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040810_Juan-Manuel-santos-e-UribeColômbia - Revista Forum - [Vinicius Souza] É fato que o candidato do atual presidente Álvaro Uribe venceu com larga vantagem tanto no primeiro como no segundo turno das eleições na Colômbia.


Mas com tantos escândalos e acusações de fraudes eleitorais, a oposição bem poderia, como fez o escritor Mark Twain na virada do século XIX ironizando seu obituário num jornal, alegar que “as notícias sobre a minha morte estão um tanto exageradas”...

Apesar de as manchetes em todo mundo estamparem expressões como “vitória avassaladora” e “votação histórica” com referência ao pleito que elegeu o candidato oficial, o ex-ministro da Defesa Juan Manuel Santos, presidente da Colômbia, a verdade é o índice de abstenção, que havia sido de 50,8% no primeiro turno, atingiu 56% dos quase 30 milhões de colombianos aptos a votar. Santos conquistou 68,9% (pouco mais de 9 milhões) dos votos válidos no segundo turno, batendo o candidato do Partido Verde Antanas Mockus. Outro ponto a ser destacado é a quantidade e a profundidade das fraudes eleitorais. Segundo a Missão de Observação Eleitoral, houve no primeiro turno das eleições, em 30 de maio, cerca de 15 mil denúncias de irregularidades no sistema eleitoral, com massiva compra de votos nos dois principais estados da nação, Antioquia, cuja capital é Medellín, e Cauca, onde fica Cali, além da capital federal Bogotá. Problemas importantes também foram registrados em estados como Atlântico, Bolívar, Cundinamarca, Magdalena, Nariño e Norte de Santander.

De acordo com a ONG Corporação Novo Arco Íris, a influência de grupos armados na manipulação dos votos para o legislativo, em eleição ocorrida em 14 de março, foi imensa. “Temos evidências de fraude em 574 dos 1.111 municípios do país”, contabiliza o coordenador da ONG, Ariel Fernando Ávila. “Em pelo menos 316 localidades houve interferência das guerrilhas para impedir a votação e promover a abstenção, ou por parte do exército e de paramilitares em geral comprando votos ou forçando a população a marcar determinados partidos ou candidatos, inclusive obrigando os eleitores a fotografarem com o celular a cédula preenchida”. Isso sem falar que muitos procuradores responsáveis por receber e analisar as denúncias de fraude eleitoral antes do pleito se candidataram e foram eleitos, paralisando os processos.

Na semana do segundo turno das eleições presidenciais, Antanas Mockus apresentou queixas a diversos órgãos do governo alegando irregularidades nas votações, especialmente pressão sobre eleitores. Entre as denúncias estavam convocações de cidadãos para reuniões de regularização de cadastros para recebimento de benefícios sociais do governo. Os encontros, no entanto, teriam o objetivo de ameaçar o corte nos benefícios caso não se votasse em Santos. O candidato oficial, por sua vez, afirmou estar surpreso com as denúncias, desautorizou qualquer colaborador da campanha que tenha participado desse tipo de atividade e declarou ter “a mais radical e convincente proposta contra a corrupção”.

Mas o próprio registrador nacional do Estado Civil da Colômbia (equivalente ao cargo de ministro do Tribunal Superior Eleitoral), Carlos Ariel Sánchez, admitiu em maio que não poderia evitar as fraudes por “falta de verbas” para o órgão. Os recursos financeiros disponíveis cobririam os custos de 70 mil das 74 mil zonas eleitorais previstas. “Nossa missão é apenas organizar e registrar os dados”, disse, antes de defender, em entrevista à TeleSur, o sistema que leva manualmente as atas de votação das mesas para as zonas eleitorais, dali para a Registradoria, depois para a capital do estado e finalmente para Bogotá. “O processo é muito mais seguro do que um método eletrônico que poderia ser ‘hackeado’, por exemplo”, justifica.

