Nem o imperialismo se conforma com a perda de influência nos seu “pátio das traseiras”, nem as oligarquias nacionais (em vários casos intocadas) deixam de tentar regressar aos tempos em que dominavam, exploravam e oprimiam à sua vontade. E essa contra-ofensiva assenta também nas fraquezas, ambiguidades e erros políticos dos governos progressistas.
Os atores do golpe: Os EUA e suas agências de inteligência comandadas pela CIA:
A administração estadunidense expressou seu mal-estar frente ao governo do presidente Rafael Correa. Várias são as razões pelas quais Correa é uma pedra no sapato do imperialismo: a política soberana a nível internacional que permitiu o Equador manter relações com diversos países como China e Irã, por exemplo, assim como expressar uma política solidária com os povos do mundo como com a Palestina, Cuba, Venezuela, Honduras, entre outros.
A aproximação com Cuba é muito incômoda para o governo americano, assim como a amizade com Fidel e Raúl Castro. Nesse sentido, também geram desgosto no governo dos EUA os laços de amizade profunda entre o governo equatoriano e o da República Bolivariana da Venezuela.
Por outro lado, cabe recordar que o governo do presidente Rafael Correa não permitiu a ingerência de funcionários estrangeiros nos assuntos internos do país. Não se deve perder de vista que Correa expulsou a embaixadora dos EUA no Equador Heather Hodges, ao mesmo tempo em que solicitou um informe sobre a penetração da CIA na polícia equatoriana, uma das causas pelas quais se deu a intentona golpista de 30 de setembro de 2010.
Da mesma maneira, o governo de Correa chamou a atenção do embaixador Adam Namm por intrometer-se em assuntos internos do país, com amparo dos meios de comunicação privados.
As ONG’s estrangeiras, leia-se CIA, como USAID, NED, realizam tarefas desestabilizadoras com o financiamento a organizações vinculadas ao campo da comunicação, como Fundamedios, para acusar o governo equatoriano de atentar contra a liberdade de expressão. A SIP, a serviço dos EUA e dos empresários dos jornais latino-americanos, cumpre papel igual.
A pequena-burguesia ou a classe média com aspirações burguesas:
Nas principais cidades do país, a classe média, que durante os anos de mandato de Rafael Correa aumentou sua capacidade de consumo, expressou seu repúdio às políticas do governo em matéria tributária, o qual se fez evidente com o estabelecimento das salvaguardas tarifárias a uma lista de produtos de importação.
O mal-estar já se evidenciava antes mesmo das medidas tomadas a respeito da importação de celulares, o aumento no custo dos veículos e de alguns produtos que, com estas medidas tarifárias, subiram novamente de preço.
Quais são estes produtos de importação: bebidas como whisky, vinhos, tequila ou vodka, presuntos, eletrodomésticos, entre outros. É possível observar que são produtos que não são de consumo permanente, nem fundamentais para a população. No entanto, a classe média, acostumada a ter formas de vida cada vez mais aburguesadas, sente que a estão golpeando ao não poder obter a preços baixos esses produtos. Por outro lado, este setor importante da população evidencia seu individualismo, seu egoísmo como classe e sua falta de entendimento da realidade nacional e mundial.
As medidas tomadas respondem à crise internacional que derivou na queda do preço do petróleo. São medidas que não afetam a economia real da população. É possível notar a ida de pessoas da classe média de diversos lugares do país para a fronteira colombiana, à zona de Ipiales, para comprar mais barato tudo o que podem, nos centros comerciais dessa cidade colombiana, o que evidencia que possuem poder aquisitivo.
Dentro dos setores da classe média se encontram profissionais de diversos ramos, insatisfeitos pelas razões expostas. A burocracia que vê seus salários congelados, também está irritada com o governo de Correa.
De igual forma, a juventude pertencente a essa classe média expressa seu repúdio, não por razões de peso, mas por questões muitas vezes de caráter formal.
Apesar de ter sido feita uma reestruturação no sistema universitário, com o propósito de obter sua melhoria (processo não isento de terríveis falhas), existe um mal-estar nos jovens pelo que ocorre na Universidade. Aqui joga um papel fundamental o extinto MPD, insatisfeito por ter perdido seu espaço de ação política dentro da Universidade. Ainda assim, dentro da Universidade pública, jogam papel contrário ao governo agrupamentos reciclados ou aparentemente novos que se autodenominam de esquerda, os mesmos que chegaram sem nenhum critério político válido a qualificar Rafael Correa de fascista e até de agente da CIA, como UJIR, Mariátegui, ligados a membros do MIR, do Pachacutik e da CONAIE respectivamente.
