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Narciso Isa Conde

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Em que está o socialismo do século XXI?

Narciso Isa Conde - Publicado: Quarta, 30 Junho 2010 02:00

Narciso Isa Conde

Refiro-me à ideia de um novo socialismo, diferenciado do chamado "socialismo real" ou "socialismo de Estado" em que devinhérom os formosos processos de orientaçom socialista iniciados a princípio do século XX na Europa Oriental e colapsados no final dos 80 e princípio dos 90.


Refiro-me à necessidade de umha resposta revolucionária superadora do capitalismo e muito particularmente da sua decadente era neoliberal, geradora de umha crise sistémica maior, até agora sem modelo de substituiçom diferente ao neoliberal dentro dessa ordem económico, político e social.

Refiro-me à ideia, que ainda que seriamente abordada e enriquecida desde o marxismo criador -muito especialmente desde o marxismo latino-caribenho- fosse catapultada com escassas definiçons ao início do presente século polo comandante Chávez, como tema a debater.

Passada umha década, na que esta ideia se projectou em grande escala, estimulando o debate e impactando em movimento transformadores convertidos em governos com vocaçom de mudança (Venezuela, Equador, Bolívia...), incluídas novas reflexons sobre a revoluçom cubana (situada ante o dilema derivado da crise do estatismo burocrático em crise: renovaçom socialista ou restauraçom capitalista), o exame do estado actual do "socialismo do século XXI" ou "novo socialismo", nom só é oportuno como também necessário para avançar em todas as ordens.

É evidente que a convocatória ao debate sobre o novo socialismo a partir de umha plataforma como o processo bolivariano da Venezuela e da influente liderança do comandante Hugo Chávez, nom só permitiu que muitas ideias já elaboradas se tenham projectado em maior escala, senom que se produzam novos e valiosos contributos sobre tam importante questom.

Isto ocorreu ao compasso da decadência do capitalismo neoliberal e do auge da onda de mudança progressista na nossa regiom.

A hegemonia neoliberal foi avariada principalmente polo processo para a revoluçom na Venezuela e as vitórias populares no Equador e Bolívia. Mas também -ainda que com mediatizaçons variadas e com auto-inibiçons significativas- através dos triunfos eleitorais do PT no Brasil, da Frente Ampla no Uruguai, do FSLN na Nicarágua, do FMLN em El Salvador, de Fernando Lugo no Paraguai e da derrota do menemismo e da direita conservadora em Argentina.

Esse contexto -precedido do auge das luitas sociais antineoliberais, do crescimento de umha parte da esquerda histórica previamente posicionada como alternativa eleitoral à partidocracia tradicional, da conformaçom de novas esquerdas políticas-sociais e do repunte de movimentos insurgentes como o colombiano e o mexicano- criou um estimulante clima para o avanço das ideias a favor de umha sociedade pós-neoliberal como entrada a umha nova transiçom socialista.

Na primeira fase é evidente que as definiçons e propostas alternativas crescêrom a velocidades e profundidades muito superiores às execuçons governamentais nesse teor.

As críticas e os protestos frente ao neoliberalismo hegemónico e ao capitalismo realmente existente, fôrom progressiva e aceleradamente acompanhadas de propostas superadoras, fórmulas de transiçom e definiçons sobre o socialismo que almejamos, em grande parte superadoras do estatismo burocrático e antidemocrático que colapsou no final do século XX.

Desmontagem do modelo neoliberal

Nesse ordem forom-se elaborando os seguintes eixos programáticos e de acçom:

1- Reconstruçom de sujeitos sociais e forças político-sociais alternativas, depois do fraccionamento e a dispersom causada em grande escala polo neoliberalismo. Criaçom por essa via de contrapoderes populares com vocaçom de poder nacional.

2- Desprivatizaçom do privatizado, tentando nom voltar ao estatismo centralizado sem controlo social e arroupado polo clientelismo e a corrupçom.

3- Reconstruçom dos Estados Nacionais para reverter a re-colonizaçom capitalista, o desmonte das políticas sociais e a apropriaçom das instituiçons polo grande capital privado trasnacional e as oligarquias locais. Ampliaçom da cobertura social em saúde, educaçom, recriaçom, soberania e auto-suficiência alimentar e saneamento ambiental.

4- Substituiçom das chamadas "áreas de livre comércio" dominadas por EUA e a Uniom Européia pola integraçom solidária latino-caribenha, nom subordinada às grandes potências capitalistas e as suas corporaçons.

5- Modelos produtivos em lugar de modelos especulativos e financeirizados a favor dos grandes bancos privados.

6- Cultura solidária destinada a contrarrestar o egoísmo, o individualismo e o "salve-se quem puder", que alimentam a delinqüência e a insegurança cidadá.

