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021012 grandaColômbia - Resistir - [Carlos Aznárez] Entrevista do responsável das FARC nas negociações de paz, a uma semana do início.


A poucos dias das conversações de paz entre o governo colombiano e as FARC, o Comandante Ricardo Téllez (Rodrigo Granda), integrante da direcção dessa organização guerrilheira, observou que "o convicção do governo de Juan Manuel Santos de que não podia ganhar a guerra de forma rápida o levou a dialogar". Granda, também conhecido como o "Chanceler das FARC" está na insurgência desde 1980. Confessou que um momento muito difícil das conversações exploratórias iniciadas em 2010 se verificou quando foi assassinado o comandante Jorge Briceño (Mono Jojoy) e a seguir caiu em combate o dirigente máximo das FARC, Alfonso Cano. "Nessa altura fomos obrigado a avaliar se tomávamos a decisão de continuar ou virávamos o tabuleiro. Contudo, percebemos que o objectivo era a paz, como sempre havia defendido o nosso Comandante Manuel Marulanda Vélez, e decidimos continuar a tentar". Esta entrevista foi realizada em Havana.

- Foi muito difícil chegar ao momento actual? Como foram as primeiras conversações exploratórias? 

Este caminho não foi simples, porque viemos de uma guerra bastante dura, de oito anos do senhor Uribe e dois anos de Juan Manuel Santos. Uma vez que o presidente Santos assumiu o mandato, enviou uma carta ao Secretariado das FARC dizendo que o que nós propúnhamos na agenda da Nova Colômbia bolivariana podia ser discutido, mas que o fazia mal ao país eram as formas de luta que utilizávamos. De qualquer forma, ele reconhecia que na Colômbia havia um conflito, o que era algo que Uribe não aceitava. 

A partir daí começou um intercâmbio epistolar, que concluiu numa reunião que se fez na Colômbia, ao que se seguiram alguns encontros em outros territórios não colombianos, para depois terminar em Cuba, em reuniões que denominamos "discretas e secretas" durante seis meses, até chegar ao momento actual. 

- Vocês durante longo tempo insistiram, ao contrário do ELN, em que as conversações tinham de ser na Colômbia. O que os fez mudar de opinião? 

Repare que desde tempos atrás, no governo de Gaviria, dialogámos em Caracas e a seguir no México. Para nós o lugar nunca foi uma questão de princípios e sim que o importante é ter a fundamentação e a confiança para encarar os diálogos. 

- Quanto tempo irão deliberar em Oslo? 

Em Oslo será somente a instalação da mesa, lá deliberaremos dois ou três dias no máximo e a seguir o que é importante será discutido em Havana. Também acordámos que poderão igualmente realizar-se reuniões em outros países (NR: não está descartado que uma dessas sedes possa ser a Argentina ou o Brasil) conforme decorram as discussões. 

- Quais são as razões que os levam a pensar que o establishment colombiano tem necessidade de encarar a paz precisamente neste momento? 

Eles avançaram com todas as suas forças, o Plano Colômbia. A ideia era exterminar-nos em quatro anos, de forma física. Ou seja, demonstrar ao mundo que a guerrilha podia ser derrotada por essa via militar. Esses primeiros quatro anos do senhor Uribe não frutificaram como ele pretendia. Conseguiu outros quatro anos com a sua reeleição e nesse período investiram-se mais de 12 mil milhões de dólares na guerra na Colômbia. Além da presença norte-americana, há pessoal israelense, do Reino Unido e outras potências metido na guerra contra o povo colombiano. Eles haviam falado do pós conflito e verifica-se que isso que pretendiam não se vêm lado algum. Temos uma guerrilha forte, bem equipada, que obviamente sofreu alguns golpes duros mas que soube adaptar-se, com muita facilidade, às novas formas que assume a guerra na Colômbia. 

