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José André Lôpez Gonçâlez

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O Grande Combate (IV)

José André Lôpez Gonçâlez - Publicado: Sábado, 06 Março 2010 13:00



José André Lôpez Gonçâlez

As Fábulas dos "Utópicos" Marx, Engels e Lenine e o "Sensato" Mago Estaline. 


Para 1845 Marx e Engels já tinham esboçadas as linhas gerais do seu pensamento[59]. Na Ideologia Alemã escreveram:

“A massa dos simples operários —da mão de obra excluída em massa do capital ou de qualquer outra satisfação das suas necessidades, por limitada que seja— e, polo tanto, a perda não puramente temporal deste mesmo trabalho como fonte certa de vida, pressupõe, através da concorrência, o mercado mundial. Polo tanto, o proletariado só pode existir num plano histórico-mundial, igual que o comunismo, a sua ação, só pode chegar a conquistar realidade como existência histórico-universal. Existência histórico-universal dos indivíduos, isto é, existência dos indivíduos diretamente vinculada à história universal”.[60]

Pouco depois, em 1847, Engels afirmará em O Catecismo dos Comunistas:

“... a revolução comunista não será uma revolução puramente nacional (...) Será uma revolução mundial, e deverá, por conseqüência, ter um terreno mundial”[61]

Em 1882 os dous revolucionários reiteravam no preâmbulo para a segunda edição russa do Manifesto Comunista o que escreveram em 1845 e 1847: o impedimento absoluto da realização do socialismo num só país, acrescentado um algo mais que não deixava de penhorar as suas inteligências, a problemática da construção socialista num país relativamente atrasado:

“Tem cabimento, pois a questão: poderia a comunidade rural russa - forma por certo desnaturada de mais já da primitiva propriedade comum da terra - passar diretamente para a forma superior de propriedade colectiva, para a forma comunista ou, polo contrário, deverá a princípio passar por igual processo de dissolução que constitui o desenvolvimento histórico de Ocidente?

A única resposta que hoje se pode dar a esta questão é a seguinte: se a revolução russa dá o sinal para uma revolução proletária no Ocidente, de modo que ambas se complementem, a atual propriedade da terra na Rússia poderá servir de ponto de partida para uma evolução comunista”[62]

Para quando Marx e Engels escreveram esse prefácio, o ancião Marx tinha meditado já numa importante carta à revolucionária russa Vera Zasúlitch o 8 de Março de 1 881 — e quatro não menos transcendentes folhas de apontamentos - a pedido dela[63] sobre os problemas suscitados por uma revolução num país de relativo atrasamento. No primeiro esboço Marx indica que a Comuna Russa

“está situada num contexto histórico no que a contemporaneidade da produção capitalista fornece-lhe todas as condições para o trabalho cooperativo. Está em disposição de incorporar as conquistas positivas do sistema capitalista, sem ter que lhe pagar o seu duro tributo.”[64]

O estudo dum mundo da periferia do capitalismo central não fora um capricho duma mente genial. Tratava de explicar-se e nos explicar uma articulação essencial para o programa. Que esta deriva fosse produto do impacto que nos jovens russos produzira a leitura de O Capital[65] tanto tem. Em 12 de Outubro de 1 868, escreve-lhe ao seu amigo Kugelmann:

“É uma ironia do destino que os russos, a quem tenho combatido de jeito interrompido desde há 25 anos, não só em alemão, mas também em francês e em inglês, fossem sempre os meus «protetores». Em 1843-44, em Paris os aristocratas russos tratavam-me com mimo. O meu escrito contra Proudhom (1847) e, também o editado por Duncker (1858), nenhures acharam maior ressonância que na Rússia, e a primeira nação estrangeira que traduze O Capital é a Rússia”.[66]

O problema posto ao lume por Marx na carta e borradores a Vera Zasúlitch e as instruções que se tiram dessa tão sobressalente reflexão estabelece: a) que os sistemas históricos não prosseguem de jeito lineal e de forma semelhante em todos os lugares do mundo — matriz de todo o pensamento euro-cêntrico do que o marxismo está tão afastado —; b) que o calvário decorrido polas classes operárias ocidentais não é a antecipação da que tem de passar todos os povos do mundo e, c) que uma revolução num país atrasado pode ser a chave para a revolução nos mais avançados, ainda assim unicamente pode triunfar se essa revolução é aí complementada pola dos países mais desenvolvidos.

