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Sara Flounders

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Em coluna

O que está em jogo com o tratado nuclear do Irão

Sara Flounders - Publicado: Sábado, 28 Dezembro 2013 00:05

A hostilidade dos Estados Unidos e as sanções impostas começaram muito antes de o Irão reactivar o seu programa de energia nuclear. Tiveram início logo após o derrubamento revolucionário da brutal monarquia imposta pelos Estados Unidos em 1979.


Desde então a estratégia dos Estados Unidos tem sido desestabilizar o estado iraniano e sabotar a sua economia com o fim de dominar mais uma vez os ricos recursos do país. Washington utilizou a sabotagem económica e industrial, assassínios de líderes políticos e cientistas e cerco militar. Wall Street apoderou-se de milhares de milhões de activos iranianos, que somam agora mais de $100 mil milhões de dólares em fundos congelados.

É esse o contexto deste acordo, desigual, mas que permite alguma descompressão sobre os constrangimentos de toda a ordem que o imperialismo tem imposto.

O acordo nuclear de seis meses entre o Irão e os países «5+1» foi descrito como um grande avanço, uma saída, um desastre ou uma traição, dependendo do ponto de vista. Grande parte do texto do acordo alcançado em Genebra a 24 de Novembro tresanda a arrogância imperialista.

No entanto, qualquer que seja a atitude para com o acordo, é essencial que todas as forças progressistas se unam e façam um apelo claro que ponha fim a todas as sanções e aos ataques à soberania do Irão e ao ataque dos criminosos imperialistas à população iraniana.

Ao examinar esse acordo provisório, devemos ver primeiro quais são as razões que levaram os Estados Unidos e o Irão a assiná-lo e quem beneficia dele.

Os cinco membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU — Estados Unidos, Inglaterra, França, Rússia e China — mais a Alemanha — são os «5+1». Os Estados Unidos e os seus aliados basearam a sua posição nas repetidas acusações de que o desenvolvimento da energia nuclear do Irão leva à produção de armas nucleares, o que de acordo com eles é uma ameaça ominosa à paz mundial.

As seis nações envolvidas nas conversações com o Irão utilizaram energia nuclear durante mais de cinquenta anos. Todos, excepto a Alemanha têm um arsenal de armas nucleares. Os Estados Unidos têm o maior arsenal «pronto a detonar», é o único que utilizou bombas nucleares contra os povos e o imperialismo norte-americano continua a ameaçar rotineiramente com primeiros ataques nucleares contra países que não têm esse tipo de arma.

Há um significado muito claro para o termo que todos os presidentes dos Estados Unidos têm utilizado desde Truman: «Todas as opções estão em cima da mesa». Porta-aviões nucleares norte-americanos e submarinos nucleares Trident, capazes de destruir toda a vida na terra num único lançamento, sulcam os mares, incluindo as águas muito próximas da costa do Irão.

As conversações em Genebra basearam-se na premissa de que os Estados Unidos e os seus aliados suavizariam as sanções que estrangulam a economia do Irão e em troca o Irão congelaria e reduziria o seu desenvolvimento de energia nuclear. Essa é a meta dos imperialistas apesar do Tratado de Não Proliferação Nuclear (TNPN) que o Irão assinou, garantir a cada país o direito de desenvolver a energia nuclear com fins pacíficos.

A legislação de sanções norte-americanas exigiu que todos os países do mundo participem no bloqueio do Irão senão enfrentariam sanções severas comerciais, bancárias e de seguradoras pelos Estados Unidos. O bloqueio mundial resultou no debilitamento da moeda iraniana em mais de 60% e na produção de petróleo em mais de 50%.

Não há exigências contra Israel, o representante dos Estados Unidos, na região. Israel possui de 100 a 130 armas nucleares, não assinou o TNPN e nunca se submeteu a uma inspecção.

Os termos do acordo

Vale a pena ler o curto «Plano de Acção Conjunto» de 1.500 palavras assinado com o Irão. Começa com esta afirmação indigna: «O Irão reitera que em nenhuma circunstância o Irão desenvolverá qualquer tipo de armas nucleares». Claro, que nenhum dos «5+1» aceitou qualquer promessa semelhante.

Para poder ter acesso aos $7 mil milhões dos mais de $100 mil milhões dos seus próprios fundos sem seguro e congelados em contas pelo mundo inteiro, o Irão deve aceitar submeter-se a inspecções diárias e sem aviso prévio ao seu modesto programa de energia nuclear. Isso inclui os seus reactores, silos de fabricação, instalações de armazenamento, minas e fábricas de urânio e todos os registos dessas instalações.

O desenvolvimento de armas nucleares requer o enriquecimento de urânio a mais de 90 por cento da fusão de isótopo U-235. O Irão deve aceder a não enriquecer o seu urânio em mais de 5% e diluir o seu limitado inventário de urânio já enriquecido a uns 20%.

