Em 1985 Zelaya é eleito deputado e ocupa sucessivamente vários cargos no Congresso Nacional, como a presidência da Comissão de Recursos Naturais e a comissão de Petróleo. Também é secretário da Junta Dirigente do Parlamento.
Em 1994 o presidente Carlos Roberto Reina o nomeia diretor do Fundo Hondurenho para o Investimento Social. Alguns anos depois, em 1999, Zelaya se converte em assessor do presidente Carlos Roberto Flores Facussé.
Como candidato do Partido Liberal, Zelaya é eleito presidente da República de Honduras em 2005 e triunfa sobre seu adversário Profílio Lobo Sosa, do Partido Nacional. Assume seu cargo em 27 de janeiro de 2006. No primeiro dia de sua presidência aprova a Lei de Participação Cidadã que permite consultas populares sobre as principais questões nacionais, com a finalidade de reforçar a democracia participativa.
A Comissão Econômica para a América Latina e Caribe das Nações Unidas elogia sua boa gestão em 2006 e classifica Honduras no primeiro escalão das nações com forte crescimento econômico na região e com taxa de inflação mais baixa dos últimos 15 anos.
O presidente Zelaya não privilegia a economia em detrimento da ecologia. De fato, em 2007 lança um programa de proteção das florestas na zona do rio Plátano.
Em 2008 Honduras entre para a Aliança Bolivariana para os Povos de Nossa América (Alba), fundada por Cuba e Venezuela. Assim, o país pode se beneficiar do programa Petrocaribe, que lhe permite conseguir com crédito 40% do petróleo adquirido com uma taxa de juros de 1% em um período de 25 anos. As economias realizadas no setor energético permitem a Zelaya empreender uma política social destinada a melhorar o nível de vida dos setores mais desfavorecidos, com investimentos massivos nos campos da saúde e da educação. Do mesmo modo, o salário mínimo aumenta 11% em 2007 e 60% em 2008.
Em 2009 o presidente Zelaya propõe uma consulta popular para o mês de junho sobre a possível eleição de uma Assembleia Constituinte a fim de modificar a Constituição de 1981. Caso a resposta fosse positiva, uma quarta urna seria acrescentada nas eleições de novembro de 2009 para ratificar a vontade popular.
Não obstante, Zelaya enfrenta a hostilidade do Tribunal Supremo Eleitoral, da Procuradoria Geral, da Corte Suprema de Justiça e do Congresso Nacional, sob controle dos conservadores que se opõem a toda reforma constitucional. Todos consideram ilegal a consulta. O exército se nega a distribuir as urnas durante a consulta prevista para 28 de junho, obrigando o presidente a importar o material da Venezuela e gerando uma crise política com a renúncia do ministro da Defesa e dos chefes dos três exércitos.
Em 28 de junho de 2009 o presidente Zelaya é vítima de um Golpe de Estado orquestrado por Washington e a oligarquia hondurenha, opositores à aproximação com a esquerda latino-americana. Deportado para a Costa Rica, é substituído por Roberto Micheletti no comando do país até o fim de seu mandato em janeiro de 2010. Nenhum governo do mundo reconhece a junta golpista.
A comunidade internacional condena de forma unânime a ruptura da ordem constitucional em Honduras, inclusive os Estados Unidos. Em julho de 2009, Zelaya, acompanhado de várias personalidades, tenta voltar a Honduras, sem êxito. O exército impede que o avião aterrisse e até mesmo dispara em direção às pessoas que iam recepcionar seu presidente, causando muitas vítimas.
Em setembro de 2009 se refugia na embaixada do Brasil em Tegucigalpa como presidente legítimo no exílio. As forças golpistas assediam então a representação diplomática até sua saída para a República Dominicana em 27 de janeiro de 2010.
Após uma negociação com o novo poder dirigido por Porfirio Lobo, eleito em 2009 em um país sob estado de sítio, sem nenhuma garantia constitucional, Zelaya pode regressar a Honduras e se reintegrar à vida política nacional. Do mesmo modo, no marco deste acordo, a Corte Suprema decide cancelar os julgamentos que as autoridades golpistas abriram contra ele.
Eleito deputado em setembro de 2010, Zelaya funda um novo movimento político chamado Liberdade e Refundação. Em 2013 sua esposa, Xiomara Castro de Zelaya, se apresenta às eleições presidenciais, vencidas pelo atual presidente Juan Orlando Hernández apesar de acusações de fraude.
Nesta conversa Juan Manuel Zelaya faz um balanço de seu governo e recorda do golpe de Estado. Aborda também a situação política nacional de Honduras e conclui ressaltando a importância da Revolução Cubana e da Revolução Bolivariana na América Latina.
Senhor presidente, poderia fazer um balanço de sua atuação à frente da República de Honduras? Quais foram as medidas emblemáticas de seu governo?