Cai de seu que o internacionalismo é um pontal clave no pensamento marxista sem o que se faz incompreensível, tornando-se uma carantonha ideológica (na acepção etimológica: ciência que trata dos ídolos), justificadora, em troca dum movimento que, analisando o real, se ponha na tarefa de transformá-lo.

Nem um só dos dirigentes do Partido Bolchevique pretendiam, nem sequer  Bukharine ou Estaline à primeira, resolverem a complexa equação num só país, e ainda muito menos num país com tanto atrasamento como a Rússia. Em Abril de 1924, no decurso dumas conferências na Universidade Esverdlov que haviam dar forma mais tarde a Os fundamentos do leninismo, Estaline leccionou:

“Mas, derrubar o Poder da burguesia e instaurar o Poder do proletariado num só país não significa ainda garantir o triunfo completo do socialismo. Fica por resolver a missão principal do socialismo: a organização da produção socialista. Pode-se cumprir esta missão, pode-se lograr o triunfo definitivo do socialismo num só país sem os esforços conjuntos dos proletários duns quantos países avançados? Não, não se pode. Para derrubar a burguesia abundam os esforços dum só país, como indica a história da nossa revolução. Para o triunfo definitivo do socialismo, para a organização da produção socialista, já não chegam os esforços dum só país, sobretudo dum país tão campesino como a Rússia; para isso fazem falta os esforços dos proletários duns quantos países avançados”[67]

O historiador Medvédev estima que “é de supor que Bukharine fizesse notar Estaline a contradição entre esta formulação e as opiniões de Lenine, expressadas claramente nos seus derradeiros escritos dos anos 1915-16”[68]. Trabuca-se Medvédev nisto méio a méio, pois no volume VI das Obras de Estaline aparece: “Mas, derrubar o Poder da burguesia e instaurar o Poder do proletariado num só país não significa ainda o triunfo completo do socialismo”[69] e Ted Grant e Alan Woods avaliam a este respeito: “todas as tendências do marxismo russo coincidiam numa cousa: a impossibilidade de levarem o cabo a transformação socialista na Rússia sem uma revolução em Ocidente”[70]

Não só a teoria do socialismo num só país era um corpo estranho ao marxismo, embora digno de risada a sua mesma exposição:

“Também K. Rádek, em várias ocasiões, polemizando nos seus discursos com Estaline e Bukharine, chamava suas afirmações [do socialismo num só país]: a teoria da construção do socialismo num só «distrito», ou «numa única rua. »”[71]

Mas Estaline virou todo o marxismo do direito para o revés. Na “carta ao camarada Ermanovski” firma sem qualquer rubor:

“A resposta negativa de Engels à pergunta: «Pode esta revolução produzir-se num só país?», reflete por completo a época do capitalismo pré-monopolista, a época pré-imperialista, na que ainda não existiam condições para o progredimento desigual, em pulos, dos países capitalistas, na que, por consequência, não havia premissas para a vitória da revolução proletária num só país (a possibilidade da vitória dessa revolução num só país infere-se, como é sabido, da lei da desigualdade do desenvolvimento dos países capitalistas no imperialismo). A lei da desigualdade do desenvolvimento dos países capitalistas e a tese, enlaçada com ela, da possibilidade da vitória da revolução proletária num só país, foram expostas e puderam ser expostas por Lenine unicamente no período do imperialismo.”[72]

Para chegar a tais conclusões tiveram que consumir tantos esforços de compreensão Marx, Engels e Lenine?

Já na roda dos anos quarenta do século XIX, Marx e Engels repararam na unidade dialéctica entre as forças produtivas e as de produção, que rege a produção material na sociedade capitalista. No entanto as forças produtivas mostram o degrau que a humanidade se enfrenta com a natureza, o processo de produção revela o envoltório social dessa produção material.

Com este genial descobrimento pudo fazer-se visível, por vez primeira na história, qual era a mecânica de funcionamento das sociedades em cada espaço físico-temporal, analisarem as razões que empurram para a mudança das estruturas e as prováveis tendências do seu desenvolvimento.

