1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 (1 Votos)

090815 portoricoPorto Rico - O Diário - [Nils Castro] O estatuto de Porto Rico é o de uma colónia dos EUA. Valorizada pelos EUA pela sua posição geoestratégica até aos anos 80 do século passado, a sua sociedade, o seu território e a sua economia foram configuradas pelos interesses da potência colonial.


Está hoje afundado numa profunda crise económica e social e a contas com uma dívida externa que não pode pagar. E o seu estatuto corta-lhe quaisquer perspectivas de recuperação de acordo com os seus próprios interesses.

Em meados do século XX, o governo de Washington exibia Porto Rico como “a Montra do Caribe”, o modelo sonhado para os países mesoamericanos e umas décadas depois os pregadores neoliberais e os apologistas dos TLC fizeram o mesmo. Entretanto, faz já um par de décadas que a economia da ilha congelou e desde há 10 anos constitui uma catástrofe cujas crescentes calamidades afectam o emprego, a alimentação, a segurança social, a saúde, a criminalidade e a estrutura demográfica de la população. Agora uma dívida pública impagável deu ocasião a que The Economist qualifique a ilha como “a Grécia do Caribe” e mais de metade dos porto-riquenhos considera que a principal causa do desastre é o estatuto político que aqueles pregoeiros gabavam: o de Estado Livre Associado.

Por uma sentença ditada pelo Supremo Tribunal estado-unidense em 1901 (três anos depois da armada do seu país ter arrebatado essa possessão a Espanha), Porto Rico “pertence a” mas “não é parte dos” Estados Unidos, e a sua soberania é assumida pelo Congresso norte-americano. Por outras palavras, não é um Estado da União mas um “território” ou, como a isso se chama no resto do mundo, uma colonia. Embora em 1952 Washington tenha concedido à ilha um estatuto que permite aos seus habitantes eleger governos locais, esses governos carecem de soberania e, por conseguinte, não podem decidir a sua própria política económica nem aspirar a auxílios do Banco Mundial, do BID, o Banco de Desenvolvimento de América Latina (CAF) ou de outras agências multilaterais. Porque Porto Rico não pode sequer decidir que navios autoriza a atracar nos seus portos.

Durante mais de meio século, a ilha teve interesse geoestratégico e albergou bases da armada estado-unidense. Embora a ocupação norte-americana tenha implantado um modelo de urbanização e de economia que arrasou a agricultura que antes a sustentava, o valor militar da sua localização geográfica justificava os subsídios que isso custava. Mas desde os anos 80 do século passado esse valor decaiu, enquanto crescia a resistência porto-riquenha às bases militares, e desde há mais de 10 anos que já nenhuma delas resta em Porto Rico.

Não obstante, a despesa em subsídios prossegue. Dado que o controlo norte-americano quebrou a economia porto-riquenha e a tornou insustentável, agora o Tesouro federal estado-unidense consigna mais de US$ 6,000 milhões anuais em assistência aos seus habitantes em emprego, nutrição, habitação, saúde e educação. Segundo o Departamento de Agricultura dos EUA, 37% dos porto-riquenhos residentes na ilha recebeu assistência alimentar em 2012, num total de US$ 2,000 milhões. Sem contar que, por efeito do estatuto colonial, eles podem emigrar livremente para os Estados Unidos, o que dilui os números tanto dos subsídios federais como das vítimas da crise que fustiga Porto Rico.

A crise acelera

¿Porque se agravou com tanta rapidez essa crise na última década? Em meados do século passado a ocupação estadunidense implantou o estilo de urbanização típico dos subúrbios das cidades norte-americanas, e dirigiu a economia porto-riquenha, por meio de subsídios, para a indústria ligeira, a química, a electrónica e os serviços, com ruinosas consequências para a agricultura e seus derivados. Mas nos anos 70 a crise petroleira mundial fez fracassar a refinaria construída na ilha e os negócios a ela associados. Washington apelou então à legislação de incentivos fiscais que atraíssem indústrias farmacêuticas a Porto Rico.

