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puertoPorto Rico - Workers World - [Olmedo Beluche, Tradução do Diário Liberdade] Uma crise econômica e social se abate sobre o "Estado Livre Associado", eufemismo com o qual o imperialismo estadunidense trata de disfarçar o regime colonial sob o qual submete a ilha desde 1898. As políticas neoliberais que começaram a ser impostas desde a década de 1980, combinadas com a crise econômica mundial, que golpeia com força desde 2008, levam o regime colonial de Porto Rico a uma situação insustentável que pode explodir a qualquer momento.


A privatização das empresas públicas, da indústria estatal, dos serviços e até das rodovias, diminuíram os ganhos do governo que não provêm diretamente de impostos, levando o Estado à uma crise fiscal enorme que está caindo nas costas da classe trabalhadora. Segundo informa o diário El Nuevo Día, os déficits orçamentários estão sendo resolvidos a cada ano por meio da aquisição de novos empréstimos (22,8 bilhões desde o ano 2000) até a dívida alcançar a cifra de 72 bilhões de dólares e 3,7 bilhões anuais em juros (elnuevodia.com, 7 de novembro).

Dívida que, segundo a Constituição Política colonial imposta em 1952, o Estado deve reembolsar os credores com prioridade sobre as necessidades vitais da população. Dívida que levou o atual governador, Alejandro García Padilla, do Partido Popular Democrático (PPD) a lançar um feroz corte dos gastos públicos e a propor um aumento de impostos sobre o petróleo que elevará o preço do combustível em 40%, passando de 9,25 para 15,50 dólares por barril que entra no país, em um momento em que há uma baixa considerável de seu preço internacional.

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De acordo com o governador e seus assessores, o aumento impositivo é necessário para salvar da ruína e novas privatizações as três instituições de serviços que administra: a Administración de Seguros de Salud (ASES), a Autoridad de Carreteras y Transporte (ACT) e a Autoridad de Energía Eléctrica (AEE). Este enfoque da política econômica levou a taxa de desemprego para 13-15 por cento, a uma alta dependência da população do sistema de subsídios federais ao desemprego (sistema de "cupons") e a uma migração para os Estados Unidos de 3 mil jovens por mês, em média.

Segundo as pesquisas de El Nuevo Día, 60% da população portorriquenha desaprova a gestão do governador García Padilla; 92% acredita que as coisas vão mal ou muito mal; 93% acredita que a sua situação está agora pior ou igual do que um ano atrás; 79% acredita que a situação estará pior dentro de um ano (elnuevodia.com, 8 de novembro).

A oposição parlamentar, do também direitista Partido Novo "Progressista" (PNP), procura bloquear as reformas do PPD, mais por táticas eleitoreiras do que por princípios, e sua única proposta de fundo é promover a "estadidad" de Porto Rico, ou seja, passar de "Estado Livre Associado" para ser um estado de pleno direito dos Estados Unidos da América. Apesar de setores republicanos flertarem com o PNP, a questão é que a nova correlação de forças no Congresso federal, após os resultados do 4 de novembro, não parece favorecer os setores anexionistas.

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O Partido Republicano, cuja ala extremistas (o Tea Party) se opôs a qualquer reforma migratória que permita legalizar os 50 milhões de imigrantes latino-americanos residentes nos EUA, vai favorecer a anexação de Porto Rico para adicionar de uma só vez 4 milhões de latinos a mais com plenos direitos políticos e sociais? Não parece lógico.

Ainda que o histórico Partido Independentista tenha desaparecido eleitoralmente ao não obter os 3% exigidos pela legislação nas eleições de 2012, no horizonte político despontou um projeto de partido político de cunho classista, o Partido do Povo Trabalhador (PPT), dirigido pelo professor Rafael Bernabe, o qual tampouco subsistiu mas insiste em sua reinscrição de olho nas próximas eleições. Não foi tão mal ao obter uma prefeitura no município de Vieques.

O sindicalismo classista luta em Borinquen

Porto Rico conta com uma longa tradição de luta sindical de seus trabalhadores e setores populares. Dos últimos anos, a que todos lembram é a "Greve do Povo" contra a privatização da empresa telefônica em 1998, cujo combativo sindicato contou com a ampla solidariedade popular, ainda que posteriormente tenha sido derrotado. As e os estudantes da Universidade de Porto Rico protagonizaram uma greve combativa com a ocupação do campus de Río Piedras há dois anos. Este ano as e os docentes estiveram em uma greve por melhores salários.

A Unión de Trabajadores de la Industria Eléctrica y Riego (UTIER) e seu presidente Ángel Figueroa Jaramillo são a referência do sindicalismo classista que enfrenta as medidas neoliberais que golpeiam os direitos da classe trabalhadora portorriquenha. Jaramillo nos explica que a UTIER pratica o sindicalismo "sob o princípio da luta de classes não economicista que transcende à solidariedade com outros setores". Princípio que os levou a romper com a AFL-CIO e se relacionar com a Federação Sindical Mundial.

Jaramillo traça a história da UTIER desde que se nacionalizou a indústria elétrica em 1942, dividindo-a em dois momentos, o do estabelecimento de conquistas e direitos que se transformaram em direitos trabalhistas para o conjunto da classe (gratificação de natal, estabilidade laboral, sistema de pensões e aposentadoria, etc), período que dura até o início dos anos 70, e o da defesa dos direitos diante dos ataques neoliberais, até os dias atuais, com quatro grandes greve (1973, 1977, 1981, 2012).