Enquanto é provado historicamente que as forças produtivas são mais dinâmicas que as relações de produção, que em certo modo guardam um caráter mais conservador, quando se tornam um travão para as forças produtivas, tem de serem substituídas por novas relações mais harmônicas com as de produção, que já estão mais adiantadas.

Todo o choque histórico, todas as revoluções, vem determinado, por última instância, pola contradição entre as forças produtivas expansivas com formas sociais envelhecidas.

Não se tratava, já  que logo, a mesma Revolução Soviética da mais clara manifestação dessa poderosa contradição na escala universal? A vitória dos operários na Rússia, como moderno estágio do desenvolvimento, não estorvava, por acaso, a auto-expansão do capital no plano planetário? Por acaso não indicava às claras a Revolução de Outubro a súmula das irredutíveis contradições que corroíam a sociedade burguesa toda?

A observação metódica e a análise funda do movimento tinham conduzido os dous fundadores do socialismo científico à consideração de que só um gigantesco desenvolvimento das forças de produção garantiria a abundância dos meios de consumo e, assim, o próprio comunismo.

“Com esta «alienação», para expressarmos em termos compreensíveis para os filósofos — escreviam os muito jovens Marx e Engels— só pode acabar-se partindo de duas premissas práticas. Para que se converta num poder «insuportável», isto é, num poder contra o que há que fazer a revolução, é necessário que engendre uma massa da humanidade como absolutamente «despossuída» e, a par disso, em contradição com um mundo de riquezas e de educação, o que pressupõe, em ambos os casos, um grande incremento da força produtiva, um alto grau do seu desenvolvimento; e, por outra parte, este desenvolvimento das forças produtivas (que entranha já, ao mesmo tempo, uma existência empírica dada num plano histórico-universal, e não na existência puramente local dos homens) constitui também uma premissa prática absolutamente necessária, porque sem ela só se generalizaria a escassez e, polo tanto, com a pobreza, começaria de novo, a par, a luita polo indispensável e recair-se-ia necessariamente em toda a sujidade anterior; e, para mais, porque apenas este desenvolvimento universal das forças produtivas leva consigo um intercâmbio universal dos homens, em virtude da que, por uma parte o fenômeno da massa «despossuída» produze-se simultaneamente em todos os povos (concorrência geral), fazendo que cada um deles dependa das comoções dos outros e, por último, institui a indivíduos histórico-universais, empiricamente universais, em vez de indivíduos locais (...). O comunismo, empiricamente só se pode dar como ação «coincidente» ou simultânea dos povos dominantes, o que pressupõe o desenvolvimento universal das forças produtivas e o intercâmbio universal que leva aparelhado.”[73]

E de outra, respondendo avant-la-lettre a tese sustentada por Estaline em 1925, os velhos Marx e Engels puderam asseverar em volta de 1845:

“Além disso, não é de necessidade que esta contradição [entre as forças produtivas e a forma de relação], para provocar colisões num país, se torne intenso precisamente nesse mesmo país. A concorrência com países industrialmente mais desenvolvidos, provocada por uma maior troca internacional, abunda bem para ocasionar também uma contradição semelhante em países de indústria menos desenvolvida (assim, por exemplo, o proletariado oculto na Alemanha pusera-se de manifesto pola concorrência da indústria inglesa).”[74]

Defronte ao Marxismo, o “socialismo num país isolado” era a reação derrotista ao acontecimento trágico da desfeita da revolução na Alemanha de 1923 e a ulterior estabilização relativa do capitalismo, ensamblada com a necessidade dos pequenos comerciantes empoleirados, dos lavradores enriquecidos e da burocracia (insana mistura de antigos funcionários burgueses, comunistas descoroçoados e impudentes e jovens ansiosos de fazer carreira) de calma para os seus bons negócios. Para estas classes e camadas sociais o “socialismo num só país” representava a palavra de ordem que francamente definia os seus objetivos sem respeito algum já polos interesses de classe dos proletários, “traduzia muito exatamente o sentir da burocracia que, ao falar da vitória do socialismo, entendia com isso a sua própria vitória”,[75] tal como a instrução “todo o poder para os sovietes” para o proletariado em 1917. A burocracia e as camadas privilegiadas apresentavam os seus muito particulares interesses, ocultos trás o cortinado dum ideológico interesse geral dos operários e dos campesinos pobres, mascarando a existência desses proveitos. Nessa emergência apenas podia ter êxito duradouro situando-se ao nível ideológico, porque é a ideologia pequeno-burguesa do socialismo num só país que disfarçava a natureza profunda das relações sociais no Estado dos sovietes.

