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Atilio Borón

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Nota sobre o frustrado golpe de Estado no Equador

Atilio Borón - Publicado: Segunda, 04 Outubro 2010 02:00

Atílio Borón

O que aconteceu na quinta-feira, dia 30 de setembro, no Equador?


Houve uma tentativa de golpe de Estado. Não foi, como disseram vários meios na América Latina, uma "crise institucional", como se o ocorrido tivesse sido um conflito de jurisdições entre o Executivo e o Legislativo, mas uma insurreição aberta de um setor do primeiro, a Polícia Nacional, cujos efetivos constituem um pequeno exército de 40 mil homens, contra o Comandante em Chefe das Forças Armadas do Equador, que não é outro senão seu presidente legitimamente eleito. Tampouco foi o que disse Arturo Valenzuela, Subscretário de Estado de Assuntos Interamericanos, "um ato de indisciplina policial". Caracterizaria desse modo o ocorrido se o equivalente da Polícia Nacional do Equador nos EUA tivessem batido e agredido fisicamente Barack Obama, lesionando-o; o houvessem sequestrado e mantido em reclusão durante 12 horas em um hospital policial até que um comando especial do Exército o libertasse em meio a um intenso tiroteio? Seguramente que não, mas como se trata de um mandatário latino-americano, o que lá soa como intolerável aberração aqui aparece como uma travessura de escolares.

Em geral, todos os oligopólios midiáticos ofereceram uma versão distorcida do ocorrido no dia de ontem, evitando cuidadosamente falar de tentativa de golpe de Estado. Em vez disso, referiam-se a uma "sublevação policial", a qual, em todas as luzes, converte os acontecimentos desta quinta-feira em uma anedota relativamente insignificante. É um velho ardil da direita, sempre interessada em subtrair importância às tropas que cometem seus partidários e a magnificar os erros ou problemas de seus adversários. Por isso é bom lembrar as palavras pronunciadas nesta quinta-feira, pela manhã, pelo presidente Rafael Correa, quando caracterizou o ocorrido como uma "conspiração" para perpetrar um "golpe de Estado". Conspiração porque, como foi mais que evidente no dia de ontem, houve outros atores que manifestaram seu apoio ao golpe em gestação: não foram acaso efetivos da Força Aérea Equatoriana – e não da Polícia Nacional – os que paralisaram o Aeroporto Internacional de Quito e o pequeno autódromo utilizado para vôos provinciais? E não houve grupos políticos que saíram para apoiar os golpistas nas ruas e nas praças? Não foi o próprio advogado do ex-presidente Lucio Gutiérrez um dos energúmenos que tratou de entrar à força nas instalações da Televisão Nacional do Equador?

Não disse por acaso o Prefeito de Guayaquil e grande rival do presidente Correa, Jaime Nebot, que se tratava de um conflito de poderes entre um personagem autoritário e despótico, Correa, e um setor da polícia, equivocado em sua metodologia mas quem assistiu razão em suas reclamações? Esta falsa equidistância entre as partes em conflito era uma indireta confissão de sua complacência ante os acontecimentos em curso e de seu íntimo desejo de se livrar de sua – até agora ao menos – inexpurgável inimigo político. Para não falar da lamentável involução do movimento "indígena" Pachakutik que, em meio à crise, tornou pública sua convocatória ao "movimento indígena, movimentos sociais, organizações políticas democráticas, a constituir uma só frente nacional para exigir a saída do Presidente Correa". "Que surpresas te dá a vida", dizia Pedro Navaja; mas não há tal surpresa quando alguém nota os generosos aportes da USAID e do National Endowment for Democracy vieram fazendo nos últimos anos para se "apoderar" da cidadania equatoriana através de seus partidos e movimentos sociais.

Conclusão: não foi um pequeno grupo isolado dentro da política que tentou dar o golpe, mas um conjunto de atores sociais e políticos a serviço da oligarquia local e o imperialismo, que jamais perdoará Correa por ter ordenado o desalojamento da base que os Estados Unidos tinha em Manta, a auditoria da dívida externa do Equador e sua incorporação ao ALBA, entre muitas outras coisas. Incidentalmente, a polícia equatoriana já a muitos anos que, igualmente a outros da região, vem sendo instruída e adestrada por sua contraparte estadunidense. Haverá inclusive algum tipo de educação cívica, ou sobre a necessária subordinação das forças armadas e policiais ao poder civil? Não parece. Melhor, atualiza a necessidade de colocar fim, sem mais atrasos, à "cooperação" entre as forças de segurança da maioria dos países latino-americanas e dos Estados Unidos. Já se sabe o que é o que ensinam nesses cursos.

Por que fracassou o golpe de Estado?

Basicamente por três razões: em primeiro lugar, pela rápida e efetivada mobilização de amplos setores da população equatoriana que, pese o perigo que existia, saiu para ocupar as ruas e praças para manifestar seu apoio ao presidente Correa. Ocorreu o que sempre deve ocorrer em casos como estes: a defesa da ordem constitucional se efetiva na medida em que é assumida diretamente o povo, atuando como protagonista e não como simples espectador das lutas políticas de seu tempo. Sem essa presença do povo nas ruas e praças, coisa que havia advertido Maquiavel há quinhentos anos, não há república que resista aos embates dos personagens da velha ordem. A trama institucional por si só é incapaz de garantir a estabilidade do regime democrático. As forças da direita são demasiadamente poderosas e dominam essa trama desde há séculos. Só a presença ativa, militante, do povo nas ruas pode desbaratar os planos golpistas.