Entretanto, desde os anos 90 os Estados Unidos estabeleceram tratados de livre comércio com países do continente, e consequência deles México, República Dominicana e América Central passaram a ser mais atractivos para fabricar manufacturas destinadas ao mercado norte-americano. Para cúmulo, em 2006 cessaram os incentivos para manter companhias farmacêuticas na ilha e um crescente número delas abandonou el país, fazendo disparar uma ainda maior crise do emprego. O desemprego ultrapassou rapidamente os 13%, mais do dobro dos Estados Unidos.

Por esse género de motivos milhares de centro-americanos e mexicanos tentam cada ano migrar para Norte, e os Estados Unidos contêm-nos tanto por meio das forças de segurança dos seus próprios países como dos serviços anti-imigração norte-americanos, e deportam grande parte dos que conseguem atravessar. A crise provoca a mesma tendência entre los porto-riquenhos, mas eles chegam com passaporte estado-unidense e as autoridades da potência colonial não têm outro remédio senão deixá-los entrar. Por essa via, Porto Rico perdeu 144,000 habitantes nos últimos anos, uma quebra próxima dos 3% dos seus habitantes. 40% de las famílias que permanecem na ilha estão abaixo do limiar da pobreza e 42% dos que se vão fazem-no em busca de emprego.

Isto não implica que esses migrantes conseguem melhor vida. A maior parte ‑‑ que agora vai mais para a Florida central do que para a saturada Nova Iorque ‑‑ passa a sobreviver com dramáticas carências. Entre dificuldades para superar a barreira do idioma e os preconceitos raciais, alojam-se em albergues temporários e permanecem a trabalhar em empregos marginais, num país afectado pela sua própria crise.

Esta sangria inclui tanto quadros e técnicos como trabalhadores não qualificados; faz envelhecer a idade média da população da ilha, reduz a população produtiva e acrescenta danos à economia. Ao diminuir a população activa, contrai a procura, reduz a oferta de trabalho e os salários, e no final faz com que mais pessoas se vão. Restam agora na ilha 3.7 milhões de habitantes e nos Estados Unidos há 4.7 milhões de porto-riquenhos. Calcula-se que entre 2006 e 2011 se tenha perdido neste êxodo uma quarta parte do PIB.

No curto prazo, um dos seus efeitos é a crise fiscal e orçamental que já quebra o governo da ilha e ameaça a governabilidade do país. À conta das facilidades que o estatuto de “território” permitiu antes aos governos locais, estes endividaram-se muito mais do que seria admissível. E agora sob a pressão dos credores, e por não ser um país independente, Porto Rico carece dos meios que uma nação soberana usaria para enfrentar o problema. E ao não ser também um Estado da União, está impedido de solicitar as ajudas que a legislação norte-americana prevê para as entidades que formam efectivamente parte da sua federação.

Segundo o Centro para uma Nova Economia (CNE), entidade independente porto-riquenha, em 2013 a dívida do país já ascendia a US$ 70,000 milhões (uns US$ 19,000 por habitante), o que representa 102% do PIB e não tem correspondência com o que a ilha produz. Por outras palavras, Porto Rico é estruturalmente insolvente. O seu descalabro orçamental vem de que por mais de 20 anos nunca gerou receitas suficientes para pagar as suas despesas de funcionamento, e em lugar das receitas contraía empréstimos no mercado de títulos, onde multiplicou o seu endividamento até atingir um ponto em que já não dispõe de crédito.

Amargo fruto desta acumulação, em Fevereiro passado agência de rating Standard and Poor’s degradou a dívida de Porto Rico à categoria de títulos lixo, decisão que dias depois foi seguida pela sua homóloga Moody’s. Em ambos os casos, assinalando as dificuldades desse país para financiar um défice de US$ 2,200 milhões, e que estão em risco todas as suas obrigações.

Hoje o governo local declara que a sua dívida é impagável, padece de uma insuficiência fiscal que monta a US$ 2,400 milhões e, ao mesmo tempo, está impedido de recorrer a novos empréstimos em termos “normais”, uma vez que não tem forma de amortizar uma dívida de quase US$ 73,000 milhões com os credores de Wall Street. Isso sem contar que essa insuficiência não inclui os US$ 400 milhões que faltam em contas atrasadas do Banco Governamental de Fomento (BGF), nem os US$ 500 milhões que o governo deve aos contribuintes que foram tributados em excesso.

