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070615 midia latuffBrasil - Diário Liberdade - [Roberto Bitencourt da Silva] Um dos pressupostos centrais da democracia é a existência de uma opinião pública diversificada, que envolva os diferentes setores da sociedade civil. 


Nesse sentido, a democracia, enquanto regime político que demanda o exercício da soberania popular, requer luzes para uma opinião plural, de modo a permitir a construção da agenda pública. Isto é, uma agenda que traduza os temas e as questões de interesse coletivo, que afetam as sensibilidades e as preocupações da população em torno dos negócios públicos.

Como se constroem opinião e agenda públicas? Uma miríade de organismos sociais – portadores de interesses, valores e aspirações peculiares –, potencialmente, tem a capacidade de contribuir no processo de construção da opinião e da agenda públicas. Associações representativas de interesses, como sindicatos de trabalhadores, entidades empresariais, de moradores, estudantes, seitas religiosas, organismos coletivos que expressem tradições e produções culturais etc., possuem, a princípio, poder de participar no referido processo de construção.

Não é demasiado ressaltar que, na democracia representativa, assentada no regime capitalista de produção, tradicionalmente os partidos políticos e os meios de comunicação desempenham papel privilegiado na construção da opinião e da agenda públicas. Todavia, em um intervalo de tempo relativamente curto, sobretudo após a década de 1990, não me parece desrazoável argumentar que os veículos de comunicação têm obtido maior força de incidência na construção da opinião e da agenda públicas.

Os partidos políticos, em geral moldados para o exercício de atividades e poder no âmbito do Estado, têm se deparado com as vicissitudes da erosão da capacidade de poder do próprio Estado nacional. Isso por meio das privatizações de empresas de serviços públicos e da intensa desnacionalização da economia brasileira, incrementada após os governos FHC. As corporações e o capital que atuam em escala internacional tendem a engolfar o Estado, procuram e têm condições de modelá-lo aos seus interesses.

Evidentemente, tal fenômeno não justifica a adaptação dos partidos às rotinas administrativas dedicadas à mera gestão do capital, mas serve como fator ilustrativo da perda de capacidade dos partidos brasileiros em desempenhar trabalho político-pedagógico. Um trabalho que poderia contribuir para a construção da agenda e da opinião públicas. Mas, no afã em perseguir a trilha mais fácil, ou seja, privilegiar os temas destacados como prioritários pela pauta dos meios de comunicação – em particular a TV aberta –, a maioria esmagadora dos partidos têm abdicado da tarefa educativa de construção da agenda pública. Não raro, em especial às esquerdas do espectro político, põem para escanteio os seus programas.

Julgamentos de natureza moral à parte, aos partidos e representantes políticos que se dediquem a temas excluídos da pauta midiática, em regra, restam a obscuridade, a perda de visibilidade política. Mesmo a comum satanização. Com isso, o pragmatismo político tende a ser estimulado, haja vista a necessidade de visibilidade pública das iniciativas e dos projetos, com vistas à recondução aos cargos eletivos e ao poder. Ademais, igualmente tende a preponderar aquilo que o historiador Aloysio Castelo de Carvalho chama de concepção "publicista" da opinião pública. Uma concepção em que as vozes privilegiadas e tidas como legítimas para participar da agenda pública são as dos próprios veículos de comunicação.

Um cenário seguramente nocivo à democracia, que a restringe ao extremo, anulando o próprio princípio da soberania popular. Os temas e as preocupações públicas pouca relação guardam com a miríade de vozes e atores sociais. Contudo, como a opinião e a agenda públicas poderiam ser enriquecidas, ter uma característica plural, com questões, vozes e enquadramentos narrativos diversificados? Obviamente, é necessária a existência de veículos plurais de comunicação, com esquemas diferentes de percepção sobre o mundo, que revelem abertura de espaços a vozes e imagens de atores, setores sociais distintos.

Pois bem, sob uma perspectiva histórica, conforme números mobilizados por Marialva Barbosa (em "História Cultural da Imprensa – Brasil 1900-2000", ed. Mauad), em 1950 existiam no Rio de Janeiro 22 jornais impressos. A TV ainda tateava, não tinha força persuasiva e informativa alguma. Nos anos 1960 o número de periódicos caiu para 16, notadamente após o golpe civil-militar de 1964. Em um contexto marcado por uma imprensa não oligopolizada, dos anos 1950 até a instalação da ditadura, era possível ver abundantes manchetes e notícias como as que seguem abaixo, que destacavam temas e abordagens impensáveis em nossos dias, em importantes veículos de comunicação:

1. O Semanário. "Ianques intervêm em assuntos nossos", Rio de Janeiro, 31 jan. a 6 fev. 1963.

2. Última Hora. "'UH' no 'front' da guerra camponesa na GB – Justiça vai decidir luta pela terra". Rio de Janeiro, 1 dez. 1961.

3. Novos Rumos. "Funcionalismo vai lutar até o fim: marchas em todo o país pelos 50%". Rio de Janeiro, 4 a 10 mai. 1962.

Anulados ou fechados com a ditadura foram os periódicos Novos Rumos (do PCB), um semanário que alcançava uma tiragem de 60 mil exemplares; O Semanário (da Frente Parlamentar Nacionalista) e Última Hora (que superava a casa dos 100 mil exemplares diários, perdendo apenas para O Globo e O Dia). Todos jornais de esquerda e com expressão. O pequeno Diário Carioca, que apoiava ao presidente Jango, fechou em 65. O Correio da Manhã, uma "Madalena arrependida", que havia apoiado ao golpe e, depois, fez oposição à ditadura, assim como a Tribuna da Imprensa e outros foram fechando, sendo esvaziados no curso do tempo.

No início dos anos 1980 a redução do número de jornais foi drástica, chegando a apenas 7 veículos. Hoje? Temos na cidade apenas uns 6. Destes, ao menos 5 jornais pertencentes a dois grandes grupos empresariais, O Globo e O Dia. Ambos detentores de propriedades cruzadas: rádios, jornais e, no caso da Globo, ainda revistas e TV.

A agenda pública brasileira, em nossos dias, revela um prestígio concedido a temas e problemas que pouca inspiração exerce para a reflexão e o debate público em torno das questões social e nacional. A questão nacional, que envolvia e envolveria pensar o perfil da inserção econômica e política do Brasil no mundo, seus desafios e projetos de futuro, então, essa foi plenamente colocada de lado. Esquecida.

Convenhamos, a atual pobreza do debate político tende a corresponder, em boa medida, à pobreza dos veículos de comunicação. Uma pobreza derivada da concentração empresarial semimonopólica, fruto da ditadura e do império de empresas como a Globo. É sempre bom lembrar, na contramão da retórica dos conglomerados, que liberdade de imprensa não consiste em liberdade de empresa e que a concentração empresarial sufoca e anula a democracia, privatizando a opinião e a agenda públicas.

Roberto Bitencourt da Silva – doutor em História (UFF), professor da FAETERJ-Rio/FAETEC e da SME-Rio.


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