Essa é a versão "para todos os públicos". Achar que o incremento do retorno entre 2001 e 2008 estava direta e unicamente relacionado com o crescimento económico espanhol é tanto como pretender achar que os milhares de cidadãos espanhóis que retornavam anualmente faziam-no para concederem hipotecas, colocar tijolos, polir portas, alcatroar ruas em urbanizações fantasma e carregar sacos de cimento.
Emigramos porque temos pernas e não raízes como as plantas. Há uma relação directa entre imigração e retorno, sobretudo se levarmos em conta que hoje, 2010, mais de 75% da população com cidadania espanhola na América Latina nunca emigrou do Estado espanhol, sendo apenas cidadãos espanhóis nascidos na América Latina e a principal origem da imigração no Estado espanhol é à América Latina.
É verdade que a conjuntura económica influi, ainda que não seja a única determinante, na decisão de retornar (emigrar), mas também é verdade que muito pouco influirá na decisão de um salvadorenho, guatemalteco, paraguaio ou hondurenho que os Estados Unidos ou a Europa atravessem uma crise económica para o não fazerem. O emigrante muitas vezes estará pior no seu lugar de origem relativamente aos estados em crise do mal chamado primeiro mundo.
Muitos galegos emigraram a princípios da década de vinte do século passado para a América Latina. As deserções às levas do rei Bourbon, Alfonso XIII, para a guerra de Marrocos foram determinantes nas emigrações maciças de homens novos. Pouco sabiam estes emigrantes da situação económica da Argentina, Cuba, o Brasil ou do Uruguai em 1921. O facto determinante para a sua emigração foi a injusta guerra de Marrocos e o facto de os barcos que partiam o fazerem para Cuba ou para o Rio da Prata. O facto de que a situação económica do país receptor fosse boa era um prémio acrescentado.
Mas já antes dessas emigrações em massa dos anos vinte para a América do Norte existia emigração de retorno. Castelao e os seus familiares retornaram em 1901 da Argentina, por razões de qualquer tipo menos de carácter económico.
Hoje, salvando as distâncias, muitos dos retornos e das migrações têm esse substrato. Junto aos homens emigravam também muitas mulheres solteiras. Muitas faziam-no pelo facto de serem mães solteiras, outras muitas para servirem como empregadas do lar. Aqui também não foi a principal causa da emigração a situação económica do país receptor, mas a moralidade da época, causa comum de milhares de migrações de mulheres que eram mães solteiras, ou a inexistência de postos de trabalho.
O caso argentino
À emigração peninsular, galega principalmente, dos anos 20 e 30 sofreu em carne própria as consequências do crack de Wall Street de 1929. Apesar de todo, a Galiza não recebeu uma emigração de retorno comparável à destes últimos anos.
Sim voltaram milhares de galegos da Argentina, devido à primeira crise importante do capitalismo. Alguns com dinheiro, outros não. Não é necessário dizer que o retorno não estava motivado por nenhuma situação bonançosa da economia espanhola dos anos 30, desangrada pela guerra de Marrocos e a incerteza política. Mas antes do crack do 29, a ida e volta de emigrantes era contínua, sem que houvesse sempre razões estritamente económicas.
Factos políticos e históricos determinaram o retorno de milhares de emigrantes à Galiza ou a outros pontos do Estado espanhol. Muitos galegos voltaram de Cuba à Galiza entre 1962 e 1965 devido à revolução cubana. Muitos dos que retornavam por aqueles anos, desde Cuba ao Estado espanhol, faziam-no como ponte para poderem chegar aos Estados Unidos. Outros ficaram, mas não pelas boas perspectivas económicas ou sociais que podia oferecer a sociedade galega ou espanhola dos anos 60, mas pela avançada idade em que se encontravam ou pela imposibilidade de entrarem nos Estados Unidos.
Factos fortuítos que não entram dentro de nenhuma política a futuro determinaram a chegada de retornados ou o seu regresso. O "corralito" argentino é um bom exemplo desse "retorno" sem querer. Que a economia espanhola vivesse épocas douradas a princípio da década do 2000 não pesou mais que a incerteza política e económica em que viviam argentinos e uruguaios sob o governo de Menem, De la Rua e a queda em picado à miséria de centos de milhares de argentinos.
A megainflação que sofreu a Argentina entre 1975 e 1990, só comparável à da Alemanha de Weimar, determinou a chegada de muitos retornados e argentinos, chegada que vinha misturada com a perseguição política da ditadura militar, ao menos até entrada a década dos 80.
