Foto do Loca Trilha - A obra censurada em Barcelos
Artistas intervenientes no projeto emitiram um comunicado denunciando a "censura da instalação no festival NAA":
"Uma das intervenções site specifique idealizadas para espaço público foi uma instalação constituída por 30 esculturas. Após um mês de trabalho, informamos a EsferaNegra (associação que organiza o Festival) que gostaríamos de ocupar o corredor central do Jardim Velho.
Depois de uma longa espera desde o pedido de licenciamento para ocupação de espaço público enviado pela EsferaNegra à Câmara Municipal de Barcelos fomos informados (a poucos dias do término do Festival) através de um despacho assinado pelo Vereador do Desenvolvimento Económico Domingos Pereira que a instalação das esculturas não foi autorizada. No despacho, o Vereador cita a informação dada pela Vereadora do Pelouro da Cultura Elisa Braga: ‘ (a instalação) não se adequa ao espaço público e à quadra natalícia que estamos a viver’. Uma justificação que tem tanto de provinciana como de absurda. Não é este país legalmente um estado laico e democrático!? Há cada vez menos dias em que pensamos que sim.
Pensávamos também que o poder instituído soubesse, pelo menos, maquilhar os seus tiques autoritários e salazarentos debaixo da saia do populismo e dos belos olhos do politicamente correcto. Mais do que um atentado à liberdade de expressão este é um acto inequívoco de Censura: entre o pedido de ocupação de espaço público e o despacho com a resposta negativa foi-nos requisitada informação adicional sobre o projecto para saber exactamente do que se tratava.
Parece-nos óbvio que a CMB confunde tudo: não cabe à Vereadora da Cultura intrometer-se nos conteúdos de um Festival organizado por artistas, curadores e outros profissionais ligados às artes visuais e do espetáculo, tão pouco julgar as qualidades estéticas ou éticas dos trabalhos apresentados. Visto que o Pelouro da Cultura apoia o Festival NAA deveria saber que se trata de um Festival dedicado à criação artística contemporânea, nomeadamente aos novos média, não propriamente de um concurso de presépios. O que virá a seguir?! Funcionários municipais a ler as letras dos músicos que actuam em Barcelos para decidir o que é ou não adequado a ser apresentado neste ou naquele espaço, época festiva ou contexto político?
m vez de andar a brincar às ditaduras, deveria a CMB preocupar-se em estabelecer uma política cultural regular, sustentada e pedagógica, nomeadamente no Teatro Gil Vicente que continua sem uma equipa de direcção artística e com uma programação desconexa e sem horizontes que se envergonha sempre que olha os vizinhos do Quadrilátero Cultural.
A obra em causa, que deveria ter sido exposta durante um mês e que por não ter sido autorizada pela CMB acabou por estar na rua apenas por breves minutos para ser fotografada, é uma abordagem ao consumismo que caracteriza a rotina nas sociedades ocidentais pós Revolução Industrial. Uma reflexão sobre os problemas sociais, económicos e ambientais com que nos confrontamos, sobre a identidade humana quando definida pela condição económica ou classe social, sobre a publicidade que faz do consumo sinónimo de bem-estar emocional.
Não fazemos propaganda política com este trabalho, não damos respostas à sociedade de consumo nem sequer queremos abolir o Pai Natal ou o Menino Jesus. Fazemos somente perguntas. Porque questionar a sociedade e condição humana faz parte da essência da arte e do ser humano. Porque a arte pode e deve afrontar e confrontar. É lamentável que a mentalidade medíocre de quem nos governa não lide bem com conceitos tão simples como liberdade de expressão e democracia.
A nós, ensinaram-nos nos tempos de escola que a Censura foi abolida em 1974, caso a Vereadora da Cultura não partilhe da mesma escola o melhor será demitir-se de imediato.
Miguel F, André Saraiva e Rafaela Martins (Loca Trilha)"