Muitos jovens universitários consultados assinalaram que sua insatisfação com o governo e com Correa é por sua “atitude prepotente”, “porque ataca muito os meios de comunicação”, “porque quer impor coisas, como os fogões elétricos”, etc., o que demonstra sua falta de análise dos problemas reais do país. Muitas vezes Correa é visto como um algoz das mídias e dos jornalistas e não como vítima permanente de desprestígio e ataque.
A esquerda extremista, dogmática e a da academia e dos cafés:
Insatisfeitos com o governo porque apontam que foi o regime de Correa que os dividiu e que afetou seus interesses.
É necessário partir do fato de que se existe uma organização política forte, o trabalho divisionista poderia ser empreendido ou teria sido mínimo.
A chamada “esquerda” equatoriana se caracterizou por suas estruturas verticais, burocráticas e dogmáticas, pouco críticas e reflexivas frente aos problemas nacionais e mundiais. Seu nível de teorização e produção intelectual também é mínimo, a ponto de categorizar muitas vezes o governo de Correa como fascista ou, muito simplesmente, de populista. Nos últimos tempos, para desqualificá-lo, o chamam de extrativista, o que tem como propósito acusá-lo de atentar contra o meio ambiente, a natureza.
Figuras como a do eterno reitor da Universidade Andina Simón Bolívar, o historiador Enrique Ayala Mora, lançam a partir da academia universitária seus ataques contra Correa. É visível nas aulas universitárias, tanto nas das instituições privadas como públicas, docentes de diversos ramos expressarem seus ataques furiosos contra o governo. Para além das reflexões teóricas, que são válidas dentro do espaço universitário (sendo favoráveis ou contrárias), o que se faz é emitir mensagens soltas, ofensivas contra Correa, o que não contribui para o corpo discente compreender a problemática nacional. O caso notório é o de um professor na Faculdade de Comunicação Social da Universidade Central do Equador, que dentro das aulas universitárias assinalou ante seus alunos que “Correa é um homossexual e que gosta de se vestir de mulher e fazer suas festas”.
O acadêmico da Universidade Andina Simón Bolívar, César Montúfar, que foi fundador da Participação Cidadã, grupo que recebeu dinheiro da USAID, hoje membro da Concertación Democrática [Coalizão Democrática], é outro cabeça da oposição a Correa.
O movimento Pachacutik, no qual se destaca a figura da congressista Lourdes Tibán, se exibe como de esquerda e não faz mais que representar posturas próprias da direita ao atacar a Venezuela Bolivariana de Nicolás Maduro, ao defender os meios de comunicação da oligarquia equatoriana e de, inclusive, pedir a intervenção dos EUA como fez Fernando Villavicencio, assessor do ex-congressista Cléver Jiménez, ambos deste grupamento político.
Não se pode perder de vista que dentro do movimento indígena existe uma luta ideológica entre diversos setores e que, além disso, como organização, não está isenta de pressões contra seus membros, como nas marchas realizadas em que se cobram multas pela não participação ou se ameaça de tirar os serviços de água das comunidades. Da mesma maneira, tampouco está livre de atos de corrupção entre seus dirigentes que gozam de privilégios, tal como se evidenciou nas marchas quando estes dirigentes se hospedaram em bons hotéis, enquanto as bases ficaram nos parques e caminhando e eles em caminhonetes de luxo.
A oligarquia corrupta, a partidocracia e seus meios:
Comandada pelo banqueiro Lasso, que possui aspirações presidenciais. Da mesma forma, estão por trás destas intentonas golpistas os banqueiros desertores, aliados da extrema direita estadunidense, como os Isaías envolvidos na tentativa de golpe de 30 de setembro de 2010. Outro cabeça visível dos setores oligárquicos é Blasco Peñaherrera Solah, presidente da Câmara de Comércio de Quito, filho do ex-vice-presidente Blasco Peñaherrera, outro assíduo adversário do regime de Correa. Outro inimigo, ainda que em desgraça, é o empresário, sonegador de impostos, Álvaro Noboa. Igualmente estão os representantes da Câmara de Comércio de Guayaquil, comandados por Pablo Arosemena. Outro cabeça visível desta burguesia envelhecida é o advogado Juan Carlos Solines, ex-candidato à vice-presidência com Guillermo Lasso.
