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Immanuel Wallerstein

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O novo Oriente Médio

Immanuel Wallerstein - Publicado: Sexta, 23 Outubro 2015 01:10

Washington já não dá as cartas e enredou-se em contradições – mas mantém ilusão de poder. Ao fazê-lo, cria, numa região decisiva, barril de pólvora global.


Barack Obama está sendo criticado por todos os lados, por qualquer coisa que faça, nestes dias, em relação ao Oriente Médio. E as críticas são pertinentes, já que não há provavelmente nada que o presidente possa fazer para desempenhar, na geopolítica rodopiante do Oriente Médio, o papel decisivo que desejaria. Não significa que todas as suas decisões sejam erradas. Muitas são, mas algumas parecem inteligentes. O fato é que virtualmente nenhum Estado na região, ou com interesses nela, está realmente alinhado com os EUA. Todos têm suas queixas e prioridades – e querem satisfazê-las, ainda que Washington os pressione a não fazê-lo.

Há quatro arenas que deveriam ser chamadas de pontos cruciais da região – ou, talvez, os pontos mais cruciais: Irã, Síria, Afeganistão e Israel/Palestina. Os críticos de Obama dizem que ele não tem uma política “coerente” em nenhuma destas regiões. A crítica não deixa de ter razão.

A política mais clara, em termos relativos, diz respeito ao Irã. Os EUA têm feito um enorme esforço para fechar, com Teerã, um acordo que oferece, essencialmente, uma barganha: um Irã sem armas nucleares em troca do fim das sanções econômicas. Tal acordo já foi assinado. Em ambos países, o Poder Legislativo também deu o primeiro passo para a ratificação. Historiadores futuros talvez apontem o fato como a maior conquista externa de Obama (junto com a retomada das relações diplomáticas com Cuba). Este é o lado do presidente como promotor da paz.

No entanto, o acordo ainda precisa ser ratificado de diversas outras maneiras, dos dois lados. Embora isso pareça provável, certamente não é inevitável. Como se fala tanto, no caso de acordos deste tipo, a verdade está nos detalhes. Eles são complicados e passíveis de diferentes interpretações, dos dois lados. Interpretações distintas levam a tensões contínuas. Quarenta anos após a assinatura de um acordo similar e igualmente notável, na Irlanda do Norte, sua interpretação ainda dá margem a disputas e neste exato momento ele enfrenta a ameaça de uma ruptura.

A situação é menos clara no Afeganistão. O Talibã parece ampliar continuamente sua força e controla novas regiões, ao menos durante a noite. Os EUA enviaram tropas ao país para afastar o grupo e mantê-lo distante. Presume-se que o governo afegão queira também derrotar o Talibã.

Mais importante: o Irã também quer derrotar o Talibã. Mas os EUA e o Irã não estão dispostos a colaborar de modo aberto para este objetivo. E o governo afegão está dividido entre afirmar sua independência em relação dos EUA e sua necessidade (crescente) de manter acesso a assistência militar. O governo paquistanês parece estar ajudando o Talibã. E o governo indiano parece querer ajudar o governo afegão mais diretamente do que Washington desejaria.

A política dos Estados Unidos não é coerente, porque o país tenta perseguir um conjunto de objetivos que entram em conflito uns com outros. Os EUA desejam reforçar um governo estável, e portanto estão comprometidos com o apoio ao atual governo afegão. Para fazerem isso, os militares de Washington insistem que mais soldados norte-americanos são necessários. Mas Obama prometeu reduzir as forças dos EUA a um pequeno grupo de instrutores não-combatentes, até o fim de seu governo. Não é possível fazer isso e assegurar, ao mesmo tempo, a sobrevivência de um chamado “governo afegão estável”, especialmente porque a estabilidade do governo depende de uma disputa não-resolvida e cada vez mais aberta com seus oponentes sem relações com o Talibã.

Em relação à Síria, o último adjetivo que alguém poderia aplicar à política norte-americana é “coerente”. De um lado, os EUA tentaram formar uma “coalizão” internacional de países comprometida em derrotar o Estado Islâmico (IS, Daesh ou ISIL), ainda em expansão. Washington também está comprometida, em teoria, com a destituição do presidente sírio, Bashar al-Assad. O que os EUA não desejam é envolver tropas em mais uma zona de guerra civil no Oriente Médio. Em vez disso, oferecem lutar contra o IS com drones que bombardearão as unidades do grupo terrorista – porém, sem ter sequer tropas para guiar estes drones. A consequência inevitável são “danos colaterais” que intensificam o sentimento antinorte-americano na Síria.

Enquanto isso, a Rússia deixou claro que está comprometida com a manutenção de Assad no poder, ao menos até que haja uma resolução política entre Assad e a chamada “oposição moderada”. Esta é, ela mesma, um grupo complicado. Os EUA desperdiçaram muito dinheiro e energia para treinar um grupo seleto na oposição. Os militares norte-americanos acabam de admitir que este esforço foi um fracasso completo. A grande maioria dos grupos que receberam apoio desintegrou-se. Além de fugirem dos campos de batalha, eles entregaram seu equipamento à al-Nusra, um grupo filiado à al-Qaida, que, presume-se, os EUA não queiram amparar.

Ninguém segue a liderança norte-americana. A Turquia concordou, de modo relutante, com sobrevoos dos aviões e drones dos EUA em seu território – mas recusou-se a incentivar apoio às tropas curdas que estão de fato combatendo o IS. A Arábia Saudita também não tem uma política coerente. Está em apuros com as forças da al-Qaida, mas ao mesmo tempo dão-lhes algum apoio financeiro e diplomático, como parte de sua tentativa de conter a influência iraniana no Oriente Médio. O Reino Unido e a França dizem que apoiam os EUA, mas Londres enviará apenas drones e a Paris critica Washington por não pressionar Assad mais duramente. Israel parece não ter clareza alguma sobre o que fazer. Telavive vê o Irã como seu maior inimigo, mas na verdade concentra-se em atacar os palestinos, o que significa uma política para a Faixa de Gaza e outra na Síria e no Líbano.

Em relação a Israel/Palestina, há um crescendo de violência e de retórica de ambos os lados. Muitos analistas dizem que se trata da terceira Intifada, alguns considerando que ela começou há um ano. Qualquer que seja o rótulo, é óbvio que Israel está perdendo, lenta mas seguramente, a batalha diplomática na Europa Ocidental e mesmo nos Estados Unidos. Embora o primeiro ministro Benjamin Netanyahu desejasse normalizar as relações abaladas com Obama, ele teme ser desafiado, nesta atitude, por setores à sua direita. Não pode fazer muito para mudar a política israelense. E também Obama pode fazer pouco. Enquanto isso, o conflito Israel/Palestina mantém-se como potencial gatilho para uma explosão generalizada no Oriente Médio, algo tão grave que poderia afetar o conjunto da economia-mundo, que já está em condições muito frágeis.

Se alguém pode enxergar, neste quebra-cabeças, alguma evidência de que os Estados Unidos são capazes de controlar a situação e ditar os termos para qualquer outro ator, é porque está vendo coisas que não vislumbro. Além de não serem uma potência hegemônica, os EUA já não são sequer o ator mais poderoso nesta região fragmentada. No entanto, não desejam admitir esta realidade para si próprios, o que constitui um perigo para o mundo todo.

Tradução: Antonio Martins.

Fonte: Outras Palavras.


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