Quando em Março passado o governo local tentava formar o seu orçamento de receitas e despesas para o ano 2015‑16 havia já um défice estrutural de US$ 651 milhões. Como o novo orçamento custará uns US$ 9,800 milhões, concretizá-lo vai impor dolorosos cortes.

Em Porto Rico vários serviços são prestados por empresas estatais e o governo tenta organizar um orçamento que minimize o despedimento de funcionários públicos. Mas não é capaz de configurar uma reforma fiscal aceitável e a sua única proposta foi aumentar o Imposto sobre Vendas e Uso (IVU), que tentou elevar de 7 a 16% e alarga-lo a serviços que antes não eram sujeitos a imposto, opção eleitoralmente perigosa que não conseguiu o apoio nem dos legisladores do partido governante. Ficou-se por 11.5%, anunciando que procurará juntar-lhe um Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA), que o Congresso já antes rejeitou.

A senadora independentista Maria de Lourdes Santiago denunciou que a subida do IVU é um golpe adicional para os trabalhadores e os pobres, em “um dos países que exibe um dos maiores fossos de desigualdade no planeta”. Mas, longe de se ocupar em mitiga-la, o governo esgota as suas poucas competências procurando “equilibrar” as contas entre receitas fiscais e despesas correntes, sem sequer imaginar por si mesmo outra política económica.

Sitiados pelo estatuto

Isso agrava um conjunto de consequências socioeconómicas e humanitárias. Porto Rico continua perdendo segurança alimentar e encaminha-se para uma crise da assistência sanitária. Uma vez que desde os anos 50 abandonou a agricultura, importa 87% dos alimentos de consumo diário. Uma reportagem do jornal El Nuevo Día de 24 de Setembro de 2014 informou que o défice da segurança alimentar se deve a que “não estamos organizados como país”, e que “se nos encerram os portos, morremos de fome”. Isto alude a que, desde 1920, o Congresso norte-americano submeteu a ilha às leis de cabotagem dos Estados Unidos, pelo que ela apenas pode utilizar navios de fabrico, propriedade e tripulação norte-americana, a frota mais cara do mundo. Para além das restrições que isso impõe à viabilidade da sua economia, impede a ilha de adquirir alimentos frescos.

Ao mesmo tempo, segundo o mesmo diário relatou em 20 de Maio de 2015, a situação fiscal faz diminuir o número de pacientes que acorrem aos hospitais, devido à redução dos prestadores de serviços e dos insumos médicos. Em consequência dos problemas económicos do Plano de Saúde do Governo, paralisam as cirurgias com cobertura pública. Diferentes serviços hospitalares são suspensos devido ao despedimento de funcionários e à sobrecarga dos que restam para atender os pacientes. E reduz-se a contratação de especialistas, bem como as autorizações de hospitalização e de cirurgias.

Tal como o ex. governador Aníbal Acevedo reflectiu em amargas declarações no passado 24 de Junho, enquanto Porto Rico produziu açúcar e soldados, e enquanto oferecia as suas terras para treinamento militar e uma economia aberta onde as suas empresas prosperaram, os Estados Unidos disseram ao mundo que trabalhavam lado a lado com a ilha; mas agora que Porto Rico caiu numa profunda crise que ameaça os seus serviços essenciais, Washington afasta-se.
Tudo isso descarta o velho cliché da ideologia colonialista segundo o qual “se não fosse pelos americanos estaríamos aqui como em Santo Domingo”. De facto, pese às suas conhecidas dificuldades, a economia dominicana anda hoje melhor que a porto-riquenha.

Por outras palavras, o governo de Porto Rico está encurralado sem saída, uma vez que tem as mãos atadas pelo mesmo problema que paralisa e afecta as demais instâncias da economia e da sociedade do país: o domínio colonial que Washington exerce sobre a ilha desde 1898. Embora o Estado Libre Associado ‑‑ o ELA‑‑ lhe permita uma limitada administração interna, o governo porto-riquenho não está autorizado nem para se declarar em bancarrota.