No século XXI a coluna vertebral da economia é a energia, pois tudo depende dela. Não era o caso no século XIX nem na primeira metade do século XX. Quando cheguei ao poder tivemos que enfrentar o monopólio energético que as transnacionais estadunidenses e europeias nos impunham no campo do petróleo. Nossa energia elétrica era a mais cara da América Central e nossas empresas não podiam competir por causa dos custos elevados planejados por essa situação.
A principal medida que tomamos no início do meu mandato foi corrigir este problema do monopólio petroleiro. Entramos então na organização Petrocaribe criada pelo presidente Hugo Chávez da Venezuela e pudemos nos beneficiar de facilidades de pagamento.
Qual foi a reação das multinacionais petroleiras?
As multinacionais petroleiras estadunidenses e europeias me declararam guerra e me qualificaram de inimigo do setor privado. Logo, minha política não era do agrado dos conservadores do setor privado pois privilegiei as regras de mercado, favoreci a competição e coloquei fim ao monopólio. Fiz com que a demanda regulasse a oferta e acabei com a situação em que os monopólios e as concessões estatais às empresas privadas alterassem as regras de mercado.
Minha política de ruptura do monopólio foi o motivo do meu desacordo com o governo dos Estados Unidos. O setor privado, que se opunha terminantemente à competição e desejava conservar o controle da economia, também se opôs à minha autoridade. As empresas privadas planejaram então um golpe de força para me expulsar do poder e foram financiadas pelas multinacionais estrangeiras. Isso desencadeou no golpe de Estado de junho de 2009, que terminou com a legalidade institucional e rompeu pela força o mandato que o povo me havia confiado.
Em termos de política social, quais medidas foram implementadas em seu governo?
Do ponto de vista econômico, nosso governo era muito estável. Durante os três anos do meu mandato tivemos um crescimento de 6,7%, apesar da crise de 2008. Nosso crescimento foi amplamente superior ao crescimento médio do continente.
Pela primeira vez na história de Honduras reduzimos a pobreza. Lançamos programas sociais no setor da educação, como acesso gratuito à escola para todas as crianças do país. Criamos a Rede Solidária com uma cobertura sanitária para os setores mais frágeis. Reduzimos em 16 pontos a pobreza extrema e em seis pontos a pobreza em apenas dois anos. É algo inédito em nosso país.
Então as dificuldades eram mais de ordem política.
Sim, pois irritamos os Estados Unidos. Declararam que não permitiriam que Honduras entrasse na Alba, fundada por Cuba e Venezuela. Várias personalidades estadunidenses estão na origem do golpe de Estado, como Otto Reich, Pedro Carmona e Roger Noriega. Planejaram o golpe que me derrubou com a ajuda de Washington e da oligarquia hondurenha. O golpe de Estado afogou o país na violência e na miséria.
Como ocorreu a ruptura da ordem constitucional?
Usaram um argumento preciso. Durante meu primeiro ano de governo aprovamos a "Lei de Participação Cidadã", que permite consultar o povo por referendo. A democracia representativa alcançou seus limites em todo o mundo, pois os representantes do povo muitas vezes traem seus compromissos, entram no mundo da corrupção. Não é possível comprar um povo. Por outro lado, é fácil subornar um deputado ou um ministro. Então decidimos favorecer a democracia participativa.
Durante as eleições de 2009 decidi consultar o povo em 28 de junho para saber se considerava oportuna a convocação de uma Assembleia Constituinte. Em caso de resultado positivo, colocaríamos uma urna nas eleições de novembro de 2009 para realizar o referendo. Um juiz decidiu declarar ilegal essa iniciativa puramente consultiva. Nem sequer pudemos apelar a essa decisão. Em 28 de junho de 2009 os golpistas tomaram as armas e nos expulsaram do país.
Derrubaram o Estado e Honduras foi expulsa da Organização de Estados Americanos. Desde essa data o país sofre uma grave crise em todos os níveis. Somos o país mais violento do mundo, o mais pobre da América Latina e nossa dívida externa jamais foi tão elevada.
Quem são os autores intelectuais do golpe de Estado?
Os Estados Unidos orquestraram o golpe de Estado desde o princípio. Faço uma distinção do povo estadunidense e dos seus dirigentes. Me refiro ao lobby militar-industrial e midiático-financeiro que tem as rédeas do poder em Washington, cujas práticas imperiais são repudiadas em todo o mundo, inclusive na sociedade estadunidense. Muitas personalidades estadunidenses se opõem às invasões de países, aos bombadeios de civis, à realização de golpes de Estado e as ingerências da CIA.
O golpe de Estado foi planejado em Miami com o apoio de Washington e do Comando Sul por meio das pessoas que mencionei, como Otto Reich, Roberto Carmona e Roger Noriega, em conluio com a oligarquia hondurenha e alguns parlamentares do país.
