Deve-se ao historiador João Madeira ter-se dado ao cuidado de desenterrar dos arquivos –nom os do PCP, fechados a sete chaves a este respeito– documentos que, queira-se ou nom, fam parte da verdadeira história do comunismo em Portugal. Foi assim que João Madeira produziu este trabalho persistente, consciencioso e sério que encetou há anos e só agora teve acolhimento editorial.
Em "Documentos e papéis da clandestinidade e da prisão" Francisco Martins Rodrigues nom cessa de surpreender-nos, mesmo depois de passados mais de 60 anos sobre estes escritos produzidos quando entrou em rutura com o PCP, nos finais dos anos 50 e princípios dos anos 60.
A surpresa vem de, por trás desses textos de juventude, se poder divisar já o comunista que veio a ser para o resto da vida: consciencioso, inquisitivo e centrado em encontrar coerência nas explicaçons teóricas e práticas que se iam acumulando diante dele para justificar a intervençom de um partido que se pretendia na vanguarda da oposiçom ao regime salazarista.
Até agora ainda nom tinha sido possível alinhar umhas após outras todas as cartas, críticas, opinions e enunciados teóricos que durante anos aquele militante dedicado e cumpridor fijo chegar às maos do Comité Central, sem que este órgao tivesse redigido umha única resposta por escrito às questons candentes por ele levantadas. Todo o contrário, tomando-as por "opinions dogmáticas e sectárias" e terminando o processo com a sua expulsom.
Queremos nós também assim celebrar essa busca insaciável de coerência que marcou a vida de FMR. As ideias mestras do seu pensamento encontramo-las já nestes primeiros escritos: a luita contra o oportunismo de direita como inimigo principal dentro do partido, a independência da classe operária face aos seus aliados, o papel indispensável da violência revolucionária, a luita de libertaçom das colónias como elemento impulsionador da emancipaçom dos trabalhadores e trabalhadoras em Portugal e –naquele tempo em que a grande parte dos portugueses vivia do campo– a aliança operário-camponesa.
A estas preocupaçonss veio mais tarde acrescentar outras, todas decorrentes da primeira: a causa de décadas de derrotas revolucionárias –nom apenas no plano internacional, mas em particular sob a linha do levantamento nacional do PCP e a linha do 25 de Abril do Povo do PC(R), cada umha à sua maneira– encontrou-a no estudo detalhado do próprio processo histórico e na tática de frente única, cujas raízes oportunistas localizou na linha do 7º Congresso da Internacional Comunista aprovada em 1935.
As suas preocupaçons internacionalistas abriram-lhe também os caminhos da solidariedade com outros camaradas e companheiros no resto do mundo como o seu incondicional apoio à causa independentista galega, cujos contatos cultivava com cuidado e respeito. Ninguém como ele para estabelecer laços solidários e significativos que ainda hoje perduram.
O Chico Martins morreu de pé, inteiro e coerente, sustentado por umha vida inteira de entrega revolucionária, de intransigência contra o oportunismo, de amor à causa comunista. Modesto como era, nom se via como a pessoa que realmente foi: o único dissidente do PCP capaz de formular um corpo de ideias que deu origem a umha corrente marxista-leninista; o analista e intérprete esclarecido que soubo teorizar diante das situaçons concretas, para melhor as compreender e modificar; o militante inconformista que nom só nunca aceitou contrabando ideológico, como se bateu contra todo e contra todos para repor a pureza dos princípios; o dirigente intrépido que ousava inovar sempre guiado polos ensinamentos do processo concreto de luita; o internacionalista dedicado a estreitar laços de camaradagem e cooperaçom.