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formigaEsquerda - [Irina Castro] São milhões e milhões de formigas espalhadas por milhares e milhares de quilómetros em total cooperação. Mas o mistério engrossa aqui, no espaço de domínio desta super-colónia. Habitante já há algumas décadas da cidade de Barcelona a formiga argentina encontrou uma inimiga mortal. Uma outra super-colónia de formiga argentina está em expansão.


Há muito muito tempo, numa época em que a terra ainda era um lugar de pensamento, o aquecimento desenfreado da temperatura permitiu a que todas as coisas verdes, e todas as coisas pequenas crescessem, brotando desenfreadas e estranhas num impulso para vida.

Muitas eras depois, onde já a lembrança do homem sábio se tinha desvanecido perante a densa folhagem, a humanidade, reduzida em tamanho e número, presta vassalagem aos insetos que dominam a gigante figueira que cobre todo o planeta.

"A longa tarde da terra", o famoso romance de ficção científica de Brian Aldiss imagina um mundo a poucos séculos do seu fim. Um mundo onde apenas os superorganismos eussociais se adaptaram, e onde a humanidade não entra.

Os seres eussociais são caracterizados por serem organismos organizados em sociedades hipercomplexas (Holldobler and Wilson, 2009). A clara divisão das tarefas, o cuidado cooperativo com a descendência, e a permanência de diferentes gerações no mesmo território, conferem a estes seres a capacidade de se adaptarem às mais diversas adversidades a que estão sujeitas. Entre os seres que se caracterizam como eussociais, temos talvez o mais bem adaptado e o qual ignoramos com maior frequências, as formigas.

É do senso comum que as formigas são seres coletivos. Formam grandes colónias com galerias complexas e organizadas, vivem e trabalham para o coletivo, e apesar de cada formiga ter o potencial para fazer o que quiser individualmente, persistem em viver em sociedade. O seu compromisso para com a colónia, e as híper-relações que estabelecem entre si, fazem do conjunto dos seus indivíduos um só individuo, um só organismo. Mas as formigas não ficam por aqui, a sua capacidade de se organizarem em coletivos de milhares de indivíduos não é suficiente para justificar a expansão que estes seres têm no mundo.

A descoberta de colónias com relações entre si revelou-se o maior dos mistérios dos mirmecologistas, que desde então tem dedicado os seus esforços de pesquisa a desvendar as condições que possibilitam que milhões de formigas de diferentes colónias se relacionem formando uma super-colónia.

A mais conhecida das super-colónias de formigas pertence à espécie Linepithema humile, mais conhecida como a formiga argentina. Tal como o nome indica a formiga argentina, originária da América do Sul, espalhou-se pelo mundo com a ajuda do homem. Embarcando juntamente com as cargas que provinham desta zona do globo, a formiga argentina está hoje presente em quase toda a Europa, Japão, Nova Zelândia e Estados Unidos da América. Na Europa, a sua maior incidência ocorre na Península Ibérica, sendo uma comum espécie de companhia dos portugueses, pelo menos, desde do final do século 19, data em que as primeiras colónias de formiga argentinas foram identificadas (Espadaler and Gómez, 2003). Todas estas colónias espalhadas pelo globo formam a super-colónia das Linepithema humile.

Os anos passaram, e os mirmecologistas não queriam acreditar no que os seus estudos lhes mostravam. Ao contrário do funcionamento normal entre colónias, que se veem mutuamente como inimigas mortais, sejam colónias de espécies diferentes, sejam colónias da mesma espécie, a formiga argentina desenvolveu a capacidade de cooperação entre colónias (Steiner et al., 2007). Invés de se aniquilarem mutuamente em cada encontro, as formigas argentinas estabelecem acordos de paz entre colónias, permitindo não só a livre troca de indivíduos provenientes de colónias separadas mas também a coexistência de várias rainhas, criando um paradoxo evolutivo na visão dos especialistas.

São milhões e milhões de formigas espalhadas por milhares e milhares de quilómetros em total cooperação. Mas o mistério engrossa aqui, no espaço de domínio desta super-colónia. Habitante já há algumas décadas da cidade de Barcelona a formiga argentina encontrou uma inimiga mortal. Uma outra super-colónia de formiga argentina está em expansão.

Provavelmente originaria de um território distante da colónia inicial, esta super-colónia em formação reclama para si as ruas de Barcelona, originando uma choque de civilizações que acontece provavelmente há mais de um século com batalhas diárias, e onde nenhum dos lados está em vantagem.

O que acontecerá a seguir não nos compete a nós, humanos, decidir. Observadores participantes desta guerra, manteremos a posição incrédula perante os paradoxos evolutivos que estás espécies nos apresentam. Obrigados a questionar continuamente as nossas definições e conceitos de mundo, esperam-nos majestosas surpresas provenientes destes micro indivíduos, que apesar de pequenos e frágeis, encontram na sua união a força para se adaptarem e evoluírem, e quem sabe um dia de dominar a gigante figueira que irá cobrir o mundo.


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