7- Democracia participativa e integral: económica, social, política, de género, cultural... fundada numha nova constituiçom produto de umha Constituinte Popular.

8- Soberania nacional e latino-caribenha, e internacionalismo emancipador.

Eixos da transiçom para um novo socialismo

Eles fôrom formulados em estreita relaçom e como continuidade das mudanças pós-neoliberales e concebidos como pontos de arranque e premisas de transformaçons mais radicais apoiadas nos seguintes pontos:

1- Socializaçom progressiva do poder através da profundizaçom da participaçom e a democracia directa, do controlo social e cidadao, do exercício do direito à revogaçom dos servidores públicos eleitos, da reduçom da burocracia. Progressiva extinçom do Estado e a sua substituiçom por um sistema autogerido polos povos, até criar associaçons de seres humhanos verdadeiramente livres.

2- Socializaçom paulatina da propriedade sobre os meios de produçom, distribuiçom e serviços, dos rendimentos e dos recursos naturais Traspasso, em consequência, do produto do trabalho e de todas as riquezas do país e a sociedade ao seu legítimo dono: o povo. Predomínio em perspectiva da propriedade colectiva e cooperativa, da autogestom e co-gestom e do planejamento descentralizada e democrática.

3- Processo de criaçom de um economia de equivalências -nom de mercado- baseada no intercâmbio de valores, medidos polos contributos em trabalho manual e intelectual necessários e nom pola lei da oferta e a demanda que determina os preços.

4- Saúde, educaçom, desporto e diversom com cobertura universal e gratuita.

5- Reduçom paulatina das horas de trabalho e alargamento do tempo para o desenvolvimento intelectual, a diversom sá e o deleite espiritual.

6- Liberdade de opçom sexual e restablecimento dos direitos dos seres humanos sobre o seu corpo.

7- Superaçom do patriarcado.

8- Desenvolvimento harmónico entre os seres humanos e o resto da natureza. Eliminaçom da dinámica produtiva geradora de riquezas mediante o empobrecimento dos seres humanos e a natureza toda.

9- Erradicaçom do adulto-centrismo.

10- Fim de toda discriminaçom racial baseada nos diferentes fenótipos humanos e de qualquer outra variante de exclusom e tratamento abusivo.

11- Plena liberdade para criar e condiçons para o fazer livremente.

12- Cultura e relaçons solidárias. Formaçom dirigida a criar e desenvolver novos seres humanos, livres de egoísmo e de toda tendência a afectar a integridade física e as condiçons de existência dos seus semelhantes.

13- Integraçom e cooperaçom entre os povos a nível continental e mundial. Criaçom da Pátria Grande libertada e de um mundo justo, livre de exploraçom, opressom, discriminaçom e penúrias.

Estes eixos, divididos nestes dous blocos com soluçom de continuidade, podem permitir avaliar os avanços e os atrasos, os lucros e os limites actuais, bem como as perspectivas, consolidaçons e riscos particulares dos diversos processos nacionais no contexto desta nova onda transformadora continental.

Essa tarefa é ardua e nom está recolhida neste artigo, antes destinado a estimular o exame detido e colectivo dos diferentes processos, as suas fortalezas e debilidades particulares; algo imprescindível para levar essa tarefa maior a bom termo.

Nos casos da Venezuela, Equador, Bolívia e Cuba -cujos gestores proclamárom a sua vocaçom socialista e as suas intençons de transitar para o socialismo- é válido fazer as comparaçons com a anterior hegemonia neoliberal como também entre os eixos da socializaçom enunciados e os lucros atingidos, bem como os atrasos e entraves e as possibilidades das superar.

O caso cubano, típica revoluçom popular sob influxos dos processos socializantes do século XX, é inverso à dos restantes países do continente: pois nom se trata da passagem do capitalismo neoliberal para o socialismo, e sim da superaçom do seu devir estatista e da conseguiente hipertrofia do poder centralista e burocrático, à necessária democratizaçom socialista em todas as vertentes.

Em Cuba o problema nom é a grande propriedade privada capitalista já felizmente expropriada, nem as modalidades próprias do capitalismo dependente latino-caribenho, nem a recolonizaçom neoliberal já recusadas, senom a falta de socialismo participativo, democrático e autogestionário no caminho para ele. Por isso merece um tratamento bem diferenciado.

Nos casos de Brasil, Uruguai, Argentina, Nicarágua e El Salvador teria que ver em que medida as mudanças realizadas pode atingir as metas referidas na luita contra o neoliberalismo; se eles tenhem ou nom possibilidades de avançar nos eixos programáticos alternativos ao neoliberalismo, próprios de um processo pós-neoliberal, para depois garantir a sua continuidade para processos de orientaçom socialista. No Chile, de um neoliberalismo atenuado e combinado com políticas sociais mais avançadas da administraçom da Bachelet, voltou-se ao conservadorismo de extrema direita.