Esse aspecto, de não poder ganhar a guerra de forma rápida, levou ao convencimento do senhor Santos e dos seus patrocinadores, os EUA, de que era melhor dialogar. A nossa bandeira é a paz e o diálogo. E levantámo-nos em armas precisamente porque nos foram fechados esses caminhos. Pois bem, o estabelecimento colombiano pensa aumentar ao máximo todas as políticas neoliberais, uma vez que têm 52 tratados de livre comércio firmados com diferentes países do mundo, uma boa quantidade de projectos agro-industriais e mineiros, mais projectos energéticos multimilionários. Não nos esqueçamos que a Colômbia é um dos países mais ricos do continente: temos ouro, prata, esmeraldas, a que é preciso somar costas nos dois mares e a selva amazónica. Todos estes projectos que as transnacionais promovem chocam-se contra uma resistência armada. A partir daí, nossos inimigos deduzem que é melhor solucionar este conflito pela via dialogada. Além disso, em função da crise em que vive o mundo, e especialmente a Europa, temem que as suas consequências poderiam gerar um caldo de cultura para que, a partir da experiência que têm as FARC, surjam outras guerrilhas no continente. 

- Contudo, Juan Manuel Santos insiste em que as FARC estão contra as cordas, que os últimos golpes a debilitaram e que precisamente por isso vocês se sentam para dialogar. 

De modo algum. Um dos princípios da guerra é que com os derrotados nunca se dialoga. Se eu ganho a guerra e submeto o inimigo, para que me vou por a dialogar? Isso não tem nenhum sentido. Essas suposições existem na cabeça deles próprios, mas a realidade lhes demonstra dia a dia que estão equivocados. A confrontação armada hoje, e isto sabem-no os altos comandos militares e disseram-no em reuniões no Palácio, podem durar outros 20 ou 30 anos mais. Por isso é que tiveram de reflectir sobre a necessidade de buscar outros caminhos para terminar com a guerra. Em função disso, nós nos atrevemos a insinuar ao governo que o importante seria parar a mortandade que provoca a contenda, nosso interesse é construir a paz, mas uma paz com dignidade, com justiça social, que encare os problemas do povo colombiano. 

- O que a guerrilha está a pedir com urgência? 

A guerrilha não está a pedir nada para si própria, não precisamos nada do estabelecimento. A nós movem-nos questões altruístas e que o país e o continente possam viver em paz. 

Se estes 48 anos de luta armada permanente conseguirem que se canalize uma abertura democrática, que na Colômbia se alterem as formas de fazer política e se respeitem os direitos humanos e a integridade das pessoas, e que o nosso país se insira na nova realidade latino-americana, e que contribua para a paz nacional e do mundo, creio que cumpriu uma missão muito importante. Há que recordar que nós, num certo momento, quisemos mudar esta forma de luta. Pois bem, se agora se abrirem as comportas que nos fecharam em 1964 e se nos permitirem em pleno plano de igualdade com outras forças ir à praça pública, estaríamos dispostos a fazer isso, mas nossos inimigos devem convencer-se que não vão dialogar com uma guerrilha vencida. Esse foi o erro dos sucessivos governos colombianos, acreditar que cada vez que se abria a possibilidade de um diálogo era porque a insurgência estava derrotada. Isso é uma estupidez e sabem que no momento actual é insustentável para eles. 

- Não crêem que possa haver outra maneira de ver isto? Explico-lhe: o presidente Santos enfrentar a possibilidade de uma reeleição dentro em breve e ele sabe que se estas conversações frutificarem poderá converter-se num porta-bandeira da paz e desta maneira revalidar sua ideia de continuar a governar. 

A paz tem muitos amigos e é indubitável que na Colômbia nasceu um fervor extraordinário para com ela. Respira-se o fervor de um verdadeiro plebiscito internacional que avançará com estes diálogos. Tenhamos em conta que este é o conflito mais longo do hemisfério ocidental. É indubitável que quem tiver as bandeiras da paz neste momento pode aspirar não só a uma reeleição como passar à história como um homem que fez tudo o que estava ao seu alcance para que o seu povo pudesse viver melhor. Esse é um desafio do Presidente. Se ele quiser fazer história, tem a grande oportunidade, mas o estabelecimento no seu conjunto tem que estar preparado para fazer algumas das concessões que as FARC sempre buscaram, porque se trata de duas partes em que nenhuma delas ainda derrotou a outra. 

- Que diferença há entre estas conversações que vão começar e as anteriores que se verificaram em outros momentos da confrontação? 

