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Alberto Pombo

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Auto-ódio e outras doenças lingüísticas

Alberto Pombo - Publicado: Segunda, 06 Dezembro 2010 01:00

Alberto Pombo

Nesta semana que acaba de passar, a Estremadura espanhola, o lugar no qual ganho o pam actualmente, pareceu-me um lugar melhor e mais lindo. Cheguei lá com um saco cheio de incertezas mas descobrim, aos poucos, umha terra de gente com nom menos preconceitos e auto-ódio que os que o nosso país padece. No fim de contas, e como nos dizia ao meu amigo Diego Bernal e a mim próprio o José André Lôpez Gonçâlez em Madrid, os problemas das pessoas e das classes trabalhadoras som os mesmos em todo lado.


Como é normal, sou e sinto-me estrangeiro naquele espaço situado à beira da Lusitánia. A música, as tradiçons, a gastronomia, os costumes e a cultura em geral som profundamente divergentes, mas lá, na Estremadura, o simpático é que consigo falar galego com as minhas amizades e colegas, pois tenhem como segunda língua a que eu tenho como primeira. Quem nom tem, também nom demora a me perceber. É algo de bom que tenhem as línguas romances para outros falantes de línguas romances.

E assim passo os dias, satisfeito, ministrando na nossa língua aulas de história e cultura galegas, convivendo em galego com a gente toda, ouvindo galego na rádio ou na TV e isto, como é desejável, sem dramas de qualquer tipo. Plenamente inserido nesta normalidade chegou a sexta-feira, na qual resolvim subir para a Galiza na companhia da Jasmina Rodrigues, que estivo na Estremadura ministrando conferência sobre a repressom lingüística na nossa terra.

Para quem nom lembrar, a Jasmina Rodrigues foi vítima deste tipo de coibiçom naquele vergonhoso caso do 'burra no hables lenguas menores' e demais vexames que proferiu um dos encarregados do Carrefour da Corunha. Como os dous vivemos em Arteijo, ao chegarmos à rotunda do Seixedo ficamos surpreendidos por um enorme negócio instalado no que era popularmente conhecido como a loja 'dos portugueses'.

Sem dúvidas, o Seixedo deveu ser um formoso lugar cheio de árvores e das pedras que lhe dam nome com agradáveis vistas ao Atlántico mas, perante o desleixo paisagístico de que se viu afectada a nossa geografia, hoje é um conglomerado de prédios arredor de umha zona industrial e, se algumha árvore fica ainda hoje lá, esta é o destruidor eucalipto.

Neste lugar de que estou a falar, nom há muito tempo atrás, estivo assente durante mais de umha década um negócio português que oferecia produtos freqüentemente rotulados na nossa língua comum. Agora há umha enorme loja chinesa.

Fomos lá dentro a Jasmina e eu ver se levávamos surpresa. E levamos. Abofé que levamos. O negócio estava lotado de gente, nomeadamente jovens, aflitos pola grave doença do 'auto-ódio'. Passeamos sem rumo polos compridos corredores cumprimentando a vizinhança conhecida e comprovamos, mais umha vez, os traumas e paranóias da Galiza, desta vez, com Arteijo como pano de fundo. Como filólogo que sou, entregado à causa das línguas, tivem de vestir a bata branca e pegar no estetoscópio e no pauzinho para examinar os infortunados doentes.

Na loja, muito doentia e acompanhada de umhas amigas estava 'A', companheira de jogos na infáncia e galego-falante desde o dia em que começou a dizer as primeiras palavras. 'A' parou para nos saudar, mas a pobrinha deveu esquecer o galego nestes dous anos em que andou a estudar no sul de Espanha. Esta que ataca à memória é umha doença relativamente freqüente da qual enfermam alguns jovens nesta minha vila.

