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Ana Barradas

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Em coluna

Maoísmo à portuguesa

Ana Barradas - Publicado: Terça, 07 Dezembro 2010 01:00

Ana Barradas

Quando nos anos 60 os maoístas portugueses aderiram à crítica lançada pelo PC Chinês à degeneração revisionista do PCUS e do movimento comunista internacional, receberam um grande impulso para romper com o dogmatismo reformista do PCP.


As ideias novas recebidas da China, a revolução cubana, a Guerra do Vietname, a luta dos povos das colónias, o Maio de 68 puseram em movimento um espírito de debate, de fidelidade aos princípios do marxismo-leninismo e de confronto com a ordem capitalista.

Apesar disso, os maoístas chegaram às vésperas do 25 de Abril divididos em grupos sectarizados, de com uma actividade muito reduzida no seio da classe operária. Não só tinham de contar com a clandestinidade, a repressão policial e a hostilidade do PCP, como com a desorientação causada pela deriva nacionalista já então evidente do PC da China.

Mas a explosão popular dos meses que se seguiram ao 25 Abril renovou a vitalidade dos maoístas. As massas procuravam espontaneamente ganhar posições, impor os seus direitos. São de assinalar algumas acções de ponta que escaparam ao domínio do PCP e provavam a justeza das ideias mais radicais e a necessidade de contestar da "ordem democrática: a marcha da Lisnave de Setembro de 74, o boicote ao congresso do CDS no Porto, em Janeiro de 75, a manifestação contra a NATO de Fevereiro de 75, o assalto à embaixada de Espanha de Agosto, a ocupação da Rádio Renascença, etc. O reformismo tradicional da esquerda arrepiava-se com os "excessos", mas a prática revolucionária indicava que o momento era propícia a alargar as conquistas, cortar o passo à direita e dificultar a recomposição da burguesia­.

Também são assinaláveis como factores positivos a ênfase na necessidade de um Partido Comunista revolucionário que abandonasse a tese da "unidade antifascista" e o posicionamento intransigente perante a guerra colonial, exigindo o seu fim incondicional, bem como o facto de os maoístas lutarem pela queda do capitalismo e condicionarem, pelo menos teoricamente, a política de alianças à «direcção da classe operária» e à violência revolucionária como «parteira da História».

Hoje podemos perceber que muitos destes postulados eram meras bandeiras de propaganda, com muito de retórico. Porém, e apesar do reduzido número de militantes, o activismo extremo, a importância dada à luta anticolonial e o espírito de ruptura como uma necessidade para avançar valeram aos maoístas a simpatia de sectores da juventude, a ponto de se formar uma nova vanguarda que, embora inexperiente, estava disposta à luta radical, liberta dos entraves reformistas do PCP.

071210_maoismoA corrente maoísta que gravitava em volta de Francisco Martins Rodrigues e dos chamados "ex-presos políticos de Peniche" unificou vários núcleos de inspiração maoísta – o Comité de Apoio à Reconstrução do Partido (CARP-ml); os Comités Comunistas Revolucionários (CCR); parte da Organização Comunista Marxista-Leninista Portuguesa (OCMLP), e a União Revolucionária Marxista-Leninista (URML) que, primeiro fusionados na ORPC (Organização Revolucionária para o Partido Comunista), constituíram numa segunda fase o Partido Comunista Português Reconstruído PCP(R), organização mantida numa relativa semilegalidade, da qual a União Democrática Popular (UDP) seria a frente de massas e a frente eleitoral.

O rompimento com o revisionismo de Moscovo e do PCP influenciou positivamente a luta de classes. Marcou a luta anticolonial, fez crescer as fileiras da resistência antifascista, radicalizou a vanguarda operária, influenciou as conquistas populares. A UDP surgia como frente dos grupos maoístas e assumia-se como o partido da revolução popular. Conquistou influência em grandes concentrações operárias e em variados sectores populares e sindicais e até teve uma expressão parlamentar que popularizou muitas das posições marxistas até então circunscritas a pequenos grupos minoritários.

O PCP, esse, transformava-se num grande partido com influência de massas. Mas a sua defesa dos governos provisórios e a sanha contra a extrema esquerda em que se esmerou abriu à sua esquerda um espaço ocupado por variadas organizações inspiradas no marxismo.

MAOÍSMO É CENTRISMO

Paradoxalmente, foi a partir da criação do PC(R), do "partido da classe operária, de Bento Gonçalves, José Gregório e Militão Ribeiro", que esta corrente maoísta entra em decadência. Dera-se já o golpe do 25 de Novembro que, sem ter produzido baixas entre os militantes, em vez de reagrupar forças, agravou a situação.

Em termos de organização, o chamado "modelo leninista de partido" era na realidade o modelo estalinista. Perdeu-se a criatividade anterior, instaurou-se o dogmatismo, cerceou-se a discussão ideológica, favoreceu-se a ascensão de carreiristas e aceitou-se a tutela de um dirigente vindo de fora que, desconhecedor da nossa realidade, quis aplicar um modelo organizativo completamente desadequado.

