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101115 itItália - Vermelho - [Egmar José de Oliveira] No último domingo (8), Bolonha, a cidade vermelha da Itália, foi palco de uma grande manifestação antirracista.


Bolonha é uma das mais importantes cidades italianas. É sede da primeira Universidade do mundo ocidental e durante cinco décadas foi governada pela esquerda – o que ainda hoje é orgulho para muitos dos seus habitantes. O filósofo Ilic – pronuncia-se em português Iliti (cujo nome é uma homenagem de seus pais ao líder da Revolução Russa), com quem conversei, me disse que os bolonheses se orgulham de ter na cidade vias (ruas) com os nomes de: Karl Marx, Engel, Lenin, Stalin e Che Guevara. Bolonha, mesmo com todas as transformações que passou e passa a Itália, é ainda uma cidade com grande concentração operária e com uma forte presença de imigrantes, sobretudo de africanos, que desde muito tempo a escolheram para morar.

E foi justamente por sua história política e todos os seus ingredientes que a cidade foi escolhida por Matteo Salvini, ultradireitista, racista, xenófobo e principal líder da chamada Lega Nord – Liga Norte, para a realização de um ato para anunciar e coroar a sua aliança com o ex-premier Silvio Berlusconi, do Forza Itália, e ainda com Giogia Meloni, do Irmãos da Itália, ambos igualmente de direita. Até aí tudo bem, nada demais, pois afinal a Itália é um pais democrático e todas as suas forças políticas organizadas já estão se preparando para as próximas eleições. O problema, porém, foi a escolha da cidade.

Matteo Salvini tem 43 anos e nasceu em Milão, região norte, a mais rica da Itália. É filho e empresários, graduado em História, e iniciou a sua carreira política no movimento estudantil de esquerda. Foi eleito conselheiro comunal (vereador) em sua cidade natal em 1993 e exerceu o cargo até 2012. No entanto, a partir de 2010, para angariar votos e se eleger e já vislumbrando a direção nacional da Liga, aderiu oportunisticamente ao discurso direitista com a solene justificativa de que: “Ironicamente eu vejo mais valor à esquerda na direita européia do que em alguns à esquerda”. Em 2015 é eleito secretário-geral da Liga Norte. As suas principais propostas políticas são: primeira, que a região norte, a mais industrializada da Itália, mantenha forte controle sobre os impostos que arrecada e que o governo conceda menos subsídios ao sul, região mais pobre. Na verdade, de acordo com os entendidos políticos, o que ele propõe mesmo é a separar o Norte do Sul, o que equivaleria no Brasil separar o sudeste e o sul do nordeste. A segunda é impor uma política de linha dura contra a imigração, sobretudo a imigração de origem africana. Essa questão hoje encontra forte apelo entre os italianos e é um grande problema para o Estado, que tem enfrentado dificuldades para lidar com ela, daí o temor de que Salvini consiga vencer as próximas eleições com um discurso separatista, xenófobo e racista, enfim, um discurso fascista.

Bolonha, como disse, foi governada cinco décadas pela esquerda. É um grande centro operário, estudantil e intelectual da Itália. É uma cidade tolerante e que sempre acolheu e muito bem os imigrantes estrangeiros que escolheram a Itália para viver e criar os seus filhos. E foi exatamente em razão do seu histórico, que, diga-se de passagem, não é pouca coisa e não deve ser desprezado, que a população de Bolonha entendeu como uma provocação o ato convocado por Silvini. O resultado, por óbvio, não podia ser outro. A cidade, logo após o anúncio da realização do evento dos reacionários, se sentindo agredida e ofendida, amanheceu enfurecida e reagiu.

Cheguei a Bolonha no sábado, dia 7 de novembro, de manhã. Porém, desde a sexta-feira eu já sabia, pois havia lido num jornal em Lucca, na região da Toscana, que haveria na cidade um encontro convocado por Salvini. Bom, um dos primeiros lugares que visitei foi a Universidade. Ali, pude constatar, logo de início, que os estudantes estavam se mobilizando contra Salvini, e chamando a todos para o ato de resistência à Liga Norte, cuja concentração seria na Via Stalingrado, no domingo às 10 horas da manhã. Na Universidade conversei com dois estudantes italianos e, para minha grata surpresa, Verônica, estudante de agronomia e uma das líderes do movimento, que morou um ano em Salvador, na Bahia, através de um intercâmbio estudantil, me contou falando fluentemente o português, língua que, aliás, gosta de falar, o que estava acontecendo e o porquê da resistência dos estudantes ao ato de Silvini. Disse-me que Bolonha se “sentiu afrontada pela convocação do ato da ultradireita, pois tal fato não condiz com a história da cidade e que além do mais, a Liga Norte é uma organização política xenófoba e racista”.

A Batalha de Stalingrado

No domingo, por volta das10h30, cheguei à Via Stalingrado, mais precisamente na ponte Stalingrado. Ali me deparei com milhares de jovens estudantes, trabalhadores, militantes do Partido Comunista Italiano Reconstruído, militantes dos chamados Coletivos e muitos imigrantes (pois são facilmente percebidos pelo semblante), portando faixas e gritando palavras de ordem como: “Ora e sempre resistenza” (agora e sempre resistimos). Deparei também com centenas de carabineiros – a polícia italiana, que já cercava a saída da ponte. Duas horas depois, os manifestantes resolveram avançar em passeata. Porém, os carabineiros bloquearam e os impediram de deixar a ponte, houve o primeiro confronto.

Os manifestantes recuaram e minutos depois avançaram novamente e a violência dos carabineiros desta vez foi bem maior, Resultado: vários estudantes feridos e dois presos. Foi algo inimaginável para um país dito de primeiro mundo e democrático. Do lado oposto da ponte Stalingrado, milhares de manifestantes se juntaram aos que estavam retidos e, gritando palavras de ordem e desafiando a polícia e após confrontá-la, decidiram seguir rumo à Praça Maior, percorrendo o caminho da milenar Universidade. Porém, em pleno campus universitário, cerca de 1 quilômetro da Praça Maior, a polícia novamente os bloqueou e impediu definitivamente que os manifestantes chegassem à Praça onde estavam os conservadores Silvini, Berlusconi e Giogia Meloni.

Os manifestantes, se sentindo em casa – campus da Universidade, revidaram ao ataque sofrido com bombas e garrafas que foram lançadas sob os carabineiros, que não ousaram mais atacar os manifestantes. Ao som de muitas músicas e aos gritos de tantas palavras de ordem, por volta das 16 horas a manifestação foi encerrada ali, com um ar, entre os manifestantes, em especial dos estudantes, de que foram vitoriosos! E pelo jeito foram mesmo.

Advogado, ex-vice-presidente da Comissão de Anistia do Ministério da Justiça


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