Como foi o golpe de Estado?
Me tiraram de casa, à mão armada, de madrugada. Eu estava de pijama. Me sequestraram, me levaram a uma base militar estadunidense e depois me transferiram para a Costa Rica.
Quais foram as primeiras medidas tomadas pelas autoridades golpistas após a ruptura da ordem constitucional?
Primeiro permita-me esclarecer uma coisa. Existe um autor italiano, Curzio Malaparte, que ergueu as bases teóricas do golpe de Estado. Ele explica que um golpe de Estado é a derrocada de um poder do Estado por outro poder do Estado que se desenvolve de surpresa e na violência. Um golpe de Estado é uma conspiração que se prepara durante meses. Uma situação de pré-golpe é organizada a fim de criar uma crise que abriria o caminho à ruptura da ordem constitucional por meio das forças armadas. Depois, o novo poder tenta instalar sua autoridade esmagando a oposição. Foi o que ocorreu em Honduras.
Você não tem a menor dúvida sobre a participação dos Estados Unidos no golpe de Estado.
Durante uma conversa com Tom Shannon, então subsecretário de Estado dos Estados Unidos, quando já havia começado a crise, lembro de tê-lo dito o seguinte: "Está sendo aplicado em Honduras o manual do golpe de Estado do Departamento de Estado dos Estados Unidos". Sua resposta foi edificante: "Não, senhor presidente, você está equivocado pois o Departamento de Estado não tem um manual, mas três manuais". Várias testemunhas presenciaram a conversa e podem corroborar minhas afirmações. Pela confissão das partes, provas são irrelevantes.
Qual a sua opinião sobre a reação da comunidade internacional diante do golpe de Estado?
Devo dizer que foi extraordinária. Pela primeira vez, a comunidade internacional, em sua totalidade, inclusive os Estados Unidos, se opôs ao golpe de Estado.
Porém, após essa condenação formal, a realidade se impôs. A justiça supranacional na realidade não existe. O Conselho de Segurança das Nações Unidas, a Carta Democrática da Organização dos Estados Americanos, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos ou a Corte Penal Internacional funcionam em circunstâncias bem precisas. Não foi o caso para Honduras.
Permita-me dar um exemplo. A Comissão Interamericana de Direitos Humanos fala de golpe de Estado em todos os seus relatórios e declarações, condena o golpe de Estado contra a democracia Hondurenha, mas se nega a aceitar nossa demanda como vítimas do golpe de força, o que permitiria abrir uma investigação. É a prova evidente de que alguns interesses muito poderosos não desejam que o atentado contra a democracia hondurenha seja esclarecido.
Do mesmo modo, a Carta Democrática da Organização de Estados Americanos condenou o golpe de força e Honduras foi expulsa da OEA, mas esta organização foi incapaz de restaurar o sistema democrático em nosso país.
A Corte Penal Internacional se nega a investigar os crimes massivos cometidos após o golpe de Estado. Houve milhares de mortos depois da ruptura do Estado de direito. O país se encontra nas mãos do crime organizado e os grupos paramilitares se multiplicam em nosso território.
Não há justiça internacional ou supranacional. Os povos estão abandonados à sua sorte. Os Estados Unidos atacam sempre os governos que tentam transformar a sociedade. Tomemos como exemplo o caso da Venezuela, que se encontra assediada por Washington e sofre uma guerra econômica sem precedentes. Veja Cuba, sob estado de sítio há mais de meio século.
Algumas semanas após o golpe de Estado você voltou a Honduras. Como esse episódio se desenvolveu?
Na realidade, tentei voltar a Honduras no dia seguinte ao golpe de Estado. Mas José Miguel Insulza, secretário-geral da OEA, me pediu um prazo de sete dias para resolver a crise. Viajou então a Honduras e impôs um ultimato. Seu papel foi honroso mas não teve êxito pois não cedeu o governo militar, oficialmente condenado pelos Estados Unidos, mas clandestinamente apoiado por Washintgton.
Anunciei então que iria voltar a Honduras como presidente do povo hondurenho. Chávez me emprestou seu avião. O povo se manifestou e foi então que começaram os crimes. O exército impôs o Estado de sítio e a repressão foi terrível.
Em outro avião nos acompanhou a presidenta argentina Cristina Kirchner, o presidente do Equador Rafael Correa e o presidente Fernando Lugo do Paraguai, entre outros. Mas não pudemos aterrizar, pois os golpistas ameaçaram derrubar os aviões com mísseis.
Quinze dias depois tentei entrar em Honduras pela fronteira nicaraguense graças ao apoio do presidente Daniel Ortega. Mas a operação foi um fracasso porque a junta militar colocou o exército em estado de alerta próximo à fronteira. Perseguiram minha esposa, minha filha e meus netos. O movimento popular de resistência, que se reuniu conosco, sofreu uma repressão terrível, com torturas e assassinatos em massa.