Em termos de partidocracia, porém também constituindo essa oligarquia corrupta e enriquecida, estão Lucio Gutiérrez, o melhor amigo dos EUA e Uribe, Cynthia Viteri ex-social-cristã agora Madera de Guerrero, Andrés Páez ex-ID hoje partidário do Creo e, fundamentalmente, os prefeitos de Quito e Guayaquil, Mauricio Rodas e Jaime Nebot respectivamente.
Nebot convocou para 25 de junho de 2015 uma marcha contra o governo, onde expressou, mais uma vez, suas posturas machistas, violentas e de defesa dos setores mais abastados do país. Correa quer dividir o país e fala de luta de classes disse, como se isso fosse uma invenção do presidente equatoriano e não uma realidade evidente em um país, em que uns poucos continuam gozando da riqueza fundamental a custa do trabalho de outros ou da corrupção e da pilhagem. Igualmente, Nebot lançou seus ataques contra a Venezuela, o que evidencia as posturas comuns da oligarquia latino-americana contra os projetos progressistas na região. Não podia faltar no discurso de Nebot sua referência aos colhões, para demonstrar que é um cabra macho.
O preocupante são os níveis de influência do governante de Guayaquil em diversos setores da população da cidade portenha, com escasso nível de preparação política e muito suscetível à gritaria, à bravata. O nacionalismo extremo joga um papel fundamental. Tudo isto canalizado por Nebot, que em entrevista à CNN reconheceu, sem nenhum constrangimento, que ele era um desses personagens que formam parte desses 2% opulentos que, se aprovada, a Lei de Heranças e da Mais-valia, tocaria pagar altos impostos.
Por outro lado, o chamado oculto à violência no discurso de Nebot foi evidente, ao responsabilizar o governo de qualquer coisa que possa acontecer caso não considere, segundo ele, o que pede o povo. Nebot esconde seu discurso elitista, em defesa dos ricos, com palavras como Pátria, Unidade, Povo, uma vez que fala de Liberdade, Democracia. A defesa do patrimônio de uns poucos, é a defesa da Pátria, tal como o expressa Nebot, uma vez que adota a ideia de família, como o resto de oligarcas, para criar uma psicose coletiva ao manipular as pessoas fazendo-as crer que se atenta contra os filhos, posto que o que os pais promoveram ao longo de sua vida, Correa supostamente quer tirar.
Para a oligarquia, o problema da pobreza ou da riqueza é apenas uma questão de empreendimento, e assim o apresentam.
Entre os representantes de meios de comunicação ou que se apresentam como comunicadores sociais ou jornalistas estão Carlos Vera, ex-apresentador de televisão, e Jorge Ortiz. Vera, em entrevista com Jorge Lanata há alguns anos, dizia que sua melhor amiga era sua pistola e que sua aspiração era ser ditador do Equador. Ortiz é um anticomunista declarado e suas mentiras sobre o que acontece na Venezuela e Cuba são constantes. Gonzalo Rosero, da Radio Democracia, EXA FM, Janeth Hinostroza, Teresa Arboleda de Schotel, Bernardo Abad, Gisella Bayona, Alfonso Espinosa de los Monteros, Alfredo Pinargote, Diego Oquendo, da Radio Visión, diária e permanentemente lançam seus ataques contra Correa.
A organização dirigida por César Ricaurte, Fundamedios, é outra que iniciou as campanhas acusatórias a nível nacional e internacional contra o governo do presidente Rafael Correa, culpando-o fundamentalmente de violar a liberdade de expressão e o direito à informação.
As revistas Vistazo, Plan V também participam do grupo de meios de comunicação que atacam as políticas de Correa, assim como a figura do mandatário.
Em termos internacionais, sobressai o jornalista Jaime Bayly, personagem que felicitou o ex-mandatário colombiano, o chefe do paramilitarismo nesse país, Álvaro Uribe Vélez, pelo bombardeio de Angostura no qual foi assassinado o Comandante Comandante Raúl Reyes, das FARC-EP. Não podia faltar nesta lista a cadeia estadunidense CNN, assim como os jornais estrangeiros El Nuevo Herald, o Miami Herald, assim como El Diario de las Américas.
Campanhas midiáticas desestabilizadoras e o golpe suave com violência:
Várias são as campanhas empreendidas pela propaganda da oligarquia equatoriana e seus meios contra o regime do presidente Rafael Correa. Lamentavelmente, muitos setores que se autodenominam de esquerda, também fizeram eco das mesmas.
Algumas para recordar são as seguintes:
Correa quer converter o Equador em outra Cuba e pretende dividir as habitações para colocar várias famílias inteiras nas mesmas.
