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livro-chavezVenezuela - Opera Mundi - [Luciana Araújo] Para o sociólogo Flávio da Silva Mendes, o atual presidente venezuelano é favorito à reeleição, pois sua maior dificuldade eleitoral ocorre nas disputas regionais.


Em seu "Hugo Chávez em seu labirinto: O Movimento Bolivariano e a política na Venezuela", lançado pela Alameda Casa Editorial com apoio da Fapesp, o sociólogo Flávio da Silva Mendes revolve a recente história político-econômica venezuelana para explicar a hegemonia chavista da atualidade e os dilemas enfrentados pelo país.

Em entrevista ao Opera Mundi sobre o livro, Flávio resgata esse passado para analisar os efeitos do Pacto de Punto Fijo sobre as organizações de esquerda e populares daquele país e as dificuldades que estas últimas têm hoje de avançar para uma atuação além das eleições. O pacto foi um acordo articulado por iniciativa e sob a tutela dos EUA, firmado na cidade venezuelana que o batiza, em 1958, entre os três principais partidos políticos conservadores do país (Ação Democrática/AD, Comitê de Organização Política e Eleitoral Independente/Copei e União Republicana Democrática/URD), para legitimar a alternância destes no poder central e impedir a ascensão de outras agremiações.

Mendes fala também das contradições de um país erigido sobre milhares de barris de petróleo e cuja dependência desta fonte energética travou o desenvolvimento industrial e agrário, fragilizando a economia e estimulando a consolidação de uma burguesia atrelada ao Estado.

No livro, o sociólogo analisa ainda os cenários eleitorais na Venezuela e como o Mercosul é um entrave a blocos de caráter não só econômico, mas também de trocas de experiências de combate à pobreza e às desigualdades sociais entre países, como se propõe a ser a Alba (Alternativa Bolivariana para as Américas).

Confira abaixo a entrevista.

Opera Mundi - Você pontua as dificuldades da construção de uma nova hegemonia na sociedade venezuelana. Fale um pouco sobre esse assunto e da difícil relação das organizações populares com o Estado.

Flávio da Silva Mendes - No livro eu optei por analisar essas dificuldades a partir de uma leitura da história da democracia representativa na Venezuela e da crise que a atingiu a partir dos anos 1980. Através desse exercício foi possível notar que a fraqueza das organizações de esquerda venezuelanas, partidos e sindicatos, sobretudo, remete à exclusão que essas forças políticas sofreram na origem da chamada democracia de Punto Fijo, no final dos anos 1950.

A partir de então, uma importante parcela da esquerda dedicou-se à luta armada, sobretudo na década seguinte, enquanto as organizações que optaram pela via eleitoral tiveram dificuldades de ganhar espaço em meio aos êxitos da socialdemocracia venezuelana, fundada na exploração do petróleo. Quando este modelo de democracia pactuada entrou em crise, nos anos 1980, não havia uma organização política capaz de representar uma alternativa. Os protestos populares cresceram, mesmo sem uma grande referência organizativa. O Caracazo, em 1989, foi sem dúvida o ponto alto dessa agitação popular, duramente reprimida pelo Estado.

Creio que esse vácuo político favoreceu o fortalecimento da imagem de Hugo Chávez, que surgiu no cenário político após uma tentativa frustrada de golpe, em 1992. A partir de sua eleição, em 1998, a maioria das organizações populares, partidos e sindicatos de esquerda se alinharam ao seu lado, apesar das diferenças entre elas. Nota-se, portanto, que a dependência em relação ao Estado não é simplesmente fruto de manipulação ou excesso de centralização, como tentam indicar algumas análises, mas tem raízes históricas importantes. O cenário é contraditório: o chavismo abriu caminhos antes inexistentes para a esquerda, o que permitiu um salto organizativo. Mas a manutenção do poder e o avanço da burocracia exercem um impulso contrário, de contenção dessas organizações. Busquei demonstrar no livro que a construção de uma nova hegemonia na Venezuela passa por essas disputas internas, além, é claro, das lutas contra forças conservadoras e reacionárias da oposição.

OM: Sob Chávez, houve 15 eleições e/ou referendos, incluindo as consultas sobre a reforma constitucional de 2007, na qual Chávez foi derrotado, e a de 2009, que autorizou mais de uma reeleição para a Presidência, governos estaduais e locais. Como analisa esses processos?

FM: O incentivo a formas de participação popular era um dos eixos do programa do Movimento Bolivariano ainda antes da chegada ao poder. Em documentos elaborados nos anos 1990, por exemplo, é possível notar o destaque que a organização dava ao "povo" como ator político e verdadeiro soberano da nação. O novo Estado venezuelano deveria se apoiar no "povo", portanto, para ganhar legitimidade. Essa perspectiva influenciou o aumento da participação popular através de sucessivos processos eleitorais, o que arrasa a crítica, bastante comum entre oposicionistas, de que a marca do chavismo é o autoritarismo. Há muitos problemas de fundo aí, mas eles são de outra ordem.
Acredito que a principal ressalva deve ser feita em relação às dificuldades de avanço da participação popular para além dos processos eleitorais, algo que está diretamente ligado à citada fragilidade de suas organizações.