O presidente da UTIER explica que diante do déficit do estado, o governo pretende reduzir o orçamento em 1 bilhão, o que afeta a qualidade dos serviços públicos pela redução do pessoal necessário, mas o mais grave foi a imposição da lei 66 de "Sustentabilidade Fiscal e Operacional do Governo", contra os direitos adquiridos de 160 mil empregados públicos e suas famílias e outros 55 mil  empregados municipais.

A Lei 66 pretende que os sindicatos aceitem a suspensão provisória de alguns direitos referendados pelas convenções coletivas em troca da suposta estabilidade laboral. é uma negociação com uma pistola na cabeça, pois a mesma lei estabelece que, enquanto os sindicatos são obrigados a ceder direitos (ao menos até julho de 2017), as corporações públicas não são obrigadas a respeitar nenhum acordo e podem impor continuamente novos ataques a direitos adquiridos.

Desde a UTIER se promove o reagrupamento não só do sindicalismo classista e combativo, com a Coordenadora Sindical, mas com outros movimentos sociais e políticos através de instâncias como a Frente de Solidariedade e Luta.

Vieques segue lutando e confrontando o Pentágono

Junto com a luta contra a privatização da telefonia, perto do ano 2000, a outra grande luta que estremeceu Porto Rico e levantou a solidariedade da América Latina e do mundo, foi a da comunidade da ilha de Vieques exigindo às forças armadas dos EUA fecharem suas bases militares e descontaminar os polígonos de tiro. Essa luta se transformou em vitória em 2003, quando as bases militares foram fechadas e acabaram com os testes de bombardeios.

Durante uma reunião, a senhora Carmen Valencia, de 70 anos, conta como Vieques era uma ilha dedicada majoritariamente ao cultivo da cana de açúcar, trabalho ao qual se dedicava seu pai até os anos 40, quando chegou a Marinha, fechou os engenhos e se apoderou de dois terços da ilha para bases militares e polígonos. "Sem luz nem ventilador, tínhamos que nos trancar em casa às cinco da tarde, por causa dos abusos que os militares cometiam contra as mulheres."

A luta de Vieques continua na atualidade exigindo a descontaminação adequada dos polígonos de tiro. A reverenda Eunice Santana Melecio aponta: "A resposta do império sobre a limpeza dos terrenos não deixa de nos surpreender e nos indignar. Comprova o menosprezo que ele tem à vida, a avareza desmedida que sempre lhe empurra a gastar o mínimo e a forma manipuladora e suja de atuar para não cumprir com os requisitos básicos de decência e humanidade". (Compartir és Vivir, Outubro de 2014).

Santana narra como a suposta descontaminação executada pelo Pentágono consiste em acender bombas ao ar livre para fazê-las explodir, o que faz espalhar seus contaminantes; como segue submerso em uma baía de Vieques um navio de guerra USS Killen, usado em práticas com armas nucleares e carregado com 200 barris cujo conteúdo se desconhece; como na Lagoa de Anões, "o lugar mais contaminado", foi aberto um canal que despeja suas toxinas no mar.

A companheira Nilda Medina explica que o problema não é só a contaminação, mas que não há serviços médicos adequados para os muitos casos de câncer e outras doenças que sofre a população. A isso é preciso acrescentar os múltiplos problemas sociais de uma população que segue perdendo suas formas de vida, agora nas mãos de um crescente turismo controlado por e a serviço dos estadunidenses.

Algo se move no movimento independentista

Um observador distante poderia supor que o tema do independentismo e a descolonização seriam temas subversivos e proibidos em Porto Rico, mas ocorre todo o contrário, a memória histórica e a reivindicação dos heróis boricuas está em toda parte. Em muitas esquinas pode-se encontrar monumentos a Betances, Hostos e inclusive a Albizu. Em Poce, por exemplo, foi inaugurado um Museu Casa del Masacre, ocorrido ali em 1937 contra ativistas do Partido Nacionalista de Albizu por parte da polícia colonial.

As e os independentistas alegam que o principal fator que impede uma revolta massiva pela independência de Porto Rico é a própria crise econômica e a dependência de uma grande porcentagem da população no sistema de cupons federais, o que cria uma cultura e atitude conservadora entre pessoas sem classe.

Francisco Torres, atual presidente do Partido Nacionalista, continuador da luta de Albizu, Lolita Lebrón e outros, explica que neste momento se constituiu uma Mesa de Diálogo Independentista para tratar de unir este fragmentado segmento da sociedade. Ao menos dez organizações participam desta mesa: o Partido Nacionalista, o PRT-Macheteros, o MINH e a Frente Socialista, entre outras. Foram estabelecidos seis pontos de discussão com o objetivo de uma aproximação programática que permita uma ação conjunta do independentismo.

Por outro lado, um grupo ainda minoritário lançou a proposta ousada de fundar de fato o Estado Nacional Soberano de Borinken, desconhecendo o governo colonial e atuando como um governo paralelo em torno ao qual se unifique o independentismo por meio de uma Assembleia Nacional do povo Boricua.

Aconteça o que acontecer, suponhamos que o desastre final do regime colonial virá de uma combinação dialética entre a luta social e operária anticapitalista com as demandas pela autodeterminação  e independência nacional. Em ambas, o povo de Borinken conta com o apoio incondicional de seus irmãos da América Latina.

Olmedo Beluche é um sociólogo panamenho, que em 2014 visitou Porto Rico para participar de uma série de conferências sobre a luta anticolonial no Panamá e em Porto Rico.


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