O Governo quer formar Comitês de Defesa da Revolução, como os de Cuba, para vigiar as pessoas. Nesse sentido, também se assinalou que o governo equatoriano estava propiciando o ingresso de agentes do regime cubano para levar adiante estas tarefas de vigilância e espionagem.
Correa se relaciona com países que patrocinam o terrorismo, como o Irã.
O regime de Correa está vinculado ao “narcoterrorismo” (supostas contribuições das FARC-EP a sua campanha, o caso da “narco-maleta” na Itália).
O governo é responsável por milhares de estudantes ficarem sem estudar pelo fechamento de inúmeras universidades privadas que não cumpriam requisitos mínimos para funcionar.
O governo de Correa atenta contra a liberdade de expressão (Lei de Comunicação).
Correa mantém a população aterrorizada.
Finalmente, os meios de comunicação criaram uma psicose coletiva a partir da Lei de Redistribuição da Riqueza e Mais-Valia, assinalando que com estas o governo pretendia tirar da população seu patrimônio, a herança que os pais por direito podiam deixar a seus filhos.
O presidente foi claro ao apontar que se trata é de alcançar uma maior equidade no país através de uma melhor redistribuição da riqueza, e que a lei apenas afetará 2% da população que usufrui de 90% da riqueza do país.
O erro do governo radicou no fato de não ter socializado as leis antes de colocá-las em votação na Assembleia Nacional. Isto serviu para que a oligarquia equatoriana, que se viu afetada por ditas leis, lançasse uma poderosa campanha de desinformação em torno delas. As mobilizações aconteceram e grupos de cidadãos fundamentalmente da classe média, muito confusos, mais os ricos “pelucones”, saíram às ruas para se manifestarem-se contra estas leis.
As ações levadas a cabo não são resultado, como se diz, da espontaneidade da população. Por trás disso existe um planejamento adequado. As mobilizações respondem aos mesmos esquemas das manifestações contra o Governo Bolivariano da Venezuela e, inclusive, têm o respaldo desses mesmos setores golpistas, assim como da oligarquia colombiana.
O que se está levando adiante é um golpe brando contra o governo de Correa.
Brando em teoria, porque na realidade implica a execução de atos violentos ou a provocação dos mesmos.
Setores de extrema direita do interior do exército e a polícia equatoriana constituem a intentona golpista. Nem a polícia, nem o exército mudaram de mentalidade no Equador. Continuam respondendo à mesma Doutrina de Segurança Nacional repressiva e seu porta-voz é abertamente anticomunista, pró-imperialista. Estarão relativamente em paz, enquanto satisfaçam suas demandas econômicas. O chamado nas redes sociais à intervenção militar-policial não se faz esperar.
O cenário que se prevê é o de maiores mobilizações nas principais cidades do país, com características cada vez mais violentas. Isto se intensificará antes da chegada do Papa Francisco. Já circulam cartazes de boas vindas ao Pontífice, com mensagens contrárias ao governo. Já a oposição assinalou que aproveitará a visita do Papa para atacar Correa. O país está de luto, dizem.
Não é verdade que queiram esperar uma saída democrática para o ano de 2017, quando ocorrerão as eleições para a presidência da República. A oposição quer tirar Correa do poder antes desse ano. Para isso vão incendiar as ruas e seu principal suporte serão os meios de comunicação privados.
O governo deve mudar sua estratégia propagandística. Não deve lutar no cenário no qual a oposição deseja fazê-lo. É preciso trabalhar mais a parte política e isso implica apontar para conscientização da população sobre os problemas fundamentais do país e do mundo. Nas sabatinas se deve considerar este aspecto.
Por outro lado, o presidente Rafael Correa deve levar adiante um maior aprofundamento do processo. Não deve só planejar a redistribuição da riqueza. É preciso ir mais fundo e isso requer um estudo de como se adquiriram as fortunas no país para saber se são resultantes de processos legais ou fraudulentos, de atos de corrupção e, acima de tudo, da exploração do trabalho operário e camponês. Isto permite ter os argumentos suficientes para que essa riqueza infundada, sobretudo a propriedade dos meios de produção, passe aos coletivos de trabalhadores.
Tampouco pode se descuidar do cenário das ruas e muito menos do midiático.
Não há dúvida, a oligarquia abastada e a classe média com aspirações burguesas, amparadas em seus meios, querem retornar ao passado e é preciso detê-las com muita inteligência e coragem.
Quito, 27 de junho de 2017
Fonte: http://www.abpnoticias.org/index.php/ecuador/2434-la-contraofensiva-de-los-herederos-del-neoliberalismo-en-el-ecuador
Tradução: Partido Comunista Brasileiro (PCB)