O Presidente tem neste momento um suporte muito grande a nível nacional e no entorno latino-americano, diferente do que havia nos diálogos do Caguán. Ao mesmo tempo, vê-se que há um apoio muito maior por parte dos Estados Unidos para evitar que continue a guerra na Colômbia. Não esqueçamos que eles foram os promotores desta guerra e, se pararem de lançar lenha à fogueira, certamente também se poderá avançar. Outra das situações que se pode ver é que o senhor Presidente já envolve o alto comando militar, incluindo nas conversações alguns oficiais de alta patente. Aí também há representantes dos grémios económicos, que sabem que com um esforço que se faça, e reconhecendo toda a quantidade de factores que originaram o conflito e solucionando essas causas, pode-se avançar rumo a um processo de paz. Daí que consideremos que há algumas variações que nos permitem que façamos uma experiência muito maior que em outras ocasiões. 

Em nenhum dos processos anteriores houve uma vontade real de paz por parte do governo colombiano. Se o senhor Santos vai utilizar essa bandeira para a pequena política (politiqueria), ele deverá pagar esse custo histórico frente ao país. Hoje verifica-se uma oportunidade, nós como FARC temos a vontade política de avançar, sempre e quando isto for encarado com seriedade e que se possa ir demonstrando que há vontades para solucionar o conflito. 

Nestas conversações de agora dissemos ao governo que viemos à mesa sem arrogância, dispostos a por músculo, nervo, pensamento, ideias, mas também somos conscientes de que, tratando-se de resolver um problema tão grave, quem mais tem mais tem que contribuir. 

O governo, o Estado, têm muito para dar ao povo da Colômbia. As FARC, pelo nosso lado, temos ideias para arrimar a construção de uma Colômbia digna, soberana e em paz, mas aqui quem tem o dinheiro é o governo... 

- Que grau de influência pode ter neste contexto o discurso que Álvaro Uribe vem lançando, em oposição a estas conversações? 

Este sector é minoritário, no momento actual tem cerca de uns 18% de representação. É um discurso exageradamente retardatário, cheio de ódio, vingança e retaliação. São fanáticos da guerra, mas isso a nós não nos preocupa demasiado porque a cada dia que passa o povo colombiano vai tomando consciência de quem foram os promotores desta violência. Com Uribe estão a relocalizar-se esses sectores que são perigosíssimos. Os Estados Unidos, ao apoiarem os diálogos – pelo menos isso é o que disse o Departamento de Estado – dão a entender que se afastam um pouco do senhor Uribe Vélez, e quem melhor do que os gringos para darem esse sinal. Eles têm todos os expedientes do que foi o prontuário de Uribe desde que se iniciou na política colombiana. Ele figura na posição número 82 de uma lista que o DIA tem em seu poder. 

- Voltando ao tema do cessar-fogo. Se isto não se verificasse, e se aumentassem as acções militares por parte do governo Santos, não crêem que se põem em perigo estas conversações? 

É sempre perigoso dialogar debaixo de fogo. Tentar falar sob as balas e os bombardeios é um risco muito grande. Nós não estamos a pedir neste momento um cessar-fogo, só sugerimos que deveríamos evitar mais mortos para o país. O governo respondeu que não, que eles vão continuar com os bombardeios e as operações militares. Então, é obrigação da guerrilha defender-se. Nós insistimos em que desejaríamos evitar mais dor, mas parece que o governo considera que assim vamos ter uma vantagem militar. Se não fosse pela tragédia que isto representa para o povo colombiano, isto despertaria o riso. Mas é indubitável que no estabelecimento parecem não se importar muito com a vida dos seus próprios soldados, e da gente do povo, que toda a guerra afecta. Eles consideram que o cessar-fogo deve verificar-se no fim e nós pensamos que a mobilização permanente do povo e a própria pressão internacional poderia ajudar a que as partes cessassem o enfrentamento armado, sem benefícios de carácter estratégico para nenhuma das duas partes. 

- Outro tema difícil é o dos tempos. O Presidente Santos diz que o mais tardar em Junho ou Julho de 2013 o conflito já deveria ter soluções, ao passo que Timochenko considerou que isto vai ser um processo longo. 

