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Guillermo Almeyra

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México: Peña Nieto encurralado

Guillermo Almeyra - Publicado: Terça, 25 Novembro 2014 00:00

As manifestações, marchas e protestos encurralaram e puseram na defensiva o presidente Peña Nieto, põem a nu a sua ilegitimidade e acentuam o seu descrédito internacional.


O jornal The Guardian, do Reino Unido, e o The New York Times criticam-no, assim como a revista The Economist, e até a muito conservadora grande imprensa latino-americana, bem como televisões oficiais, como o Canal 7 argentino, denunciam os crimes e a corrupção no México. Nas classes dominantes mexicanas e no governo de Washington – os seus amos - há também tendências evidentes para se distanciarem de um servidor que está a ficar perigoso para eles.

O protesto social no México parte já da exigência "Fora Peña Nieto!", que é mais do que a reivindicação da sua renúncia voluntária e pouco menos do que "Expulsemo-lo de qualquer maneira!" Quando as famílias populares sofrem austeridade e suportam terríveis carências, a soberba, a inconsciência social e a impunidade com que se manifesta a corrupção - como no caso da Casa Branca [1] - acrescentam mais lenha à fogueira. A venda da mansão do escândalo confirma, por outro lado, as acusações já que, se a operação tivesse sido cristalina e legal, porquê anulá-la?

Existe, portanto, o perigo de que Peña Nieto, que está encostado à parede, recorde a sua feroz atuação em Atenco e responda aos que no seu partido pedem para fazer o mesmo que Díaz Ordaz: impor o terror estatal para ficar anos no poder. Mas a situação política e social nos anos 1968-1969 era muito diferente, no México e no mundo. O Estado mexicano era ainda vigoroso e o aparelho estatal estava unido por detrás do presidente. A situação económica era próspera e as exigências sociais eram incipientes e, quase exclusivamente, dos estudantes e de poucos setores urbanos, num país ainda maioritariamente camponês. Por outro lado, o levantamento em armas dos operários húngaros e polacos, nos anos 50, e o triunfo da Revolução cubana, assim como as ocupações de fábricas e as gigantescas manifestações estudantis e operárias em Paris, nas cidades italianas, argentinas, na Checoslováquia e as lutas estudantis no México em 1968-1969 faziam com que as classes dominantes temessem perder o poder e, portanto, recorressem ao Exército, que ainda estava intacto e não corroído pela infiltração da ala mais agressiva e ilegal do capital, o narcotráfico.

A repressão aparecia então como uma saída possível, com mais vantagens que custos políticos. Hoje, após o desmantelamento das bases da soberania nacional e do próprio Estado, quando o México de facto está integrado nos Estados Unidos e constitui um problema interno para Washington, com um mundo em crise prolongada, um aparelho estatal em desintegração e sem consenso nem base e com o governo de Obama em crise, uma resposta à Díaz Ordaz aparece como uma aventura, ainda que esteja longe de estar excluída. Recordemos quando Washington, para evitar o triunfo dos sandinistas na Nicarágua, queria que Somoza renunciasse, coisa que este se negou a fazer em defesa dos seus próprios interesses de ditador, mas pondo em risco os interesses dos seus patrões. O mundo político não se rege pela lógica, já que os interesses do grande capital chocam com frequência com os dos capitalistas individuais e dos seus agentes.

Existe, pois, uma possibilidade das classes dominantes atirarem o lastro pela borda fora e procurarem um substituto transitório para Peña Nieto com o apoio de Washington. As mobilizações dos indígenas e os trabalhadores equatorianos derrubaram três presidentes, os trabalhadores no Brasil impuseram a renúncia de Collor de Melo, o caracazo [2] abriu o caminho à liquidação do poder da oligarquia venezuelana e o povo boliviano afastou o presidente Sánchez de Losada e abriu o caminho a eleições limpas e a uma assembleia constituinte. Os capitalistas perderam em boa medida o poder político mas não a vida ou os seus bens. Porque é que no México não poderia haver uma alternativa de transição com um governo não dos partidos do regime mas sim de representantes populares que convoque eleições gerais limpas e uma assembleia constituinte que anule todas as leis antinacionais, antilaborais, liberticidas e retrógradas impostas pela aliança entre o PRI, o PAN, o PRD e os partidos cúmplices para responder às exigências das transnacionais?

Há que impedir uma solução podre com o PRI e o Congresso para desprestígio de Peña Nieto e impor uma solução democrática e de massas. Que não fique tudo na condenação de uns quantos cabeças de turco - Abarca [3] e outros - que permita reconstituir o bloco no poder e preparar novos crimes de Estado. Não basta a fraterna solidariedade do EZLN porque o que se requer urgentemente são propostas, ideias, análises de perspetivas. Não basta a exigência da renúncia de Peña Nieto se o governo ficar nas mãos dos mesmos. A união entre todas as resistências, a confluência como a 20 de novembro dos protestos de massas, poderá em vez disso dar base a um comité unitário de organização do protesto democrático, que se apoie também nas polícias comunitárias, nos grémios em luta, nas autodefesas de Guerrero, nas organizações de base de todo os tipos e em assembleias da cada comunidade, colónia ou centro de trabalho.

Poderão os Estados Unidos intervir? Já o está a fazer e fá-lo-á cada dia mais se não debilitarmos o seu poder no país. Que os candidatos a ter casas brancas despojando os cidadãos para enriquecer e os que usam os bens do Estado como se fossem próprios vão reagir? Fizeram-no em defesa de Maximiliano e de Porfirio Díaz, mas foi possível derrotá-los. A alternativa não é passividade e resignação para preservar a paz, mas sim impor uma mudança social ou mais degradação, mais pobreza, mais submissão aos Estados Unidos, mais repressão. Não há terceira opção.

Artigo publicado no jornal mexicano La Jornada em 23 de novembro de 2014. Tradução de Carlos Santos/esquerda.net.

Notas do tradutor

[1] Escândalo com a casa do presidente do México e da sua mulher. A casa custou 7 milhões de dólares, foi construída ao gosto do presidente e da mulher por uma empresa do consórcio que ganhou o concurso de construção da linha de comboio de alta velocidade entre a Cidade do México e a capital do estado de Querétaro. O consórcio era liderado por uma empresa chinesa (propriedade do governo chinês) e incluía três empresas mexicanas ligadas ao PRI e a Peña Nieto (Ver mais informação em aristeguinoticias.com e no vídeo).

[2] Protestos na Venezuela em 1989, no governo Carlos Andrés Pérez (ver na wikipedia).

[3] José Luís Abarca , alcaide de Iguala e um dos mandantes do assassinato dos 43 estudantes (ver notícia no esquerda.net).


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