Contudo, às vésperas do segundo turno das eleições presidenciais, em 20 de junho, o candidato derrotado do principal partido da esquerda no país, Gustavo Petro, do Pólo Democrático Alternativo, denunciou à mídia internacional que a empresa responsável por toda a logística eleitoral, da impressão das cédulas ao transporte das urnas e relatórios de votação, a filial colombiana da firma de segurança inglesa Thomas Greg and Sons, teve entre seus acionistas entre 2002 e 2006 o próprio novo presidente eleito, que na época era líder do governista Partido de la U. Pelos dados da Câmara de Comércio, Santos entrou para o conselho da diretoria no mesmo ano da primeira eleição de Uribe ao governo federal, 2002, quando a empresa ganhou um contrato de US$ 27,3 milhões para organizar o pleito. Em 2006, a companhia também foi a responsável pela logística da votação que deu a reeleição a Uribe poucos meses antes de Santos ser convidado para o cargo de ministro da Defesa.

Para gerir as eleições legislativas e executivas de 2010, além da votação para o Parlamento Andino, a Thomas Greg and Sons recebeu até o final de maio pelo menos US$ 58 milhões, conforme aparece nos registros do governo. A “concorrência” teria ficado aberta por apenas quatro dias e somente mais uma empresa teria disputado o contrato. Perguntado sobre um possível “conflito de interesses” pela reportagem do blog The Huffington Post, o registrador nacional Sanchéz disse não ver motivos para preocupação sobre antigos laços comerciais entre Santos e a empresa, já que era “impossível saber que ele seria candidato à presidência na época da assinatura do contrato, em dezembro de 2009”. É verdade que até o início de 2010 o Congresso e a justiça eleitoral colombianos ainda não haviam decidido se permitiriam ou não uma nova mudança na Constituição para uma terceira eleição de Uribe, mas por via das dúvidas Santos deixou o Ministério da Defesa em maio de 2009 exatamente para poder assumir a candidatura se fosse o caso.

Pesquisas fraudulentas e “agenda própria”

Com pleitos, digamos, tão “bem amarrados”, não era difícil prever a continuidade e a radicalização das políticas de Uribe: alinhamento automático com os Estados Unidos, fortalecimento da cooperação militar, “guerra às drogas”, combate às guerrilhas de esquerda, vista grossa às violações dos direitos humanos por militares e paramilitares, neoliberalismo, Tratado de Livre Comércio com os EUA etc. Ainda assim, com as pesquisas antes do primeiro turno apontando para um empate técnico entre Santos e Mockus e com vitória para o candidato do PV no segundo turno, a falsa chance de uma virada histórica animou parte da imprensa internacional, inclusive no Brasil, que chegou a traçar paralelos com a eleição de Barack Obama contra o legado do ideário de George W. Bush seguido à risca por Uribe. “O Palácio de Nariño (sede do governo colombiano) é o responsável direto pelo crescimento fictício e midiático das pesquisas em favor de Mockus para simular uma democracia no país”, afirmou por meio de sua conta no Twitter a senadora de oposição Piedad Córdoba, conhecida mundialmente por seu trabalho junto com o presidente da Venezuela, Hugo Chávez, na mediação da libertação de vários prisioneiros e reféns das Farc.

“Uribe foi o primeiro presidente da Colômbia diretamente ligado ao narcotráfico e aos paramilitares”, afirma a ex-candidata ao Senado pelo Pólo Democrático Alternativo Lilia Solano. “Santos, porém, é um legítimo representante da oligarquia que sempre governou o país”. Formado em Economia e Administração pela Universidade do Kansas, o novo presidente tem também mestrados em Economia, Desenvolvimento Econômico e Administração Pública pela London School of Economics e em Jornalismo e Negócios pela Harvard, além de um diploma de Direito pela Fletcher School of Law and Diplomacy. Sua família é uma das mais tradicionais do país, já tendo tido um membro no cargo de presidente da República (Eduardo Santos Montejo, 1938-1942) e um vice-presidente (Francisco Santos Calderón). Também é de propriedade do clã Santos o principal jornal do país (o El Tiempo), a mais importante revista semanal de política e variedades (La Semana), uma rede de rádios, um canal de TV com previsões meteorológicas e em breve um novo canal de TV aberta de abrangência nacional com conteúdo geral.

