria tornar a Venezuela um "país potência" em um "mundo multipolar". Essa continua sendo a linha, em matéria de política externa?

Claro. Em sua curta vida, Chávez conseguiu não só resgatar Bolívar como ideia, inspiração e símbolo, mas transformou-o em uma estratégia. Ele conseguiu fazer que, em todo o mundo, coexistam dois modelos: o capitalista-neoliberal, e modelo bolivariano-independista-chavista, de justiça, de socialismo. Em todo o planeta, hoje, estão debatendo esses dois projetos: o retorno da hegemonia unipolar do imperialismo estadunidense; ou o modelo de um mundo multipolar, multicêntrico.

O comandante Chávez configurou uma política de desenvolvimento de eixos de força, de núcleos de força, de anéis de poder para desmontar o mundo controlado pelo imperialismo. E, especialmente, para a construção de um novo sistema de relações internacionais. A humanidade não pode existir se não se desenvolver essa política internacional. A outra coisa é cruzar os braços e deixar o Império recuperar o mundo, mais uma vez dominar e nos escravizar o quanto antes. Nós não vamos permitir.

Tradução: ADITAL e Redação do Brasil de Fato.

*Entrevista realizada no dia 31 de julho de 2013, publicada em espanhol no número Nº: 215, setembro de 2013 de "Le Monde Diplomatique".

 


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