Timochenko o disse, e não haveria que por a isto conclusões fatais. Só para chegar agora a preparar uma agenda demorámos dois anos. Esta guerra já vai em 60 anos, por isso parece-nos que é muito precipitado o que foi dito pelo Presidente, que considera que o conflito se possa dirimir da noite para a manhã. A vida é muito mais rica que qualquer questão que se proponha na agenda. Os melhores planos falham. Então, vamos olhar cada um dos pontos da agenda, vamos indo construí-la, sem pausas mas sem pressas, como disse um ex presidente da República. Aqui o importante não são as corridas de cem metros e sim que se vão chegando a acordos e que o país e o mundo vejam que vale a pena continuar a dialogar. Nós não estamos dispostos a trabalhar contra relógio, não fazemos parte das Olimpíadas que acabam de terminar. 

- Que significado dão à frase "desistência de armas" ("dejación de armas"), que figura no Acordo marco para começar os diálogos? 

A frase tem muitas interpretações. Nós temos dito que se se abrirem as portas da paz, se se fizerem um monte de mudanças, se se respirarem novos ares, as armas, ao fim de ao cabo, são simples ferros que num momento dado se podem silenciar. O que não se podem ocultar são as ideias que cada combatente tem na cabeça. As armas, enquanto não houver homens dispostos a dispará-las, por si só não cumprem nenhum papel. Elas servem para defender o povo da tirania, para evitar a escravidão. Essas armas possibilitaram que agora o país vislumbre, por mim, a ansiada paz. 

- Vocês levantaram-se em armas para denunciar uma ordem injusta (assim manifestavam seus comunicadores fundadores). O que lhes faz pensar agora que nesta mesa de negociações poderão obter o que lhes foi negado em tantos anos de insurgência armada? 

Temos dito que não vamos ao diálogo para que nos façam a Revolução por contrato. Não se trata de fazer a Revolução numa mesa de negociações. Sustentamos que aqui há duas partes confrontadas, com critérios de carácter antagónico. Também dizemos: os senhores nos obrigaram a tomar as armas, procuraram por todos os meios eliminar-nos e não o conseguiram. A essência da guerra é submeter a vontade de luta do oponente e isso tão pouco pôde fazer nem vai conseguir o Estado colombiano. Então dizemos ao presidente Santos: se o senhor abre as comportas e dá pé a um novo país, as armas podem ser silenciadas e buscar por outras vias que se cumpram nossas reivindicações. Em 1964 o disseram nossos fundadores, nós queríamos a via pacífica para a tomada do poder, mas responderam-nos violentamente. Como somos revolucionários, que de uma maneira ou de outra temos que cumprir nosso papel, levantamo-nos em armas até que haja mudanças no país. 

Se as mudanças começarem a verificar-se, então nos inseriremos na política, porque as armas não vão cumprir ali nenhum papel. É tão estreito este sistema colombiano que dá vergonha, em comparação com outros países do continente e do mundo. Em outras partes não se assassina uma pessoa porque está contra tal ou qual posição do governo, ou simplesmente por reclamar respeito à dignidade humana, ou defender a soberania do país. Em outros países não se assassina as pessoas que fazem uma manifestação ou uma tomada de terras. Na Colômbia, pensar diferente do estabelecimento causou na primeira etapa da violência 300 mil mortos e nesta parte em que estamos já passa dos 250 mil mortos. Onde foi efectuada uma guerra mais cruel e mais bárbara contra um povo desarmado? O que não foi empregado contra as FARC neste último tempo? A mais alta tecnologia de ponta, os drones, aviões super Tucano, os globos, toda a inteligência militar do inimigo, os micro chips, bombas inteligentes, para quebrar a vontade de pessoas que lutam para que no país haja justiça social, liberdade e uma verdadeira democracia. 

- Um dos pontos nodais do acordo marco que será discutido nas conversações é o tema da terra. Quais são as propostas das FARC para solucionar a situação dos camponeses colombianos? 