Sem capacidade para conceber outra coisa, o governo contratou uma ex. chefe de economistas do Banco Mundial, Anne Krugger, para estabelecer o guião que retirasse o país do atasco. O relatório Krugger começou por reconhecer que o problema não decorre do fluxo financeiro mas da longa estagnação do crescimento, mas daí derivou para o conhecido pacote neoliberal de recomendações, que logo após despertou a rejeição das suas vítimas. Entre outras coisas indicou baixar o salario mínimo, exigir mais horas de trabalho para pagar horas extraordinárias, eliminar o Subsídio de Natal, diminuir para metade as férias pagas, alargar o período de estágio de novos trabalhadores (até agora de seis meses) para dois anos, facilitar o despedimento de trabalhadores sem consequências para o patrão, elevar diversos impostos, eliminar as amnistias contributivas, despedir parte dos professores do ensino público e reduzir o salario dos restantes (uma vez que a diminuição da população reduziu o número de matriculas), cortar o subsidio à Universidade de Porto Rico, etc.

Imediatamente a União Geral de Trabalhadores (UGT) denunciou que tais políticas não figuram no programa de governo votado nas passadas eleições, nem no programa de nenhum outro partido, e reclamou que as medidas que o grupo de trabalho designado pelo governo decida adoptar sejam submetidas a referendo, para que o povo decida se as apoia ou repudia. Com o que cresce uma perspectiva similar à da Grécia, não já pelo volume da dívida mas pela rejeição pela população dos novos sacrifícios que o governo pretenda impor-lhe para apaziguar os credores.

Pelo contrário ¿que alternativas poderiam implementar-se se Porto Rico não estivesse submetida ao estatuto colonial, para poder enveredar por uma economia sustentável e com adequadas perspectivas de crescimento e desenvolvimento? De facto, a ilha dispõe de boas infra-estruturas ‑ viárias, rede eléctrica e de comunicações, aquedutos e drenagens, instalações escolares e hospitalares, porto e aeroporto ‑, mas carece de autorização para as gerir em seu próprio interesse. Como temos dito, para financiar um melhor aproveitamento dessas condições o país, submetido a essa camisa-de-forças, não pode negociar apoios da banca multilateral de desenvolvimento, como as demais nações latino-americanas e caribenhas.

Tão pouco pode solicitar a colaboração dos organismos internacionais apropriados para reanimar a actividade agro-pecuária e agro-industrial, e melhorar a produção alimentar, ou para reanimar a indústria ligeira e o turismo, como a FAO, o PNUD, a ONUDI e a OMT. Nem dos organismos regionais de integração e cooperação, já que nas condições desse estatuto Porto Rico não pode ser membro pleno nem associado do Caricom, da Associação de Estados do Caribe, nem de Petrocaribe, como as sus vizinhas Jamaica e República Dominicana. Como tão pouco sê-lo da Celac ou da OEA.

Pese a estar no meio do Caribe a ilha não pôde desenvolver-se como centro de enlaces e serviços marítimos regionais, ao encontrar-se reduzida a ser cliente menor da marinha norte-americana de cabotagem.

Sitiada pelo ELA, tão pouco pode reorganizar no seu próprio interesse as suas relações económicas, comerciais e financeiras com os Estados Unidos através da negociação de um tratado comercial, como os países centro-americanos e a maior parte dos estados costeiros da bacia do Caribe. Nem decidir o seu esquema de relações com os países europeus ou do Pacífico asiático.

Em resumo, Porto Rico é uma nação isolada e imobilizada pelo seu estatuto territorial, que a mantem à margem tanto dos fluxos da cooperação e da solidariedade regionais como da competitividade global.

* Texto completo em http://www.alainet.org/es/articulo/171044

- Nils Castro é escritor e catedrático panamiano.


Diário Liberdade é um projeto sem fins lucrativos, mas cuja atividade gera uns gastos fixos importantes em hosting, domínios, manutençom e programaçom. Com a tua ajuda, poderemos manter o projeto livre e fazê-lo crescer em conteúdos e funcionalidades.

Microdoaçom de 3 euro:

Doaçom de valor livre:

Última hora

Quem somos | Info legal | Publicidade | Copyleft © 2010 Diário Liberdade.

Contacto: info [arroba] diarioliberdade.org | Telf: (+34) 717714759

Desenhado por Eledian Technology

Aviso

Bem-vind@ ao Diário Liberdade!

Para poder votar os comentários, é necessário ter registro próprio no Diário Liberdade ou logar-se.

Clique em uma das opções abaixo.