A pergunta tantas vezes feita, o argumento ao parecer definitivo, é: tinham, então, razão os mencheviques contra Lenine e Trotski a se opor à revolução sob o argumento de que a Rússia ainda não estava preparada para o socialismo? Sem dúvida nenhuma a Rússia de 1917 não estava ainda “preparada”. Até 1924 este era o ponto de vista de absolutamente todos os marxistas revolucionários, não só de Lenine e Trotski, Rosa Luxemburgo, Radek, Zinoviev, também de... Bukharine e Estaline[76]. A interrogação é trapaceira, pois o processo da revolução mundial há que distingui-lo da construção da sociedade socialista. Rússia certamente não estava preparada, mas sim o mundo. Engels dissera-o em 1875[77]:

“Tem-se alcançado atualmente este ponto... a possibilidade de assegurar para cada membro da sociedade, em atenção à produção socializada, uma existência não apenas suficiente totalmente no material, e tornando dia por dia mais completa, embora uma existência que garante para todas as pessoas o livre desenvolvimento e exercício das suas faculdades físicas e mentais, é uma possibilidade que está agora por vez primeira aqui, mas está”[78].

Se esta possibilidade era certa daquela, razão de mais quarenta anos mais tarde.    

Notas

[59] Tenho meditado a respeito das concepções que possuíam para o Partido num artigo publicado em Ontem e Hoje  n.º 6 – Outubro do ano 2000: O partido comunista segundo Marx e Engels.

[60] L´Eina Editorial, pág. 32.

[61] Catecismo de los Comunistas, pág. 38.

[62] Obras escogidas de Marx y Engels, pág. 102.

[63] Para os textos vede: El Marx tardío y la vía rusa de Teodor Shanin.

[64] El Marx tardío, pág. 148.

[65] “A edição russa da obra de Marx [O Capital], que foi ademais a primeira noutro idioma que o original, saiu em venda em São Petersburgo no último de Março de 1.872” (Correspondencia 1868-1895. Karl Marx – Nicolái F. Danielsón – Friedrich Engels, pág. 2, Editorial Siglo XXI, Madrid, 1981.)

[66] Cartas a Kugelmann, pág. 70, Editorial Avanzar, Buenos Aires, 1969.

[67] Obras de J. Stalin, Vol. VIII, pp. 65-66.

[68] El socialismo en un solo país, em Historia del marxismo. La época de la IIIª Internacional (II), Vol. VI, pp. 110-111.

[69] Los fundamentos del leninismo, em Obras de J. Stalin, Vol. VI, pág. 110.

[70] Lenin y Trotsky, qué defendieron realmente, pág. 135.

[71] Roy A. Medvédev, El socialismo en un solo país, pág. 186.

[72] Obras, Vol. VII, pág. 238.

[73] Feuerbach, oposição entre as condições materialista e idealista (1 Capítulo da Ideologia alemã), em Obras Escogidas de C. Marx – F. Engels, Vol. I, pág. 34.

[74] La ideología alemana, pág. 62.

[75] La revolución traicionada, pág. 248.

[76] Ainda em 1928 Estaline era quem de escrever: “Dizemos muitas vezes que a nossa república é socialista. Significa isso que já temos realizado o socialismo, que temos já suprimido as classes e o Estado (pois o socialismo feito realidade significa a extinção do Estado)? Ou quer dizer que no socialismo seguirão existindo classes, Estado, etc.? Está claro que não significa isso. Temos direito, em tal caso, a chamar à nossa república socialista? Naturalmente que sim. De que ponto de vista? Do ponto de vista da nossa decisão, da nossa disposição de realizar o socialismo, suprimir as classes, etc.” Resposta a Kushtisev, Obras de Estaline, Vol. XI, pp. 332-333.

[77] E adiantara-o em 1847 em O Catecismo dos Comunistas: “existem já as condições para suprimir estes danos completamente pola construção duma nova ordem social” (pág. 27).

[78] El anti-Dühring, pág. 295.


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