Fizemos um acordo de cavalheiros, há alguns pontos que se vão discutir na mesa. Com o tema da terra e o desenvolvimento agrário vamos começar a discussão. Por isso, não vamos dar pelo microfone o que deve ser discutido na mesa de diálogo. Temos uma visão muito concreta e propostas a fazer, além de recolher o sentimento das organizações agrárias, camponesas, indígenas, de afro-descendentes. Terão igualmente que participar nas discussões e dar-nos orientação as organizações vinculadas aos problemas do campo, mas não só isso, pois também há que ver a questão da saúde, da educação, da habitação, da ecologia e toda a questão da terra. 

- Exigirão a reforma agrária? 

A Colômbia é o único país da América Latina onde jamais se verificou uma Reforma Agrária. Das melhores terras do país, 87% estão nas mãos dos 4% dos proprietários. As grandes fazendas de mais de 500 hectares foram aumentadas à custa dos pequenos camponeses. O problema do latifúndio na Colômbia deu origem às primeiras guerrilhas. Agora suportamos a investida das transnacionais que querem apoderar-se das terras, com grandes projectos mineiros e agro-industriais. Tenhamos em conta que a terra, neste momento e a nível mundial, adquiriu preços exorbitantes. 

- Como a sociedade colombiana actual pode participar nas conversações de paz? 

Na mesa foram acordados alguns mecanismos. As pessoas que estão no país dispõe de fóruns, assembleias, encontros, mingas [NT], onde podem discutir, por exemplo, o problema da terra. Podem-se igualmente fazer encontros nacionais para que ali se apresentem e se recolham todas as ideias. O problema da terra na Colômbia não apareceu de ontem para hoje, é um problema histórico e as organizações camponesas, indígenas e de afro-descendentes têm tido uma trajectória de combate, tal como as FARC. Em 20 de Julho de 1974 as FARC apresentaram o programa agrário dos guerrilheiros. Agora actualizamos tudo isso e levamo-lo à mesa para discuti-lo. 

- Mas o governo Santos afirma que já está a encarar o problema da terra. 

O governo está interessado em fazer algumas mudanças a nível da terra, porque tem o interesse de por toda questão do capitalismo no campo. O problema é que necessitam integrar essas duas terças partes da Colômbia que representam o país esquecido. Ali, nesse território, encontra-se a guerrilha e não se regista presença do Estado. Pelo que tudo isso terá que ser discutido quando tocarmos o ponto do desenvolvimento agrário. 

- Além disso, há o problema das áreas com plantações de coca e o que significa a nível de monocultura. 

As plantações de coca não só estão nas áreas da guerrilha como também em quase todo o país. Dentro do acordo marco, há um ponto para discutir o tema das monoculturas. Repare que agora, na Cimeira de Cartagena e na Ibero-americana que vai ser efectuada na Espanha, um dos problemas que se discute é a luta contra o narcotráfico. Em Março de 1999, nosso comandante Manuel Marulanda Vélez fez um estudo sobre o Município de Cartagena del Chairá. Esse estudo apresentou-o na primeira reunião que se fez sobre cultivos ilícitos e defesa do meio ambiente no Caguán. Trata-se de uma plano totalizador e tem plena vigência para toda a América Latina, para que se discuta na OEA e também na ONU. É hora de o Departamento de Estado norte-americano ver que há uma forma diferente de atacar o tema da produção e comercialização de narcóticos no mundo. Para isso não é preciso só a repressão, uma vez que se trata de um fenómeno económico, político, militar e social. Movem-se ali fortunas milionárias. Neste momento o que circula no mundo em narcóticos são 670 mil milhões de dólares. Para a América Latina revertem 20 mil milhões e a Colômbia, de que se diz que exporta 80% da cocaína, recebe 4,5 mil milhões de dólares. Quem está a fazer o grande negócio? Mas, além disso, a coca está ligada ao tema dos precursores químicos, produzidos pelo primeiro mundo. Está ligada ao tema dos armamentos. Quem os fabrica? Também eles, o ocidente, o primeiro mundo. 

Como se vê, são temas demasiado sérios e o Estado percebeu que já perdeu essa guerra. Por isso, os outros países estão a ver como atacam este fenómeno e nesse ponto também as FARC têm propostas para encontrar soluções. É contraditório, mas nesse aspecto podemos ser aliados dos Estados Unidos. E com a Europa também, uma vez que eles estão a ser prejudicados na sua juventude e nós a pagar os custos de uma guerra que não é a nossa. 

