Estas declarações, tanto mais significativas porque durante anos Chávez tinha apelado ao reconhecimento das FARC como força revolucionaria beligerante, eram já premonitórias. Os mais recentes desenvolvimentos comprovam-no de novo e obrigam-nos a voltar ao assunto.
Chávez passa das palavras aos actos
No passado dia 23 de Abril, Joaquín Pérez Becerra, jornalista colombiano naturalizado sueco, director de ANNCOL e activista e difusor da causa das FARC, é detido de surpresa pela polícia, ao desembarcar na Venezuela de um voo proveniente de Frankfurt. Preso, interrogado e tratado com rudeza durante dois dias, vê indeferidas por Caracas as diligências de três advogados progressistas para obter o habeas corpus. Dia 25 é enfiado num avião da polícia nacional e deportado para Bogotá, onde era apontado pelo presidente-torcionário da Colômbia, Juan Manuel Santos, de "ser o cabecilha das FARC na Europa e denegrir o bom nome da Colômbia". Enfrenta agora acusa acusações de "associação criminosa, financiamento do terrorismo e detenção de meios para operações terroristas", arriscando condenação pesada que poderá até à prisão perpétua. Mas se a intelectualidade marxista e a opinião pública democrática mundial repudiaram grosso modo esta atitude de Chávez, também na própria Venezuela esta execrável entrega de Becerra não passou impune, sendo o governo alvo de enérgicos protestos por ocasião da celebração do Domingo da ressurreição, em que jovens manifestantes, aproveitando a tradicional "quema de Judas", nesse dia fizeram arder simbólicamente bonecos com as efigies do chanceler venezuelano Nicolás Maduro e do ministro da Comunicação, Andrés Izarra. Estas manifestações incomodaram Chávez ao ponto de se lhes referir, apodando os seus autores de "marxistas-leninistas mais papistas que o papa", lamentando-se que "a Venezuela se limitou a honrar compromissos internacionais" e - à laia cínica de Pilatos – referindo-se à sorte de Becerra "espero que na Colômbia respeitem os seus directos humanos e a sua defesa e que se demonstre que é falso o que o acusam" (¡).
Segue-se Conrado, o cantor das FARC
A 1 de Junho, o presidente-torcionário da Colômbia, Juan Manuel Santos anunciava, numa cerimónia na Escola Militar de Cadetes, a detenção na Venezuela de Julián Conrado, capturado numa operacão conjunta das polícias da Colômbia e Venezuela, depois de localizado com base em informações, ao que tudo indica, solicitadas e chorudamente recompensadas pela administração Obama. Poucos dias depois, Santos anuncia a captura de dois subcomandantes do ELN também em território venezuelano.
Julián Conrado, compositor e cantor popular, conhecido como "o cantor das FARC", integrou em 1998 e em 2002 a delegação das FARC nas negociações estabelecidas no quadro da solução negociada do conflito, então proposta pelo primeiro-ministro colombiano Andrés Pastrana, e que viria a gorar-se. Seis anos depois, Conrado sobrevivia ao ataque traiçoeiro do exército colombiano ao acampamento das FARC, já em solo equatoriano, que assassinaria o comandante Raúl Reyes e que levaria a que o Equador cortasse relações diplomáticas com a Colômbia. Neste momento, depois de preso e transportado da Venezuela para a Colômbia, o destino provável de Conrado será a extradição para os EUA sob a conveniente acusação de "narco-guerrilheiro" e um julgamento num odioso tribunal ianque.
Chavismo: uma deriva sem fim
Deste modo, proclamações puristas de Chávez como a feita recentemente ao governo cubano – "de continuar avançando no processo de consolidacão da revolução bolivariana" - vão soando cada vez mais a oco. Vai-se consumando isso sim, e à luz do dia, agora com esta repugnante leva de prisões e deportações, o descrédito total, o encosto à direita e a reaproximação à órbita dos EUA, de uma liderança presa da sua própria base de apoio e suas naturais contradições. Este era aliás o desfecho mais previsível de um processo que nunca sendo revolucionário, chegou a ser, no seu início, socialmente progressista, peronista com laivos anti-imperialistas, alicerçado na aliança entre sectores populares, forças armadas e uma burguesia nacional desejosa de maior autonomia de classe.. Um filme déjà vu, hoje na Venezuela, mas antes em muitas outras áreas do globo, inclusive no nosso país.