Foto de Brij Singh (CC by-nc-nd/2.0/)
As recorrentes manifestações de ódio e intolerância em rede derivam de fato elementar: a técnica é fruto da cultura e apropriada pelas aspirações, os esquemas de percepção, os interesses e os costumes dos sujeitos individuais e das classes sociais. Desse modo, em elevada medida, a cultura antecipa e molda a apropriação da técnica.
Entretanto, um fenômeno que se tem desenvolvido de maneira silenciosa, a cada dia mais comum, é bastante positivo do ponto de vista democrático. Trata-se da proliferação de informações e saberes oferecidos voluntária e involuntariamente, pela conexão de uma miríade de afetos, subjetividades e vetores de informação e conhecimento. Guarda tal fenômeno saliente potencial de enriquecimento cultural das coletividades.
Em meio às acirradas e recentes polêmicas em torno da ampla cobertura jornalística dos grandes meios, sobre os horrendos atentados em Paris, muitos usuários das redes sociais reclama(va)m, no Brasil, das escassas e limitadas notícias sobre a tragédia social e ecológica ocorrida em Minas Gerais.
Nesse sentido, deixando de lado potenciais julgamentos de valor acerca da controvérsia, em que, não raro, se procura(va) medir a dor em função da geografia, um fato é inegável e saliente nestes últimos dias: refiro-me à dilatação da capacidade das pessoas em rede identificarem os problemas e mecanismos de funcionamento das corporações da mídia.
Não seria exagero afirmar que, até uns cinco anos atrás, determinados perfis de crítica e observação sobre as mídias massivas e comerciais ficavam restritos aos profissionais e aos estudiosos dos fenômenos da comunicação.
É exemplar o candente caso da controvérsia que se produziu entre as tragédias de Minas e Paris. O que dá para se perceber é um aguçamento da percepção das pessoas, a respeito de questões que, há bem pouco tempo, ficavam circunscritas aos especialistas: pauta, enquadramento noticioso, seletividade e sensacionalismo, condicionamento publicitário etc.
Os internautas que não integram o campo jornalístico, nem são estudiosos da comunicação enquanto objeto de pesquisa e trabalho, não estão mobilizando, muito menos precisam usar aquelas categorias conceituais, em suas críticas e ponderações.
O mais rico – e realmente decisivo, sob o ângulo da democratização da nossa sociedade –, é a dilatação da capacidade coletiva de enxergar as realidades às quais os aludidos conceitos pretendem esclarecer. Ainda em processo, difícil mensurar e fazer projeções, inclusive tendo por foco implicações políticas. Em todo caso, fenômeno estimulado pela popularização no uso das redes de comunicação mais horizontalizadas e colaborativas.
A ampliação da capacidade de crítica sobre um problema vital ao interesse público, como o é o sistema de comunicações, que repercute diretamente no direito à expressão e na tomada de decisões coletivas, convenhamos, isso é muitíssimo alvissareiro.
Roberto Bitencourt da Silva – doutor em História (UFF), professor da FAETERJ-Rio/FAETEC e da SME-Rio.