- Imaginemos que as conversações de paz funcionam, com base em mudanças e algumas concessões. O que se faz com as bases norte-americanas? 

Esse é um problema de soberania nacional e nós nos temos oposto por princípio a que haja bases militares, com tropas estrangeiras, na Colômbia. Meteram-se ali com o pretexto da luta contra o narcotráfico, fazendo a seguir a guerra contra-insurreccional mais devastadora. Nós recebemos as bombas. Nenhum narcotraficante morreu por culpa delas, quando supostamente eram o objectivamente destas bases. Tudo o que há na Colômbia em função das bases é para controlar o continente sul-americano, senão para apontar também à África. Estamos firmemente convencidos de que essas bases, assessores e tropas norte-americanas fariam um grande favor à paz abandonando o território colombiano. 

- Quanto pode influir nestas negociações o resultado das eleições norte-americanas? 

Especula-se muito com isso, apesar de a política externa norte-americana ser partilhada pelos dois partidos. Sugerem que o candidato republicano é muito mais duro que Obama, ou que este vai mudar de posição, mas a realidade é que em política externa marcham como um só homem. Queria, mas são desejos, que o senhor Obama tivesse uma forma diferente de observar a América Latina. Que visse que esse bloqueio sobre Cuba é obsoleto e que ele como um democrata deveria ajudar a levantar isto. Ou esse cárcere de Guantánamo que ainda mantêm e que deveria desaparecer. O real é que em política externa os EUA tem vindo a apertar cada vez mais o pescoço da América Latina, por isso estão a ficar sós no continente. 

- Dão valor às mudanças que se vêem produzindo no continente a nível de integração dos países? 

Claro, surgiu uma nova forma de fazer diplomacia, dos países latino-americanos. O facto de a OEA estar tão desprestigiada e que organismos como a CELAC e UNASUL tenham tomado impulso e ali não estejam representados nem gringos nem canadianos significa que a sua política externa para com a América Latina fracassou. Para os povos eles são um perigo, um monstro sedento dos nossos recursos naturais. 

- Imaginam-se a participar de alguma forma nas próximas eleições colombianas? 

É muito cedo para falar. Ainda não instalamos a mesa de conversações. Estamos as 24 horas do dia a pensar como vamos assumir o repto de tratar de chegar a um acordo final e começar a construção de uma paz para a Colômbia. Não somos politiqueiros de ofício, há muita gente que gosta disso, temos outra maneira de ver e entender a política. Não nos seduz o sistema eleitoreiro vulgar e menos ainda essa forma que se faz na Colômbia, onde para chegar ao Parlamento se não se tiver mil ou dois mil milhões de pesos não se tem acesso. Por isso, repare que aqueles que lá estão [no Parlamento] na maioria estão a ser investigados (ou inclusive presos) porque a corrupção desse Parlamento colombiano é assombrosa. O mesmo se passa com as governações e os municípios. É que as classes governantes do nosso país são todas corruptas e abusaram de um povo que é bom, simples e trabalhador. 

- Acreditam que teria sido melhor contar nestas mesas, que estão para abrir, com a presença do ELN? 

Fizemos uma experiência com eles na Coordenadora Guerrilheira Simón Bolívar. Em Tlaxcala esteve o ELN, o EPL e também nós. Desafortunadamente, isso não prosperou. Com o ELN vínhamos tendo algumas fricções há algum tempo atrás, isto pelo menos já acabou, e esta mos num processo de unidade bastante avançado. Começámos este processo com o governo de forma separada, mas de qualquer forma sempre dissemos que as portas estão abertas para somarem-se, mas o ELN é uma organização soberana e eles podem fazer a sua própria experiência. Se num futuro pudermos coincidir seria muito interessante compartilhar uma mesa com eles. 

- O que se passou com a ideia que manifestaram de que Simón Trinidad fosse incorporado à mesa? 

Esse é um ponto que levámos à mesa de diálogo. Já há experiências. Mandela estava no cárcere há sete anos e dali conseguiu contribuir muito para derrotar o apartheid. Simón está condenado por coisas de que o acusam, mas todo o mundo sabe que se trata de uma montagem de uma vingança só pelo facto de pertencer às FARC. Consideramos que ele deve estar na mesa e vamos lutar por isso. Sugerimos que os EUA, para remedir em parte tanto do mal causado, devem facilitar as coisas e esta seria uma forma de fazê-lo, permitindo a sua presença nas negociações. 