Em termos de linha política, adoptou-se formalmente a linha Dimitrov do 7º congresso da IC, traduzida na via reformista do "25 de Abril do Povo", que deu origem a uma rápida deriva à direita.

Com o fracasso da revolução chinesa nos anos 70, simbolicamente ilustrado com a visita de Richard Nixon a Pequim, começou a desmoronar-se toda a corrente marxista-leninista internacional iniciada nos anos 60. A linha chinesa dos três mundos, que surgia cada dia mais claramente como uma aliança com o imperialismo ocidental contra a URSS, conservou contudo a teoria oficial da "edificação socialista" na URSS do tempo de Estaline.

Os maoístas sentiram-se vítimas de um equívoco histórico. Também na China emergia o revisionismo. Enver Hoxha afirmou em 1978 que a Grande Revolução Cultural Proletária não era "nem revolução, nem cultural, nem proletária". A luta entre duas linhas não passava de uma disputa pelo poder entre duas cliques burocratizadas. Não lhe interessou saber o que faltara para o maoísmo ser superado pela esquerda. Não se interrogou sobre como um dos movimentos mais avançados da nossa época tinha terminado num tumulto descontrolado.

Até hoje, estão por explicar as causas sociais da perda da revolução na China, como aliás na Rússia: como acabar com a ditadura da burguesia que, apesar das tentativas de passagem ao socialismo, continua a reabsorver o poder dito proletário?

Foi neste quadro que os maoístas em Portugal abordaram as suas tarefas no processo revolucionário desencadeado pelas movimentações de massas após o 25 de Abril. Em 1975, a vaga pacífica de saneamentos, ocupações, sequestros, manifestações e greves viravam o país do avesso. Aproximávamo-nos de uma situação de duplo poder, com órgãos de poder popular a influenciar as decisões políticas.

As respostas dos maoístas ao movimento objectivo não foram iguais. A corrente maoísta assentava num equí­voco, resultante das contradições em que se debatiam o PC da China e o PT da Albânia e da definição ambígua do conceito de "inimigo principal". Alguns grupos, considerando o chamado social-fascismo como inimigo principal, faziam um ataque ao PCP e à URSS mui­to semelhante ao da burguesia, vindo a tornar-se seus colaboradores na ofensiva reaccionária no Verão e Outono de 75. A separação de águas entre a verdadeira e a falsa esquerda fez-se muito tardiamente e esta con­fusão sob a mesma terminologia de tendências co­munistas e social-democratas desacreditou os maoístas junto dos operários de vanguarda e difi­cultou-lhes a desagregação da influência do PCP.

A isto somava-se uma errada concepção de Partido. Formados na escola estalinista, os maoístas to­mavam por sinais de "vigor bolchevique" o medo à pluralidade no debate, as fórmulas estereotipadas, a bu­rocratização organizativa e o agitativismo retórico.

Formou-se uma ala direita da corrente, constituída pelo MRPP, OCMLP e pelo PCPCml/AOC que, com base no seu anti-social-fascismo, acabaram por constituir uma reserva do PS e da reacção. Não valerá a pena enunciar todos os acontecimentos e tomadas de posição que justificam esta afirmação. Basta referir os apoios eleitorais a Ramalho Eanes ("O povo vota Eanes", 1976 e "Viva a candidatura democrática e patriótica do general Ramalho Eanes", 1977, 1980) e a sintonia com o PS na sua luta contra o PCP e o movimento popular.

Na luta entre as duas correntes que agitaram o MRPP, prevaleceu a "linha vermelha", que definia o Partido Comunista como o principal inimigo político, enquanto a "linha negra", derrotada, defendia uma aproximação aos comunistas.

Por sua vez, a UDP-PCR enveredou pela busca de um impossível arranjo popular-militar, acabando no defensismo do "não à guerra civil" no Outubro que antecedeu o 25 de Novembro.

LIÇÕES DE ABRIL

A raiz destas diversas inépcias era só uma: o centrismo maoísta-estalinista e a sua perspectiva de uma revolução democrático-popular, a aliança operário-pequeno-burguesa que reproduzia em tons de esquerda as teses do 7º Congresso da Internacional Comunista. A ausência de perspectiva estratégica é que os impedir de arrancar ao PCP a vanguarda da classe operária e constituir um novo partido comunista cuja necessidade reconheciam. Entrou em declínio acelerado a partir de 1978-80 e hoje pode considerar-se extinta.

os comunistas têm sempre razão em procurar levar a revolução o mais longe possível porque só através de uma sucessão de tentativas se chegará ao socialismo integral e mundial. Foi a moderação das suas propostas que os impediu de ganhar a direcção do movimento no Verão de 75. Não encontraram nenhuma resposta coerente para o cerco à revolução.

A corrente M-L desagregou-se, não por "extremismo", mas porque não teve a audácia de cortar até ao fim o cordão umbilical com o passado do movimento comunista.­­ Abandonou-se cedo de mais a demarcação de terrenos no plano ideológico e não se definiram os contornos de uma corrente renovada. Deveria ter-se reconhecido que o regime chinês era basicamente próximo do regime dito soviético (revoluções nacionais anti-imperialistas que desembocaram no capitalismo de Estado) e estava condenado como ele à degeneração.


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