Apesar das intermináveis discussões que a origem da Língua Portuguesa levanta nos meios universitários, com defensores de diversas linhas de pesquisa (e de financiamento), o tema está distante da realidade da maioria do povo brasileiro e da política externa brasileira. O primeiro por desconhecimento e por acostumar-se em chamar sua língua de “Português”, já o segundo grupo, para evitar mal-estar e problemas diplomáticos com Portugal e Espanha.
A Galiza (não Galícia), uma das Comunidades Autônomas da Espanha, ao contrário do Brasil, sofre na própria pele as agressões linguísticas e imposições do castelhano, mesmo tendo garantido seu direito ao idioma, expressões culturais e nacionalidade pela Constituição Espanhola de 1978, pós-ditadura franquista.
A luta pela identidade galega e o reconhecimento de seu idioma como origem da Língua Portuguesa já atravessa séculos, ora através de dominações militares, ora por conveniência política, de cunho imperialista. Destaca-se que, ao ignorar a Galiza, as cortes portuguesas puderam vangloriar-se de levar a língua de Camões aos cantos e continentes da Terra.
Por respeito à própria História, que já foi estudada, pesquisada e provada por várias disciplinas, o que os portugueses levaram para o restante do mundo foi uma língua originária do Norte da Península, ainda no tempo da Gallaecia romana. Quando esta chegou ao Sul, levada por galegos exilados ou imigrantes, já estava devidamente formada.
Enquanto Portugal ganhava os mares, a Galiza era esmagada pelo Reino de Espanha. Enquanto na literatura lusitana surgiam grandes nomes, a Galiza tornava-se um país sem escrita, onde a língua morava apenas na oralidade longe das áreas que permitem que uma variante alcance o estágio de língua: economia, mídias, universidade, ciência, entre outros.
Esta situação ganhou novos contornos após a Constituição Espanhola de 1.978, com a necessidade de normatização da língua. Em 1.979 formou-se a Comissão Linguística que elabora “As Normas Ortográficas do Idioma Galego”, presidida pelo professor Ricardo Carvalho Calero.
Por razões políticas da época, as normas adotadas não se aproximavam definitivamente da Língua Portuguesa e deixaram margens para misturas e “castelhanismos”. O golpe final veio em 1982, quando as "Normas Ortográficas do Idioma Galego", feitas por consenso em 79, são anuladas, com o estranho apoio de antigos seguidores e colaboradores de Carvalho Calero, mediante Decreto impositivo ("Decreto Filgueira"), as ainda hoje vigentes Normas Ortográficas e Morfolóxicas do Idioma Galego (ILG-RAG).
Neste meio tempo, em 1.981 funda-se a Associação Galega da Língua (AGAL) com objetivo de conseguir a plena normatização do Galego-Português da Galiza e a sua reintegração no âmbito linguístico a que historicamente pertence: o galego-luso-brasileiro.
A AGAL, formada por professores, pesquisadores, artistas e população em geral, mantém-se na vanguarda das reivindicações linguísticas, atuando em diversas frentes, como a Internet, através do Portal Galego da Língua, Editora, e-Commerce, eventos e redes sociais.
O atual presidente da AGAL, professor Valentim Rodrigues Fagim explica a urgência de reintegração do “galego ao português” “Isolar o “galego” das outras variedades do nosso sistema linguístico (Brasil, Portugal, Angola etc.) é condená-lo a que se mantenha integrado
no sistema hispanófono. Não há espaço possível entre ambos os sistemas. São como duas piscinas e temos de nadar numa delas. Na galego-portuguesa somos nós mesmos, na hispanófona dissolvemo-nos, como de fato está a acontecer”.
Enquanto a Galiza busca o reintegracionismo ao universo lusófono, estudiosos brasileiros poderiam rever suas posições e com isto, ensinar corretamente às novas gerações, uma vez que foram conduzidos ao erro pelo “esquecimento forçado” da origem da Língua Portuguesa. A língua do Brasil nasceu na Galiza.
Fontes:
ROCHA, J. C. B. – O Brasil fala a língua galega, Çopyright, edição 44 A Corunha, 1997
SILVA, J.C. “Cantigas de Amigo de Ricardo Carvalho Calero ou de como o galego se tornou português”, Universidade Metodista, 2010.
CALERO, R.C., Da Fala e da Escrita, Galiza Editora, Ourense, 1983
www.pglingua.org
* Artigo de José Carlos da Silva publicado na prestigiosa Revista Pessoa
* José Carlos da Silva – Brasileiro, Jornalista e escritor, colaborador no Espaço Brasil do Portal Galego da Língua, autor do estudo “Cantigas de Amigo de Ricardo Carvalho Calero ou de como o galego se tornou português” e editor do sítio Juá Cultural.