Na questão linguística é óbvia a falta de democracia. Há uma língua oficial, o castelhano; três línguas co-oficiais com o castelhano em parte das Comunidades Autónomas ('galego', catalão e eusquera); e ainda línguas 'regionais', com algum reconhecimento local mas nenhum reconhecimento nacional (asturo-leonês, aragonês e ocitano, no norte, e o amazigh e árabe, em Ceuta e Melilla). Aquando da instauração do moderno Estado espanhol, instituiu-se a co-oficialidade das três línguas circunscritas às fronteiras das três Comunidades Autónomas que lhe deram nome. Com algumas exceções. O catalão é a língua co-oficial da Catalunha, das Ilhas Baleares e da Comunidade Valenciana (sob o nome parvo de 'valenciano'); o eusquera é co-oficial em Euscadi e na porção norte de Navarra.
E é esta a sensibilidade linguística do Governo de Madrid. Os habitantes da Franja (Aragão) e do Carxe (Múrcia), fora das Comunidades catalonófonas mediterrânicas mas falantes de catalão desde há séculos, não têm direitos linguísticos reconhecidos. E apenas uma língua oficial: o castelhano. O mesmo sucede com os falantes de 'galego' (português de Espanha) dispersos pelas províncias de Leão, Oviedo, Zamora, Salamanca, Badajoz e Cáceres. Todos partilham a raia galego-portuguesa, e a negação dos seus direitos linguísticos.
As justificações de Madrid são óbvias. Por um lado, a questão contabilística. Se os falantes de uma língua que não o castelhano numa determinada região apresentam uma percentagem mínima da população ou números totais irrisórios (casos do aragonês e do asturiano), independentemente das razões que levaram a tal, não há co-oficialidade para ninguém. Há também a questão geográfica. Depois da separação oficial do 'galego' do português (anos oitenta do século vinte), o interesse linguístico de Madrid circunscreveu-se à fronteiras oficiais da Galiza. Qualquer uma das áreas fora da Galiza onde se fala o português de Espanha tem continuidade geográfica quer com a Galiza quer com Portugal, mas situam-se em países / Comunidades Autónomas diferentes, e por isso não há reconhecimento algum. O mesmo para o catalão. Continua a batalha dos conservadores para separar o catalão do valenciano, e os falantes de catalão fora das zonas de oficialidade fodem-se. Direitos linguísticos, nicles.
E tudo isto por causa do Vale de Aran, na Catalunha. Os catalães ganharam nos últimos anos uma imagem pública negativa no que toca à língua. Vou ouvindo estórias de patrões que falavam catalão entre si, de gente comum a soar arrogante na reinvidicação dos seus direitos linguísticos. É verdade, os catalães são por vezes arrogantes. Mas são também falantes de uma língua em risco, com um alto grau de substituição nas camadas mais jovens, cerceada por Espanha e os seus falantes. O que espero é que os meus leitores nunca tomem esta atitude por algo mais que uma luta pela sobrevivência. Contra o castelhano. Os catalães, como acabaram de provar em Aran, são mesmo pelo pluringuismo. Em cada comunidade, a sua língua própria.
A comunidade de falantes do ocitano no Vale de Aran é pequena, preenchendo no entanto uma franja considerável da população. A Generalitat decidiu tornar o ocitano, na sua variante aranesa, a terceira língua oficial do Principado. Sem mais. Para além de se passar a poder "utilizar-se em todas as administraçons e na justiça", passa também a ser "a «língua preferente» em Arám, no seu sistema educativo e na toponímia oficial.". O catalão é a língua preferente em toda a Catalunha, mas os catalães, esses 'arrogantes', prescindiram dessa regalia onde acharam não ter o direito histórico de o fazer. Um sinal de boa-vontade, mas acima de tudo um sinal de democracia.
Fonte: http://www.nunogomeslopes.com