Em todos eles há que medir o estado das forças da mudança e das que se lhe oponhem, a correlaçom de forças e as suas tendências actuais, as perspectivas de avançar ou nom a partir das reformas sociais às mudanças revolucionárias.

Medir as condiçons desfavoráveis ou favoráveis à profundizaçom e ampliaçom das transformaçons necessárias, bem como a maneira de contrarrestar as correntes negativas em tempos prudenciais.

Medir a relaçom entre as palavras e os factos, entre neoliberalismo e pós-neoliberalismo, entre reformas avançadas e revoluçom, entre o capitalismo como realidade e o socialismo como intençom, entre proclamas e realidades.

Isto é vital para evitar que a nome da revoluçom só se fagam reformas, reordenamentos e redistribuçons que nom remontam o capitalismo. Que a nome do socialismo só se tentem fórmulas parecidas às que no passado implementou a socialdemocracia pró-capitalista e que a nome do anti-neoliberalismo se implemente um neoliberalismo light e/ou combinado com audazes políticas assistencialistas, modernizaçons e mecanismos limitados dirigidos a produzir só efeitos passageiros na distribuiçom dos rendimentos, no combate à pobreza e na democratizaçom política.

Relaçom entre as mudanças e os tempos

Em todos os casos teria que avaliar os tempos perentórios e os níveis de legitimaçom dentro deles em funçom do desgaste e dos graus de popularidade próprios da cada processo, bem como os riscos que estám à espreita para os reverter.

É claro que os tempos e as velocidades de desgaste variam por países e situaçons particulares. Mas é claro também que no longo prazo se relacionam com a conseqüência ou nom na execuçom das referidas linhas programáticas e de acçom e com o cumprimento ou nom das expectativas criadas.

O passado desastroso a cargo da direita ajuda a ganhar tempo e a manter apoio de base ainda com mudanças muito limitadas, ainda sem abordar a desmontagem em profundidade do neoliberalismo e ainda dilatando ou mediatizando a socializaçom.

Mas igual umha dilaçom excessiva e um desvio significativo dessas metas poderia traduzir-se a meio e longo prazo em perda de apoio e em recuperaçom política das direitas.

De algumha maneira comportamentos insatisfatórios tenhem estado presentes tanto naqueles processos com metas limitadas à busca de modelos diferentes ao neoliberal -ainda que estaria por ver-se se em perspectivas isso pode ser possível sem executar transformaçons anticapitalistas- e também no dos governos formalmente comprometidos com vias anticapitalistas e pró-socialistas.

Uns expressam mais consequências que outros em ambas coordenadas da transformaçom e em funçom disto, dos tempos, dos níveis de desgastes e dos graus de respaldo da sociedade, diminuem ou aumentam os riscos de retrocessos e de contrarrevoluçom.

Em isto também influem as capacidades das direitas antirreformas e contrarrevolucionárias em cada país, como as características das lideranças populares e das esquerdas.

Mas de qualquer jeito vale examinar a profundidade em cada caso a situaçom real e vale alertar sobre os riscos propostos, já que de jeito nengum se deixariam de pagar elevados custos se as expectativas geradas nom se traduzem em factos contundentes que as avalizem em espaços de tempo idóneos.

Os povos tarde ou cedo castigam as inconseqüências, os estancamentos e os desvios.

As esperas tenhem os seus limites, mais ainda que no meio desta crise sistémica do capitalismo o dilema de novo socialismo ou barbárie toca com força às portas das nossas sociedades.

Só aprofundando o desmonte do neoliberalismo e acelerando a socializaçom, se cair -antes superando sempre- a simples estatizaçom, a fusom partido-estado-organizaçons sociais, a centralizaçom extrema e a democracia estritamente representativa, se pode garantir a derrota estratégica das direitas e o triunfo das novas revoluçons.

Só avançando o mais rapidamente para um socialismo participativo, democrático e pluricultural se podem diminuir e inclusive se eliminar os riscos do retrocesso.

E isto é válido tanto para os países impelidos a superar o neoliberalismo e o capitalismo para avançar para o novo socialismo, como nos que o estatismo-burocrático se constituiu em umha trava para socializar e democratizar a sociedade, à luz das experiências históricas do século XX e do que vai do XXI.

No meio prazo, ou avançamos para as novas democracias e os novos socialismos ou nos expomos aos novos retrocessos políticos propostos em forma ameaçante nas agendas de Obama, os poderes imperialistas, as oligarquias e as partidocracias pró-capitalistas.

Nom há outra hipótese. Entendamo-lo assim.

Fonte: Primeira Linha em Rede.


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