Não me lembro da vida sem computador. Mas devo confessar que tenho passado, progressivamente, de ser uma optimista tecnológica a ser uma analógica crítica e desconfiada. Vejo os objectos tecnológicos como mais uma armadilha da sociedade de consumo além de serem um enorme obstáculo para a saúde das nossas relações interpessoais. Passada a euforia inicial, começam a aparecer as evidências do nosso descontrolo, em especial nos mais jovens. Dependência, depressão e ansiedade são algumas das doenças desta sociedade hiper-conectada a lado nenhum.
É provável que durante os últimos 20 anos tenha acontecido a mais profunda evolução tecnológica de sempre. Não sei se a maior mas seguramente a mais rápida. Queremos saber tudo, de forma rápida, breve, superficial. Mesmo este texto, convenhamos, já se fez demasiado longo. É a era do hiper-estímulo, do conhecimento fast-food, das respostas imediatas, principalmente agora que sabemos que Maria está conectada, que João já leu a minha mensagem. "Se já leu, porque é que não responde? Se está online, porque é que não fala comigo?"
Que tipo de relações estamos a construir? Quanta dessa chuva de informação conseguimos reter? Quanto mais conseguimos resumir? E como adaptamos a nossa identidade a esse estado de mudança permanente?
Nas redes sociais, criamos uma imagem de nós próprios que alimentamos à base de selfies e de likes. Numa egotrip sem pudor, vestimos máscaras como remendos, vencidos pela lógica do auto-retrato sem auto-análise. Somos todos fotógrafos, somos todos modelos mas, sobretudo, somos todos felizes. Porque no Facebook há pouco espaço para o insucesso e o fracasso pessoal. Há mesmo quem sofra horrores com o pânico de ser invisível.
Trocamos o autêntico pela cópia. Trocamos a contemplação da paisagem pela sua fotografia instantânea. Trocamos a experiência de um espetáculo ao vivo por um vídeo gravado pelo nosso braço cansado. Aborrecemo-nos com um jantar com os amigos e refugiamo-nos no Whatsapp. Não resistimos à tentação de fotografar aquele encontro inesperado no meio da rua, para mostrar aos outros, para guardar no nosso imenso arquivo fotográfico: o substituto contemporâneo da memória. A nossa vida é tão pequena que cabe toda no iCloud mas... aonde é que fica isso mesmo?
Em lado nenhum! Era questão de alguém se lembrar de carregar no Botão Vermelho e... delete! Já esteve mais longe. Um dia acordamos e um qualquer hacker-terrorista lembra-se de dinamitar toda a nossa ilusão. Gmail, Dropbox, Facebook, Instagram: Turning Off. Over. E talvez fosse melhor, pois às vezes parecemos um bando de Narcisos-narcóticos, vagueando pela rua sem olhar para o chão que pisamos, falando sozinhos, cheios de pressa e indo para lugar nenhum.