Nesse contexto, qual o futuro da oposição? “A esquerda sempre diz que sai fortalecida das eleições”, admite Lilia Solano. “No entanto, apesar de nosso candidato, Gustavo Petro, ser um homem inteligente, ele trabalhou por uma agenda própria de poder, sacrificando o partido que não teve forças para se unificar em torno de outro nome”. Para ela, o Pólo deveria ter lançado novamente Carlos Gavíria, que conquistou 22% dos votos contra Uribe em 2006, até hoje a maior votação da esquerda na Colômbia. Dividido, o Pólo não apoiou ninguém no segundo turno e menos de uma semana depois da votação Petro reuniu-se com Santos, à revelia do partido, para “iniciar um diálogo sobre terras, vítimas e água”. “Não me preocupa uma possível expulsão do partido, mas sim que o comitê seja capaz de aceitar a história política recente”, declarou em entrevista ao El Tiempo. “Diante de atitudes do próximo governo que coincidam com nossas propostas, vou dizer claramente que as apoio”. Em resposta, a presidente do partido, Clara López Obregón, afirmou que “no Pólo não expulsamos as pessoas nem cerceamos seu direito de expressão, mas é preciso entender que Petro está emitindo uma opinião pessoal”. Ao que acrescentou a senadora Glória Inês Ramírez: “se quer ir, não precisa de pretextos ou desculpas, pode ir tranquilo, o que não pode é querer chantagear a direção do partido”.

Para Clara, apesar de os resultados das eleições não terem sido positivos para o Pólo Democrático Alternativo, também não houve uma derrota mortal. “Foi mantida a mesma votação para o Senado de quatro anos atrás e em Bogotá, onde somos governo, avançamos significativamente”, destacou a presidente em entrevista a Sergio Ferrari, da ONG E-Changer, publicada pela Agência Adital. Realmente, a capital colombiana segue sendo historicamente um importante bastião das forças progressistas no país. Além do prefeito atual, Samuel Gustavo Moreno Rojas, também o anterior, Luis Eduardo “Lucho” Garzón, era filiado ao Pólo antes de sair do partido em 2009 para, junto com Antanas Mockus, que governou Bogotá de 1995 a 1996 e de 2001 a 2003, fundar o novo Partido Verde pelo qual este último disputou as eleições presidenciais desse ano.

O mais importante prefeito da cidade e quem estabeleceu os parâmetros para a esquerda em todo o continente, no entanto, foi Jorge Eliécer Gaitán, que governou Bogotá de junho de 1936 a março de 1937. Parlamentar e advogado brilhante, crítico mordaz da influência e ingerência dos Estados Unidos na América Latina, Gaitán teria sido eleito presidente da Colômbia em 1948 se não tivesse sido assassinado com três tiros pelas costas na mesma semana em que ocorria no país a reunião que daria origem à Organização dos Estados Americanos. Seus discursos inflamados contra as oligarquias e pelos direitos dos trabalhadores influenciaram gente como o ex-presidente cubano Fidel Castro e Manuel “Tirofijo” Marulanda, fundador das Farc. Já sua morte levou aos combates de rua entre a população de Bogotá e o exército nacional – conhecidos como “Bogotazo” e à época intitulados “La Violencia” –, que se espalharam por toda a nação pelos dez anos seguintes, causando entre 250 e 300 mil mortes. Se não foi exterminada à bala, não é uma eleição fraudulenta que vai acabar com esquerda do país, acreditam os militantes.

Já para Juan Manuel Santos, apesar do êxito eleitoral e do apoio explícito de Uribe, que deixa o governo em agosto, das Forças Armadas de quem foi comandante e do governo estadunidense, a administração já vai começar com uma série de problemas. Afinal, aritmeticamente ele teve menos de um terço dos votos do eleitorado total, mesmo sem contar com possíveis fraudes. O desemprego está na faixa dos 12%, a indústria (tirando o tráfico de drogas) está aos cacos e a diferença entre pobres e ricos é imensa. A cada dia surgem novos casos de paramilitares infiltrados em órgãos do governo, no Congresso e no Judiciário.

Também já recai sobre seus ombros a acusação de ser o responsável direto pelo assassinato de 3.000 jovens civis, no chamado “escândalo dos falsos positivos”, executados por militares ou mercenários contratados pelo Ministério da Defesa para inflar as estatísticas de “guerrilheiros” abatidos pela “Política de Segurança Democrática”. E foi sua a ordem para invadir o Equador em março de 2008 e destruir o acampamento das Farc que resultou na morte do então Número 2 do grupo, Raul Reys e mais 16 pessoas. Com um histórico desses, Santos não pode esperar muita colaboração e boa vontade nem da esquerda local tampouco dos países vizinhos alinhados mais à esquerda.

 


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