O mesmo aconteceu a 'B' que ia com a sua parceira e que nos explicou que agora fala castelhano 'con todo el mundo'. Isto, o de namorar noutra língua é umha doença terrível, nem quero imaginar o mal que o deve passar sem dizer cousas como 'dá-me um beijo', 'amo-te' ou 'gosto de muito de ti'.

Por sua vez, 'C' estava acompanhando a mae galego-falante, mas entre elas, surpreendentemente, comunicavam-se em castelhano sem serem cientes da ruptura do legado milenário que portava a mais velha. Algo bem mau deve ter o ar das chaminés de Meicende e Sabom para permitir que alguns pais e maes desta vila tenham resolvido deixar de transmitir umha herança tam valiosa.

Na loja encontramos também a 'D', que fala comigo em galego e muda de língua –e de registo- para falar com a Jasmina. Polos vistos, esta doença causa um terrível trauma que fai os e as doentes acreditarem que a língua que falam nom é válida para se comunicarem com o sexo contrário. O pobre desgraçado de 'D' devia pensar que, por a Jasmina ser mulher, nom ia aperceber língua tam masculina nem registo tam vulgar!

Entristecidos decidimos caminharmos cara a saída da loja com medo de encontrarmos mais portadores da doença naqueles escuros corredores, escondidos entre as caixas dos produtos alimentares ou as dos pequenos electrodomésticos, como os 'E' por exemplo, que portam um tipo de cegueira muito peculiar, a que nom che deixa ver o potencial de falar umha língua como a nossa. Esta doença estendeu-se após o ano 83 e, segundo tenho ouvido, o conselheiro da Cultura Roberto Varela está muito aqueixado dela.

Se calhar também estavam os 'F', com o seu caso especial. É tam grande o amor pola Galiza deste tipo de doentes que os leva a viverem a fantasia de que o galego é a língua socialmente hegemónica neste país. Nesse momento de absoluta paranóia decidem agir contra tal imposiçom, a do galego, é claro. Esta perturbaçom mental é das mais perigosas e estende-se criando novas formas, como a dos 'G'.

Ao chegar à Galiza, lim preocupado que até havia um homem inserido medicamente no grupo destes 'G'. Para garantir o seu anonimato diremos apenas profissom, pois às vezes o jogo das siglas acaba sendo descoberto. Bem, pois polos vistos este antigo porta-voz do 'Bloque', junto com outros doentes, dera um pontapé na história e na filologia para nos dizer que hoje o castelhano era umha língua legítima da Galiza. Estes, meus pobres, sempre estivérom perdidos.

Enfim, que assim, tal e como a conto agora nestas linhas, foi a minha volta ao País no qual, sob um plano lingüístico, nada tinha mudado a respeito da Estremadura espanhola. Setecentos quilómetros mais longe do ponto de partida, eu continuava a falar galego, mas o feedback continuava a me ser devolvido em castelhano.

Às vezes, ao passear por esta minha bem-querida vila fico inquieto e desassossegado por saber se ainda pertence à Galiza ou é já parte da Estremadura e fico à espreita para descobrir se é que eu era de cá ou continuo a ser estrangeiro, desta feita, na minha casa de doentes. Esta mania moderna de que aqui, na nossa terra, os e as compatriotas me falem castelhano nom deixa de me parecer esquisita, excêntrica e preocupante.

Somos nós, os que alguns patufos desleigados e pequenos mequetrefes sem raízes pretendem fazer passar por estranhos na nossa casa, os e as que estamos nesta luita pola sobrevivência da língua galega dentro das nossas fronteiras. Todos e todas nós, sem arrepsias nem vacilaçons de qualquer tipo, precisamos de trabalhar em conjunto e sem cairmos no esmorecimento nem nas fobias individuais.

Pessoalmente, tenho comprovado que as atitudes lingüísticas mudam com apenas umha mínima dose de formaçom e informaçom. A filologia, a história e a luita contra os imperialismos estám do nosso lado. Sem hesitaçons, camaradas, afinal da caminhada a vitória será nossa!


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