O acordo estipula que a aceitação dessas medidas intrusivas sobre a soberania do Irão dará lugar a uma pausa de seis meses aos esforços de redução das vendas de crude do Irão e à suspensão das sanções dos Estados Unidos sobre a indústria automotriz do Irão e sobre as reposições para a aviação civil do Irão.

O acordo permitirá ao Irão comprar, com fundos congelados pelos Estados Unidos, alimentos e produtos agrícolas, medicamentos, dispositivos médicos e pagar a matrícula de estudantes iranianos que estudam em universidades do exterior.

O relaxamento da trama enorme e constritiva de sanções demonstra o carácter invasivo e directo das sanções.

As sanções começaram com a Revolução de 1979

Na avaliação deste acordo é essencial saber que a hostilidade dos Estados Unidos e as suas sanções impostas começaram muito antes de o Irão reactivar o seu programa de energia nuclear.

Logo após o derrubamento revolucionário da monarquia brutal imposta pelos Estados Unidos em 1979 diminuiu fundamentalmente a influência norte-americana em toda a região, começaram as primeiras sanções dos Estados Unidos contra o Irão. A convulsão anti-imperialista — com uma corrente religiosa muçulmana radical a desempenhar um papel de liderança — transformou a sociedade iraniana. Também libertou os recursos petrolíferos e de gás iranianos dos contratos desiguais que serviam as empresas petrolíferas gigantes a Exxon, Mobil e Shell.

A estratégia dos Estados Unidos desde 1979 tem sido desestabilizar o estado iraniano e sabotar a sua economia com o fim de dominar mais uma vez os ricos recursos do país. Washington utilizou a sabotagem industrial, assassinatos de líderes políticos e cientistas e cerco militar.

Em 1979, Washington apoderou-se de dez mil milhões de dólares que o Irão tinha em bancos norte-americanos. Com os anos, Wall Street apoderou-se de milhares de milhões de outros activos iranianos, que somam agora mais de $100 mil milhões de dólares em fundos congelados. A pressão norte-americana inclui rupturas económicas através do Fundo Monetário Internacional, do Banco Mundial, o Banco de Exportação e Importação e o cancelamento de centenas de contratos.

Muito antes de o Irão reactivar o seu programa de desenvolvimento para a energia nuclear para poder satisfazer as necessidade crescentes de energia, os Estados Unidos fizeram o possível através de sanções para bloquear a capacidade do Irão de construir refinarias de petróleo que refinassem o seu próprio petróleo e gás. O Irão era um exportador importante de petróleo cru, mas viu-se obrigado a importar produtos refinados do petróleo a custo muito mais alto.

Finalmente em 2011, depois da finalização de sete refinarias novas, o Irão deixou de ser um importador de gás. Mas as sanções impediram os planos do Irão de exportar o gás refinado.

Ao desenvolver a sua economia independentemente do roubo e do domínio de Wall Street e ao controlar os seus próprios recursos, em três décadas o Irão transformou-se de um país subdesenvolvido num estado moderno com uma população altamente educada. Embora as relações capitalistas prevaleçam, a população tem sido capaz de conseguir cuidados de saúde garantidos, completos e grátis, educação gratuita incluindo a universitária, uma infra-estrutura moderna, e casas com electrificação total.

A educação das mulheres melhorou desde o analfabetismo da maioria à alfabetização plena.

Mas de 60% de estudantes universitários são mulheres.

A revolução iraniana enfureceu Wall Street e todas as forças de reacção e de poder feudal na região por dar apoio político e material à luta de libertação da Palestina, à resistência libanesa contra a ocupação de Israel e ao governo sírio que resiste à mudança de regime.

Juntamente com o fracasso de desestabilizar o Irão, os Estados Unidos fracassaram totalmente em estabilizar o seu governo no Iraque, Líbia e Afeganistão, apesar da destruição maciça. Os seus planos para uma mudança rápida na Síria também encontraram resistência, apesar dos milhares de milhões de dólares em fundos, equipamento e capacitação das forças mercenárias.

Enquanto declina a sua situação económica, os planificadores de Washington procuram desviar o seu poder militar já muito desenvolvido para leste para enfrentar a posição económica da China em crescimento. O sentimento crescente nos Estados Unidos contra outra guerra também pressionou Washington a usar novas tácticas.

Tratados quebrados por Washington

O recorde de 200 anos de tratados desiguais e quebrados dos Estados Unidos com as nações indígenas da América do Norte mostra que a diplomacia e as negociações sempre foram utilizadas como formas de guerra. Para Wall Street os intervalos de paz são períodos de preparação para a próxima guerra.