- Quando se encara este tipo de negociações aparecem sempre palavras chave como "reconciliação", "reparação", "comissão da verdade". O que opina acerca disso frente ao processo que vão começar? 

Nós acreditamos que na Colômbia pode haver um governo de reconstrução e reconciliação nacional. Isso pode acontecer num momento dado, contudo não nos deixamos levar pelo palavrório vão nem tão pouco precisamos de ir copiar de outras partes. Aqui houve uma guerra, se o governo tem a disposição política de acabá-la, e nós a temos, podemos inclusive criar novos conceitos em muitas coisas. Cada conflito tem as suas particularidades e o da Colômbia foi extremamente específico. Todos estes temas que coloca irão sendo tratados na mesa de diálogo no seu devido momento. 

- Nos últimos anos, vários dos seus companheiros do Secretariado foram mortos em combate, resultado da ofensiva do Exército. Como estas mortes repercutiram na vossa luta? 

Os companheiro caídos em combate estão presentes em cada actividade os homens e mulheres das FARC. Em cada um dos nossos acampamentos há retratos seus, assim como todas as noites são evocados nas obras culturais. Foram nossos guias, nossos professores, são homens únicos que ofereceram tudo pela paz na Colômbia. Homens indobráveis que transcenderam o que agora vemos e com o tempo a sua imagem crescerá imensamente. São verdadeiros heróis da Pátria. Em algum momento haverá que lhes dar o reconhecimento que merecem. Em muitos países do mundo foi assim, as pessoas os perseguem, os encarceram, os denigrem e depois, quando as situações mudam, verifica-se que eram os homens que traziam a verdade histórica, que ofereceram todo o seu esforço para mudar a realidade de humilhações que o nosso país vivia. 

- Como crê que as mulheres da Colômbia receberam estas conversações de paz, essas mulheres que são mães, que filhas de guerrilheiros como vós, ou essas outras mulheres da sociedade colombiana que sofreram a violência em todos estes anos? 

As mulheres e todo o povo receberam esta notícia com muito alvoroço. O primeiro inquérito mostra que 80% do povo colombiano é pela paz. Quando em Fevereiro nos reunimos pela primeira com o governo, estes praticamente diziam que o país queria uma guerra, que nos detestavam e nós lhes dizíamos, não senhores, a paz é a [opinião] que predomina na Colômbia e os senhores têm uma distorção total das coisas. Agora tiveram de dar-nos razão e se as coisas funcionarem isto irá em crescendo, e novos actores virão integrar-se, não só na sociedade colombiana como também do exterior. Veja que o Papa apoiou os diálogos de paz, assim como as Nações Unidas ou a União Europeia, a presidente da Argentina, Cristina Fernández, e a do Brasil. Oxalá que aqueles de nós que temos a responsabilidade de levar este processo adiante possam cumprir a missão que nos foi dada. 

- Continuam a ter o socialismo como meta? 

Claro, esse é o único sistema que pode salvar o planeta Terra. Temos lutado pelo socialismo com as armas na mão porque não nos deixaram outra opção. Somos, indefectivelmente, pela tomada do poder para o povo. Jamais escondemos isso. Ou se nos permitia fazer política para expor nossos ideais e alcançar nossos objectivos pela via legal ou nos fechavam o caminho violentamente como fizeram todo este tempo. Não negamos nossa condição de socialistas. As revoluções fazem-nas os povos e nós somos parte desse povo. Podemos tratar de organizar militarmente o nosso povo, mas também o podemos organizar politicamente. O que não podemos repetir é a história da União Patriótica, o maior genocídio da América Latina, com 5 mil mortos, quando tentávamos abrir um espaço político. Foi um custo extremamente alto para um país como a Colômbia. 

29/Setembro/2012

[NT] Minga: Reunião de amigos e vizinhos para fazer algum trabalho gratuito em comum (palavra de origem quechua utilizada em alguns países hispano-americanos). 


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