Um passeio pela sua capital durante alguns dias nos permite resgatar testemunhos muito valiosos que certificam que as denominadas "guarimbas" parecem uma espécie de "kale borroka" burguesa, ou algo muito pior.
Plaza Altamira
Apesar de que na capital venezuelana podemos encontrar urbanizações mais abastadas, não há território mais simbólico para a direita criolla do que a famosa Plaza Altamira. Desde quando o governo bolivariano começou sua caminhada, a também chamada Plaza Francia tem sido bastião dos grupos reacionários. Foi lugar de reunião de militares golpistas, núcleo de apoio às greves patronais e, hoje em dia, centro de encontro de um punhado de jovens de classe acomodada – em sua maioria – que fingem ser rebeldes praticando a denominada "guarimba", a "kale borroka" criolla.
No centro da praza, junto à fonte, destaca-se a estátua de uma virgem, rodeada de fotografia das pessoas assassinadas nas "guarimbas" das últimas semanas, além da presença de uma dúzia de militares ue rezam ferventemente. Surpreende a instrumentalização que faz a direita dos mais de 40 mortos, tratando-os como se fossem "seus" mortos, tendo em conta que uma grande maioria foi de chavistas.
Mas este clima sobrecarregado de religiosidade política se quebra quando vemos passar um "chamo" (jovem) com uma franela (camiseta) branco, com umas letras vermelhas em que está escrito: "eu também matei Chávez". A crueldade da mensagem corta a respiração, como o fizeram em seus momentos outros lemas "inesquecíveis" repetidos pela burguesia em tempos da doença de Chávez, como aquele que dizia "Viva o câncer". Esses se intercalam com outros mais frívolos, como os que podem ser vistos nos cartazes pregados nos troncos das árvores: "Eu também quero viajar à Europa"; "Eu quero uma urbanização (bairro de luxo) própria" ou "Maduro, não tenho dinheiro nem para colocar silicone".
"Guarimba"
As barricadas que se podem ver em alguns bairros de classe alta em Caracas, compostas por uns poucos sacos de lixo cruzados no meio da estrada, não parecem muito sofisticadas, mas, no entanto, parece que ninguém se atreve a tirá-las. E por que isso? Uma boa resposta nos deu uma professora da Universidad Central de Venezuela. Um dia, quando passava por um conhecido bairro caraquenho, ela perguntou à polícia municipal (controlada pela oposição) por que não tiravam as barricadas da rua e dois agentes responderam a ela: "Senhora, temos que garantir o direito ao protesto". Alguém imagina essa cena nas ruas de Bilbao, Madrid, Berlim ou Londres?
Outra boa anedota nos proporcionou uma vizinha do município de San Antonio de Los Altos (próximo a Caracas), "casualmente" também governado pela direita. Um dia sim e outro também, menos de uma dúzia de meninos e velhinhas "de classe", ficam no meio da rua para protestar contra o "regime", provocando congestionamentos de várias horas bem no horário de pico da saída do trabalho. Isso acontece aos olhos cúmplices da polícia local, se queixa nossa testemunha. Além disso, acrescenta que, quando chega a Guarda Nacional, a maioria das vezes os convida pacificamente a abandonar a via. Mas por que tão pouca contundência por parte da polícia, perguntamos surpreendidos. Para evitar que sejam acusados de repressores, nos responde. O mundo ao contrário, como diria Galeano. Não me imagino uma polícia tão empática e solidária com as causas populares no País Basco nem em Nova York.
A outra razão fundamental pela qual as barricadas não são em muitos casos retiradas é o medo de haver disparos de um franco-atirador. Nos lembram que vários dos mortos nas guarimbas foram assassinados por tiros na cabeça que foram disparados de cima de telhados. Isso, sem dúvida, vai mais além de uma simples ''kale borroka'' .
Um jornalista local nos confirma quem são realmente os grupos violentos que estão operando na guarimba. Por um lado, temos os já citados pirralhos de classe alta, que tentam uma contrarrevolução com a complacência do latifúndio midiático internacional, que num passe de mágica os converte em heróis populares contra um regime repressivo. Por outro lado, estão os paramilitares-franco-atiradores, assassinos profissionais e verdadeiros autores materiais da maioria das mortes. Finalmente aparecem os "malandros", delinquentes comuns que cobram seus honorários por gerar violência e caos.
Ações violentas
Como todos sabem, qualquer grupo que pratica a violência com fins políticos, elege seus objetivos militares previamente e em função de uma análise ideológica. Há umas semanas, por exemplo, os grupos que fizeram uso da violência contra a celebração da cúpula de exaltação capitalista em Bilbao, atacaram símbolos dos sistemas, como os bancos e as lojas de marcas multinacionais. Na Venezuela, os grupos violentos da direita fazem o mesmo, atacando símbolos do processo de mudança como são as novas universidades públicas, os centros de saúde, as habitações públicas, etc.
As tentativas de incendiar consultórios médicos, inclusive quando os médicos cubanos estavam em seu interior, não só é um traço da xenofobia desses grupos, mas também do desprezo ao novo sistema de saúde pública. A destruição de várias instalações da Universidade Bolivariana e o recente espancamento de um estudante de esquerda por parte de mais de 50 militantes de direita na Universidad Central de Venezuela, chegando inclusive a jogá-lo gasolina para tentar queimá-lo vivo, é uma boa amostra do selvagerismo desses grupos. A queima de uma sede do Ministério da Habitação e o posterior resgate da creche que se localizava logo abaixo, se retrata por si só. A caracterização desses atos e daqueles que os praticavam como "fascistas" não parece exagerada. O que resulta sumamente significativo é o silêncio da grande mídia internacional.
É também surpreendente a paciência com a qual os setores populares estão aguentando as agressões. Um habitante do populoso bairro de San Agustín nos assegura que cada dia estão mais "arrechos" (incomodados) com as guarimbas. Espera que com a Conferência de Paz entre governo e oposição se acalme a situação. Senão, diz, terão que terminar descendo os morros.