Mas recentemente, em 2003, os Estados Unidos, concordaram em diminuir a pressão sobre a Líbia se esse país renunciasse a ambições nucleares. Em 2006, todas as sanções contra a Líbia foram encerradas e abriram-se muitas ofertas económicas com o Ocidente. No entanto, em 2011, os Estados Unidos e a OTAN organizaram a destruição da Líbia.

O resultado das conversações sobre a utilização nuclear que continuam em Genebra não vão mudar a base de décadas de hostilidades do poder corporativo norte-americano contra o Irão.

O facto de que Washington firmou esse acordo provisório com o Irão, no entanto, demonstrou que os planos imperialistas para destruir totalmente um país oprimido são curtos. Se os imperialistas não podem roubar plenamente o que querem, isso significa pelo menos uma vitória limitada para os oprimidos.

Esses tratados assemelham-se à luta de classes representada em cada contrato sindical. Mesmo com um sindicato forte, os trabalhadores nunca estão pagos pelo valor total da sua força de trabalho sob o capitalismo. No entanto, é uma luta e uma vitória a ganhar, mesmo que um contrato sindical assinado ainda seja mínimo.

O governo iraniano tem anos de experiência da duplicidade norte-americana. Em 2003, o então presidente do Irão Khatami, com o actual presidente Rouhami como principal negociador, suspendeu voluntariamente o enriquecimento nuclear e durante dois anos permitiu que a Agência de Energia Atómica fizesse inspecções intrusivas, com a expectativa de que os imperialistas removessem as sanções. Mas o presidente George W. Bush, acrescentou novas sanções e catalogou o Irão como parte do «eixo do mal» e uma das três nações ameaçadas com mudança de regime.

Sectores da classe dominante norte-americana poderiam assinar um acordo com algumas forças iranianas que os estrategas norte-americanos acham que poderiam fazer um pacto com o imperialismo, o que poderiam utilizar para abrir uma brecha mais profunda dentro do Irão. Washington aproveitaria qualquer instabilidade interna no Irão como uma oportunidade para uma nova ofensiva.

Outras forças corporativas norte-americanas poderosas que têm muitos interesses na guerra e o militarismo tentarão muitas formas de sabotar mesmo esse tratado a curto prazo. Israel e a Arábia Saudita, como agente dependentes dos Estados Unidos, na região e cuja posição e milhares de milhões de dólares em equipamento militar se baseia no seu papel promotor de guerra e instabilidade, sentem-se ameaçados por qualquer forma de acordo com o Irão. Novas sanções do Congresso norte-americano poderiam por fim a essa distensão mínima.

Que ganha o Irão?

Logo após o acordo, os fabricantes franceses de automóveis Peugeot, Citroen e Renault, junto de representantes dos fabricantes de automóveis alemãs, sul-coreanos e japoneses, anunciaram que estavam a enviar executivos para uma conferência automotriz emTeherão em princípios de Dezembro, considerada o tiro de saída numa corrida de negócios pós-sanções.

Antes da última ronda de sanções internacionais imposta pelos Estados Unidos, a França enviou carros semiconstruídos para o Irão como uma oferta de desenvolvimento para montagem por empresas iranianas como a UIran Khodro e SAIPA:

Mais de 100 000 trabalhadores do ramo automóvel foram despedidos quando as sanções atacaram a maior indústria de manufactura do Irão, o que obrigou as fábricas a operar com menos de metade da sua capacidade.

O acordo de seis meses «terá um impacto muito rápido num sector que é uma grande fonte de emprego iraniana — e isso é mais do que simbólico», declarou Thierry Coville, um especialista sobre o Irão de IRIS, um centro francês de relações internacionais.

O Irão está a planear o que fazer para lá do acordo de transição por seis meses e está à procurar maneiras de ampliar os seus contactos para lá da Peugeot e da Renault para evitar restrições futuras ao comércio. Também há contactos na Câmara de Comércio Alemã-Iraniana. A Índia anunciou planos para acelerar um projecto em Chababar para obter acesso aos bens iranianos que vêm através do Afeganistão. A maior companhia farmacêutica da Turquia, Abdi Ibrahim, está a investigar a venda de medicamentos e acessórios médicos.
(Reuters, 29 de Novembro)

A longa luta do Irão pela soberania sobre os seus recursos e o seu futuro ganhará pelo menos um pouco de espaço nesta ronda de guerra diplomática. Se as negociações forem sabotadas o povo iraniano aprenderá pela sua própria experiência o que é o imperialismo.

Ao expor as numerosas dificuldades impostas pelas sanções anteriores, o movimento contra a guerra poderá sublinhar as tentativas de por fim a todas as sanções e ameaças de guerra contra o Irão.

17 de Dezembro de 2013.


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