Centenas de pessoas de vários bairros sociais do país manifestaram-se contra a nova lei da renda apoiada, na terça-feira (17) junto à Assembleia da República em Lisboa, depois de terem desfilado desde o Largo do Rato.
A nova lei da renda apoiada, que entrou em vigor no dia 1 de março, prevê, nomeadamente, o valor a pagar pela renda seja determinado pelos rendimentos brutos e não líquidos dos arrendatários. Prevê também que não seja tido em conta que os arrendatários mais antigos podem ter "doenças crónicas e despesas com medicamentos". A nova lei prevê também os despejos administrativos, caso a casa seja desocupada por, pelo menos, seis meses, que "pode ser por internamento ou visita à família", e por falta de pagamento quando há litígio com as empresas gestoras dos bairros.
A manifestação foi convocada pelo Instituto de Apoio aos Bairros Sociais (IBS) e as pessoas que nela participaram gritaram palavras de ordem contra o governo e pediram a demissão de Passos Coelho.
Em declarações à agência Lusa, Daniela Serralho do IBS afirmou: "Os cálculos são feitos ao rendimento bruto e portanto as pessoas são taxadas duas vezes e estes valores são irreais. Neste momento há muita gente que recebe 300 euros e tem renda de 250 euros. Ou as pessoas comem ou pagam a renda".
Vários moradores e moradoras testemunharam à Lusa as dificuldades em pagar as novas rendas.
"Nós vivemos em bairros de pobres e não de ricos. Neste momento não tenho qualquer possibilidade. Pago uma renda de 220 euros e ganho a reforma mínima", afirmou José Alberto, morador há 37 anos no bairro de São Gonçalo, em Guimarães.
Outra moradora, do bairro do Zambujal, na Amadora, admitiu que deixou de pagar a renda, de 300 euros, porque ficaria "sem dinheiro para comer e para os medicamentos".
"Uma lei que não merece ver a luz do dia numa democracia"
Em declarações à comunicação social, a deputada Helena Pinto do Bloco de Esquerda afirmou: "Esta lei é profundamente injusta. É uma lei que não merece ver a luz do dia numa democracia e nós, aqui na Assembleia da República, batemo-nos contra esta lei. Fizemos todos os possíveis para que a lei não fosse aprovada, mas fomos de encontro ao muro da indiferença da maioria do PSD e do CDS".
A deputada salientou também o abandono a que foram votados os bairros sociais, pelos sucessivos governos. "O governo não fez obras, abandonou estes bairros à sua sorte. E de alguma forma são eles [moradores e moradoras] com as suas fracas poupanças, com o seu esforço, com o amor que têm ao local onde vivem que vão reconstruindo, vão fazendo pequenas obras. Mas estes bairros são o local onde sempre viveram, onde criaram os seus filhos, as suas filhas, e, neste momento, a nova lei da renda apoiada, que entrou em vigor no dia 1 de março, é uma lei que vem facilitar os despejos, despejos administrativos", salientou Helena Pinto.
Questionada sobre o que é possível fazer, a deputada respondeu:
"Tem que se alterar a lei. A lei é profundamente injusta, porque para além de continuar a permitir o aumento das rendas vai permitir os despejos nestes bairros. E estas pessoas, que toda a vida ali viveram, não têm para onde ir e para além do mais merecem continuar a viver onde criaram as suas famílias e onde constituíram os seus laços sociais".
A concluir, a deputadasublinhou: "É preciso pôr um travão nesta lei, eu espero que isso seja possível, e claro que esta luta dos moradores é a principal motivação para que isso aconteça".