Hoje não estão infinitamente melhor, mas a megainflação, a incerteza e instabilidade política são coisas do passado. É impensável um aluvião de argentinos e uruguaios em 2011 ou 2012, o que não quer dizer que não se volte a repetir, como se repetiu noutras ocasiões.
Mas levar só em conta as circunstâncias do Estado receptor, cingindo-as ao económico, sem conhecer a realidade do país de saída, é algo errado.
Por que esforçar-se em disfarçar o futuro divorciando-o do passado?
O caso uruguaio
Uruguai, o país com maior percentagem de nacionais no estrangeiro no mundo, fez com que entre os 70 e os 80 milhares de emigrantes galegos tivessem que voltar emigrar para os Estados Unidos e Austrália a partir do Uruguai. Aqui sim foi determinante a situação económica dos Estados Unidos e da Austrália, mas sobre ela pesou mais a facilidade que dava a Austrália na sua política de concessão de vistos que a má situação uruguaia.
No Uruguai mais de 200.000 pessoas emigraram entre 1963 e 1975 por razões políticas e económicas. Deste grande contingente que partiu durante os sessenta e setenta, 75 por cento vivia em Montevideu. Durante este período, Uruguai perdeu 7,2 por cento da sua população total, 18 por cento da sua população entre 20 e 29 anos, 14,4 por cento dos licenciados universitários, 17,4 por cento dos seus profissionais, técnicos e administradores de nível superior e 27,9 por cento da sua ocupação industrial. Tomando só a população de Montevideu, os dados eram mais alarmantes: 12,1 por cento da sua população total, 31 por cento da sua população dentre 20 e 29 anos, 20 por cento dos seus profissionais, técnicos e administradores superiores. Entre 1963 e 1975 emigraram do Uruguai mais uruguaios que os imigrantes que o país acolheu durante todo o século XX(1).
Os defensores do livre mercado e da mínima intromissão do Estado na economia asseguram, sem nenhuma vergonha, que a queda da Bolsa espanhola de 29 de Junho de 2010 tem uma relação direta com a sentença do Tribunal Supremo sobre o Estatut de Catalunya.
Por que teriam de ter então mais peso as razões de índole económica no retorno que as psicológicas, as circunstanciais ou as sentimentais, visto o exemplo da Bolsa e o Estatut catalão?
O caso venezuelano
Existe, desde muitas décadas antes da década de 2000, emigração de retorno desde a Venezuela para o Estado espanhol.
Gabriel García Márquez, jornalista na Venezuela da revista venezuelana Momento, conta no artigo Adiós Venezuela(2), as compridas filas de italianos, galegos e estrangeiros no porto de La Guaira para regressarem aos seus países de origem "devido ao má que se estava a pôr a situação política na Venezuela em 1958".
O "mau" da situação era a chegada da democracia a 23 de Janeiro de 1958 e a queda da ditadura de Marcos Pérez Jiménez, que abrira as portas à imigração galega, italiana e portuguesa para trabalharem na construção das obras públicas com que pretendia legitimar e justificar a sua ditadura.
Os venezuelanos relacionavam imigração com apoio à ditadura, daí que uma grande campanha xenofóbica, auspiciada pola União Republicana Democrática e Ação Democrática (os dois principais partidos que se apresentavam às eleições em 1958), fez com que muitos retornassem... e anos depois voltassem a emigrar para a Venezuela.
Mas o retorno maciço de emigrantes galegos da Venezuela foi cíclico e nunca teve como base a boa situação económica nem da Galiza nem da economia espanhola.
As principais causas do retorno desde Venezuela ao Estado espanhol foram:
1. - A chegada da democracia o 23 de Janeiro de 1958
2. - A depreciação económica do bolívar a partir de 1978
3. - A depreciação de Fevereiro de 1983, de 4,30 a 5,15 bolívares por dólar, depois de mais de 40 anos com um tipo de mudança fixo. O dólar alcançou os 669,75 bolívares por dólar em 2000.
4. - As medidas macroeconómicas de ajuste do segundo governo de Carlos Andrés Pérez, 1988, unidas à política de microdepreciação diária do bolívar, que trouxeram como consequência as revoltas populares de Fevereiro de 1989.
Os diferentes controlos do câmbio que impediam o envio de remessas em divisas ao Estado espanhol dos emigrantes na Venezuela:
a- Entre 1960 e 1964.
b- Entre Fevereiro de 1983 e Março de 1989.
c- Entre Junho de 1994 e Abril de 1996.
d- O 21 de Janeiro de 2003 (o actual).