Em segundo lugar, o golpe pôde ser detido porque a mobilização popular que se desenvolveu com um grande velocidade dentro do Equador que foi acompanhada por uma rápida e contundente solidariedade internacional que começou a se efetivar e nem tiveram as primeiras notícias do golpe e que, entre outras coisas, precipitou a muito oportuna convocatória a uma reunião urgente e extraordinária da Unasul em Buenos Aires. O claro respaldo obtido por Correa dos governos sul-americanos e de vários europeus surtiu efeito porque pôs em evidência que o futuro dos golpistas, no caso de que seus planos finalmente culminassem exitosamente, seria o ostracismo e o isolamento político, econômico e internacional. Demonstrou-se, uma vez mais, que a Unasul funciona e é eficaz, e a crise pôde ser resolvida, como antes a da Bolívia, em 2008, sem a intervenção de interesses alheios à América do Sul.

Terceiro, mas não último em importância, pela valentia demonstrada pelo presidente Correa, que não deu o braço a torcer e que resistiu de pé firme o acosso e a reclusão de que havia sido objeto, pese a que era mais evidente que sua vida corria perigo e que, até o último momento, quando se retirava do hospital, seu automóvel foi baleado com claras intenções de por fim a sua vida. Correa demonstrou possuir o valor que se requer para se comprometer com perspectiva de êxito às grandes empresas políticas. Se tivesse fraquejado, se houvesse acovardado, ou deixado entrever uma vontade de submeter-se ao desígnio de seus capturadores, o resultado teria sido outro. A combinação destes três fatores: a mobilização popular interna, a solidariedade internacional e a valentia do presidente, terminou por produzir o isolamento dos sediciosos, debilitando sua força e facilitando a operação de resgate efetuada pelo Exército equatoriano.

Pode voltar a ocorrer?

Sim, porque os fundamentos do golpismo tem profundas raízes nas sociedades latino-americanas e na política exterior dos Estados Unidos para esta parte do mundo. Se se repassar a história recente de nossos países, comprova-se que as alternativas golpistas tiveram lugar na Venezuela (2002), Bolívia (2008), Honduras (2009) e Equador (2010), é dizer, em quatro países caracterizados pelo desenrolar de significativos processos de transformação econômica e social e, além disso, por estarem integrados ao ALBA. Nenhum governo de direita foi perturbado pelo golpismo, cujo signo político oligárquico e imperialista é inocultável. Por isso, o campeão mundial da violação dos direitos humanos, Álvaro Uribe, com seus milhares de desaparecidos, suas fossas comuns, seus "falsos positivos", jamais teve que se preocupar com insurreições militares contra seu governo durante os oito anos de seu mandato.

E é pouco provável que os outros governos da direita que existem na região que serão vítimas de uma tentativa golpista nos próximos anos. Das quatro que houve desde 2002, três fracassaram e só uma, a perpetrada em Honduras contra o Manuel Zelaya, foi coronhada exitosamente (*). O dado significativo é que sua execução foi feita de surpresa, no meio da noite, o qual impediu que a notícia fosse conhecida até a manhã seguinte e o povo tivesse tempo de sair para ganhas as ruas e praças.

Quando o fez já era tarde, porque Zelaya havia sido desenterrado. Além disso, neste caso a resposta internacional foi lenta e tíbia, carecendo da necessária rapidez e contundência que se pôs de manifesto no caso equatoriano. Lição a extrair: a rapidez da reação democrática e popular é essencial para desativar a sequência de ações e processos do golpismo, que rara vez é outra coisa que um entrelaçamento de iniciativas que, na ausência de obstáculos que se interponham em seu caminho, reforçam-se reciprocamente. Se a respostas popular não surge imediatamente, o processo se retroalimenta, e quando se quer parar, é demasiadamente tarde. E o mesmo cabe dizer da solidariedade internacional que, para ser efetivada tem que ser imediata e intransigente em sua defesa da ordem política imperante. Afortunadamente estas condições se deram no caso equatoriano e, por isso, a tentativa golpista fracassou. Mas não há que ter ilusões: a oligarquia e o imperialismo voltarão a tentar, talvez por outras vias, derrubar governos que não se curvem ante seus interesses.

(*) Os quatro golpes de Estado acima mencionados correspondem a outros tantos países do ALBA. Há de se agregar o caso do Haiti, que não foi incluído em nossa enumeração porque não estava vinculado ao ALBA. No dia 28 de fevereiro de 2004, Jean-Bertrand Aristide foi sequestrado, também nas altas horas da noite, levado a um avião fretado pelo governo dos Estados Unidos, forçado a apresentar sua renúncia e desterrado a um país africano. Como em outros casos, também nas altas horas da noite, subido a um avião flertado pelo governo dos Estados Unidos, forçado a apresentar sua renúncia e desterrado a um país africano. Como em outros casos, também no Haiti houve grandes manifestações populares exigindo a reposição de Aristide na presidência, mas tudo foi em vão.

Traduzido por Lucas Morais (@luckaz) para o Diário Liberdade


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