Depois você se refugiou na embaixada do Brasil.
Três meses depois entrei clandestinamente em Honduras, enganando a CIA e os serviços de inteligência da ditadura. O presidente Lula foi informado por telefone de minha presença em Tegucigalpa e me ofereceu asilo político. Me refugiei na embaixada do Brasil na capital. Minha esposa se reuniu comigo. O encarregado de negócios nos recebeu, pois o Brasil havia chamado para consulta o seu embaixador como expressão de seu rechazo ao golpe de Estado.
Vivemos um pesadelo durante mais de quatro meses. Foi o início de um calvário psicológico. A junta golpista tentou de tudo para nos tirar da embaixada: ruídos infernais, gases insuportáveis, luz ofuscante durante a noite, etc.
Após vários meses pudemos sair da embaixada graças a um salvo-conduto que o então presidente Porfirio Lobo Sosa nos entregou e nos refugiamos na República Dominicana.
Mais tarde você pode voltar a Honduras.
O presidente Hugo Chávez da Venezuela e o presidente Juan Manuel Santos da Colômbia conseguiram um acordo com as novas autoridades hondurenhas para que eu pudesse voltar ao país e fundar um novo partido político que é hoje a primeira força de oposição da nação.
Qual é o seu ponto de vista sobre as últimas eleições presidenciais em Honduras, em 2013?
Tenho fé no povo. Os povos, se têm liberdade, conseguem os governos que merecem. Em Honduras, o Partido Nacional, atualmente no poder, conseguiu duas vitórias: a primeira nas eleições que os golpistas organizaram, em plena ditadura, em 2009, e na segunda, em 2013, conseguiu o poder por meio de fraude. É a única maneira que têm de chegar ao poder. Mas não irá durar, pois o povo o recusará unanimemente.
Há 18 departamentos em Honduras. No meu departamento, o maior do país, com cerca de 24 mil km², um território maior que El Salvador, vencemos a fraude. Nossos votos foram superiores aos do atual presidente Juan Orlando Rodríguez. Cheguei em primeiro nas eleições legislativas. Minhas esposa Xiomara conseguiu mais votos nas eleições presidenciais. Mas no resto do país não pudemos evitar a fraude, que superou 10%, pois não tínhamos a reserva política para isso. Mas ganharemos as próximas eleições.
Então você é otimista.
Se as ditaduras de direita fossem infalíveis, estariam no poder em toda a América Latina. Mas não podem oprimir eternamente o povo. Os povos são capazes de se livrar delas e é preciso confiar nisso.
Seu partido representa 30% dos deputados do Congresso Nacional. Pode exercer sua missão de representante do povo em boas condições?
Temos sérias limitações. Não existe nenhum tratamento igualitário. Nunca se debate a agenda política do Congresso. Há uma improvisação total. Nunca sabemos quais são os projetos de lei que serão debatidos. Constantemente passam por cima da nossa dignidade. Reprime-se o protesto, que é um direito de todo parlamentar.
O cúmulo da humilhação foi em maio de 2014, quando nos expulsaram à força do Parlamento, com policiais e militares. Nos deram golpes. Lançaram gás lacrimogêneo no interior do Congresso. Imagine, um deputado, presidente da República, expulso à força do Congresso. Tudo isso porque protestávamos pacificamente contra o fato de que negava-se a palavra a nosso grupo político, que é, repito, a primeira força de oposição do país.
Qual é a atual política do Governo?
É um desastre total. Trata-se de uma política neoliberal selvagem. Estão privatizando a economia. Negam os direitos sociais ao povo. Aumentam os impostos mais injustos. A dívida externa alcançou níveis insuportáveis. Estão destruindo a nação hondurenha.
Obviamente, o atual governo tem o apoio dos Estados Unidos.
O que representam Hugo Chávez e a Revolução Bolivariana para a América Latina?
Chávez é a figura mais importante e simbólica da democracia revolucionária e do socialismo pacífico do século XXI. Criou um novo paradigma e inspirou toda uma geração de latino-americanos, pois soube interpretar a vontade dos povos. O capitalismo selvagem neoliberal que devastou nosso continente é insustentável. Chávez propôs uma alternativa democrática a esse desastre e indicou o caminho a seguir.
Última pergunta: o que Cuba simboliza para a América Latina?
Cuba é um símbolo de resistência. Na história da humanidade nenhum povo realizou o que fez o povo cubano. É o povo mais valente e mais generoso da história da humanidade. Fidel Castro é um exemplo. Dedicou sua vida a edificar um mundo melhor e seu nome jamais poderá ser apagado da história.