5. - A crise financeira que quebrou 13 bancos e a fuga de capitais entre 1993-1994, que deixou as reservas em mínimos históricos e a pressa pelo pagamento da dívida internacional, unida à queda na qualificação risco-país.
6. - O golpe de Estado contra Chávez a 19 de Abril de 2002 e a greve patronal de 63 dias em 2003, unido à campanha sistemática dos meios de comunicação, que criaram na população oposta ao governo de Chávez, muitos deles estrangeiros cidadãos venezuelanos, o que se deu em chamar transtorno da personalidade. Muitos deles decidiram ir embora da Venezuela, para os Estados Unidos e para o Estado espanhol.
Como podemos ver, de todas as épocas de crise e retorno da Venezuela para o Estado espanhol, desde 1978 nenhuma coincidiu com momentos de bem-estar económico ou laboral no Estado receptor. Só desde o acesso de Chávez ao poder, 1999 até 2008, podemos assegurar que há uma coincidência entre retorno e situação económica positiva, ainda que não laboral, dentro do Estado espanhol.
Ainda assim, foram determinantes o golpe de Estado de 2002 e a greve de 2002-2003, porque as cifras macroeconómicas dão um crescimento sustido do emprego e da economia venezuelana desde 2003 até a grave recessão económica venezuelana de 2009, recessão esta última que também não significou uma chegada maciça de cidadãos espanhóis, ficando demonstrado que o económico é só um dos muitos factores que determinam o retorno, muito embaixo dos factores de instabilidade política, social, familiar ou laboral.
Entre 1990 e 2003 emigraram desde Galiza a Europa e outros lugares do Estado espanhol 175.218 galegos em busca de trabalho. Estas cifras confirmam a ideia de que muitas vezes a imigração e o retorno não são mais que uma substituição de mão de obra cara local por outra barata e importada.
O caso suíço
Os retornados que mais conhecimento têm sobre a realidade galega e espanhola são os da Suíça. É por isso que rara vez retornam os seus filhos, nascidos e criados na Confederação. Os retornados da Suíça chegaram a ser os primeiros durante 2006 devido à normativa suíça que punha uma data limite (2007) para a cobrança de uma só vez do chamado "segundo pilar". Foi uma lei suíça restritiva, hoje em suspenso devido à assinatura de um acordo com o Ministério de Trabalho espanhol, que provocou o retorno de emigrantes, e não a situação de bonança económica.
A síndrome Galiza para o mundo
Existe um factor, pouco estudado, sobre o incremento de emigrantes procedentes da América Latina, que tem que ver com o auxe das comunicações por satélite e cabo da Companhia Rádio Televisão da Galiza.
Os psiquiatras Alexandre García-Caballero e Ramón Areia Carracedo trataram-no acertadamente no ensaio Psicopatologia do retorno (3) no qual, numa série de entrevistas a retornados, estes coincidem na visão paradisíaca e idílica que da Galiza emitia o programa Galiza para ele mundo, visão totalmente deformada e deformante do que é e era a realidade social, laboral e económica galega.
Tive a oportunidade de falar com retornados da Argentina e da Venezuela que chegaram a acusar o programa da decisão de retornarem. Um retornado da Argentina, nascido nesse país e que nunca tinha estado na Galiza, chegou a dizer-me que a ideia que tinha da Galiza era a do programa Da Galiza para o mundo: "vacas no verão pastando em campos de golfe".
Mas os psiquiatras García-Caballero e Areia acrescentam dois pólos de atração mais, que consideram parques temáticos". Um é o Caminho de Santiago, o que consideram um espaço multiúso e ao qual se acrescenta o turismo rural. O outro é o das Festas da História que se celebram no Verão em diferentes vilas e cidades da geografia galega:
"Estes parques estariam relacionados com a metáfora do paraíso. Para o emigrante, o futuro ideal é um retorno chegada ao paraíso. A memória foi reconstruída de tal maneira que os melhores rios, refeições, festas, natureza e tempo, estão na Galiza. Entre estes elementos, estão as características do paraíso na terra medieval. Estes elementos são utilizados de forma soterrada na propaganda institucional e contribuem para formar uma imagem irreal do país como paraíso na terra(4).
Notas:
(1) Uruguai: Problemas sociais, problemas humanos em http://www.galizacig.com/actualidade/200502/xmc_uruguai_problemas_sociai...
(2) Publicado na compilação Cuando era feliz e indocumentado.
(3) Alexandre García-Cavaleiro, Ramón Areia Carracedo, Psicopatoloxía do retorno, editorial Galaxia, 2007
(4) Op. cit. p 119-120.