OM: Por que Chávez não conseguiu romper com a dependência petroleira, apesar do diagnóstico feito pela Agenda Alternativa Bolivariana?

FM: A dependência em relação ao petróleo é antiga: remete ao início da exploração do produto nos anos 1920. A relação entre a economia do país e a renda petroleira se tornou cada vez mais estreita desde então, e as oscilações do preço da mercadoria no mercado internacional costumam ser acompanhadas por agitações políticas no país. Romper essa relação não é nada fácil, pois o grande volume de dinheiro que ingressa na Venezuela a partir da venda do petróleo é o que permite a importação de produtos de primeira necessidade, como bens alimentares, sobretudo aqueles que não são produzidos no país.

O problema é que essa aparente facilidade impede o avanço da indústria e da agricultura nacional e sempre há o risco de que uma queda brusca do preço do petróleo gere escassez de alguns bens e especulação. O Estado tem realizado esforços para romper essa dependência ao estimular a expansão do polo produtivo nacional, mas essas mudanças são lentas. Ademais, uma ação brusca de reversão da renda petroleira provavelmente geraria uma agitação política insustentável num curto prazo.

OM: Na disputa política venezuelana, surgiu um termo, "boliburguesia", para se referir a empresários que eram ligados ao movimento bolivariano. O que está ocorrendo com ela?

FM: As recentes ofensivas do governo contra empresários e banqueiros até então aliados do chavismo, os chamados boliburgueses, é mais uma expressão das lutas originadas pelas diferenças entre os grupos que compõem o bloco do governo. Para alguns setores, o enriquecimento de alguns personagens – muitos deles ex-militares ligados a Chávez – sempre foi uma ferida aberta para a "Revolução Bolivariana". É difícil avaliar, mas o expurgo pode expressar tanto um rearranjo de forças dentro do bloco quanto, de modo mais modesto, uma tentativa de mostrar resultados para parte da base de apoio que é, em sua maioria, crítica a este setor.

Essa tática justifica-se num ano eleitoral. Mas o problema da chamada boliburguesia é mais profundo. Num país onde a renda petroleira representa uma parcela tão grande da riqueza nacional e esta é amplamente controlada pelo Estado, é impossível imaginar uma burguesia que não esteja em grande medida ligada aos aparelhos estatais de forma parasitária. Esse é um problema também antigo na Venezuela e, sabemos, em outros países do mundo. Portanto é difícil acreditar que este expurgo seja capaz de eliminar de vez uma classe de parasitas que se reproduz de maneira muito rápida. Isso dependeria de uma mudança profunda na economia e na estrutura do próprio Estado venezuelano.

OM: Enquanto países da Europa e EUA aplicam fortes medidas de austeridade, a Venezuela acaba de aprovar uma reforma trabalhista que reduz a jornada semanal para 40 horas, acaba com a terceirização, aumenta o valor das aposentadorias e pensões e proíbe demissões de trabalhadores com filhos recém-nascidos por dois anos. Que impactos essas medidas podem ter na economia venezuelana?

FM: O governo da Venezuela tem tomado iniciativas interessantes em diversas áreas desde a chegada de Chávez ao poder, em 1999. Há limitações, claro, que muitas vezes ficam aquém de algumas expectativas revolucionárias, mas elas representam muito para um país que viveu um longo e profundo processo de desmanche durante o avanço do neoliberalismo, sobretudo nos anos 1990. Uma experiência histórica rica ensinou para parte da população e dos políticos que medidas de austeridade têm, em geral, custos sociais muito altos. As medidas propostas afetam, sobretudo, a regulação do mercado de trabalho, que, como em muitos outros países, ainda tem muito espaço para avançar. Acredito, porém, que os efeitos econômicos serã o bastante restritos, pois uma parcela importante da força de trabalho venezuelana se concentra na informalidade. Outra parcela importante está vinculada, direta ou indiretamente, a atividades econômicas baseadas no Estado, como a exploração do petróleo.

OM: Qual a sua avaliação sobre os cenários colocados para o pleito presidencial de 7 de outubro e das eleições regionais de novembro e locais (que acontecem em abril de 2013)?

FM: Eu acredito que Chávez é favorito nas eleições de outubro, pois, apesar de alguns desgastes, seu governo ainda alcança bons índices de aprovação e abrange um eleitorado fiel, que se traduz em números favoráveis nas pesquisas de intenção de voto. A oposição foi capaz de escolher um candidato único, [Henrique] Capriles, apesar das diferenças internas, mas permanece presa à figura de Chávez, que hegemoniza todo o cenário político nacional. Seu antichavismo é também uma forma de chavismo às avessas. Sem a forte presença do atual presidente a oposição se dissolveria em inúmeros partidos, a maioria sem grande expressão. O mesmo provavelmente ocorreria com os aliados o governo.

As eleições regionais e locais são mais complicadas para o chavismo, pois a transferência dos votos do presidente para lideranças regionais nunca é automática. Outro problema é a dificuldade que o governo tem ao lidar com temas ligados ao cotidiano das cidades, como a violência e a coleta de lixo. Apesar da confiança depositada nas transformações no Estado nacional, parte da população vê com desconfiança a capacidade administrativa de políticos ligados ao chavismo. Esse receio é ainda estimulado pela oposição, que centra nestes temas boa parte das críticas que direciona a Chávez.


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