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Sílvia Ribeiro

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Vendendo ar

Sílvia Ribeiro - Publicado: Sexta, 24 Setembro 2010 10:36

Silvia Ribeiro

Avança um dos mais incríveis ataques aos bens comuns do planeta e da humanidade: a privatização do ar. O principal instrumento para isso é um mecanismo chamado cinicamente REDD (redução de emissões por desflorestação e/ou degradação evitada de bosques), que está entre os pontos chave que o governo mexicano promove nas negociações internacionais sobre o clima.


A proposta dos programas REDD é que, como a desflorestação é um factor importante da crise climática, há que compensar economicamente quem já não a faça. Por esse motivo se chama desflorestação "evitada": primeiro há que desflorestar, para depois vender o facto de deixar de fazê-lo. Um típico cenário "ganhar-ganhar", como dizem os empresários e suas ONG amigas. Os madeireiros ilegais ganham ao desflorestar e ganham por deixar de fazê-lo. Quem mais beneficia com estes programas são os que mais bosque e selva tenham destruído. E que poderão continuar a fazê-lo, uma vez que o REDD aceita que, deixando apenas 10 por cento da área original, se conte como "desflorestação evitada".

Ao programa original foram acrescentadas versões chamadas REDD++, que incluem pagamentos por «acrescentar os inventários de carbono» e pagamentos por «conservação» e «gestão sustentável do bosque». No primeiro caso trata-se de, além de desflorestar, estabelecer em seu lugar monocultivos de árvores, outra fonte de lucro adicional, com fortes impactos ambientais e sobre as comunidades.

O mais perverso deste mecanismo é o que chamam "conservação e gestão sustentável", porque aponta directamente a despojar as comunidades indígenas e camponesas dos seus direitos e territórios.

A proposta do REDD é que, "como se paga", o que se faça com o bosque e a sua capacidade de absorção de dióxido de carbono deve ser "verificável", isto é, definido por agentes externos às comunidades. Para estas e os ejidos significa pagar caro a especialistas para que lhes digam o que podem ou não fazer nos seus próprios bosques e territórios, e assinar "voluntariamente" (ou enganados por instituições governamentais e ONG que gerem estes programas) a alienação da sua gestão autónoma do território, para poder cobrar uns trocos pela suposta capacidade de absorção dos seus bosques. Essa capacidade é comprada por empresas altamente contaminantes e grandes emissores de gases de efeito estuda, para continuar a contaminar com a justificação (não provada cientificamente, mas muito lucrativa) de que noutra parte do mundo haverá um bosque que absorverá as suas emissões. Por sua vez, isto entra num mercado secundário de créditos de carbono onde a mesma empresa pode revender a outros por um preço maior, recuperar todo o seu investimento e ainda ganhar dinheiro extra. O maior volume monetário dos mercados de carbono é a especulação secundária, isto é, a venda e revenda de, literalmente, ar puro.

Este tipo de mercantilização e especulação já existia antes do REDD, com o pagamento e comércio de serviços ambientais. Com o REDD, trata-se de consolidar globalmente uma nova forma de direitos de propriedade. Não a propriedade directa do bosque, mas a de direitos de emissão destes, para comercializá-los num mercado altamente especulativo.

Assim, as empresas mais criminosas do planeta, além de devastarem enormes áreas com as suas actividades, aquecerem o planeta e camuflarem-se de verde com esta compra de créditos de carbono, reclamarão a propriedade de facto dos bosques, porque mesmo que as comunidades continuem a ter os seus títulos de propriedade, não poderão tocar-lhes nem decidir nada sobre eles.

Um exemplo recente: a 7 de Setembro, a Rede Indígena Ambiental e a Amigos da Terra Internacional denunciaram que o maior projecto REDD até ao momento, 100 mil hectares em Rimba Raya, Bornéu, é financiado pela Shell, a Gazprom e a Fundação Clinton. Na verdade, não é financiamento, mas investimento, já que a Shell e a Gazprom continuarão a lucrar com as suas actividades contaminantes (que produzem mais aquecimento global) e ainda ganharão milhões de dólares com a venda desses créditos de carbono no mercado secundário. A Reuters estimou que nesse projecto se poderiam captar mais de 750 milhões de dólares em 30 anos.

Tom Goldtooth, da Rede Indígena Ambiental, declarou: «a Shell já cometeu genocídio do povo Ogoni, em Nigéria, e ecocídio da bacia do Níger. O REDD torna possível que esta e outras empresas prossigam com a extracção de combustíveis fósseis enquanto continuam a destruir o clima e os povos indígenas. A maioria dos bosques do mundo estão em territórios nativos. Os projectos tipo REDD resultaram em despojamentos de terras, violações de direitos humanos, ameaças à sobrevivência das nossas culturas, militarização, enganos e servidão».

Em México, os que promovem este lucrativo negócio das transnacionais junto do governo, antes geriam contratos de biopirataria, depois introduziram as comunidades na venda de serviços ambientais, e agora, consequentemente, promovem o REDD++.

Por tudo isto, a Via Camponesa, na sua convocatória à mobilização face às negociações sobre o clima, que se realizarão em Dezembro em Cancún, apela a denunciar e a opor-se aos programas REDD e aos mercados de carbono, uma exigência que a Cimeira Mundial dos Povos sobre Mudança Climática, em Cochabamba, também expressou claramente.

Fonte: La Jornada.


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