1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 (0 Votos)
Ana Barradas

Clica na imagem para ver o perfil e outros textos do autor ou autora

Em coluna

Clara Zetkin, a pioneira

Ana Barradas - Publicado: Quarta, 12 Mai 2010 02:00

Ana Barradas

É na acçom pioneira de Clara Zetkin que se pode encontrar a matriz original do modelo de feminismo adoptado polos partidos comunistas no período efémero que vai desde o início do século XX até a contra-revoluçom estalinista. Foi graças ao seu voluntarismo e acçom afirmativa que o 8 de Março passou a simbolizar a luita pola emancipaçom feminina.


Com efeito, foi por proposta de Clara Zetkin que o 8 de Março foi proclamado o Dia Internacional da Trabalhadora polas mais de 100 mulheres de 17 países presentes na 2ª Conferência Internacional de Mulheres Socialistas em Copenhaga, em 1910 : "As socialistas de todas as naçons organizarám um Dia da Mulher específico, cujo primeiro objectivo será promover o direito de voto das mulheres. É preciso discutir esta proposta ligando-a à questom mais ampla das mulheres numa perspectiva socialista".

A 8 de Março de 1911, um milhom de mulheres manifestárom-se sob os lemas "O direito ao voto para as trabalhadoras" e "Unir forças pola luita polo socialismo" na Alemanha, Áustria, Dinamarca e Suíça. Nesse mesmo ano, em Portugal, a médica Carolina Beatriz Ângelo, presidente da Associaçom de Propaganda Feminista, viúva e mae, votou nas eleiçons para a Assembleia Constituinte da República recém-instituída, invocando a sua qualidade de chefe de família, o que provocou a posterior alteraçom da lei, reconhecendo o direito de voto apenas aos homens.

Nessa altura Clara Zetkin era já umha figura respeitada, secretária internacional das mulheres socialistas e chefa de redacçom do prestigiado jornal feminino Die Gleichheit (A Igualdade). Já em 1907 e apesar de, dentro da Internacional, se levantar umha oposiçom sistemática ao voto feminino, visto como umha forma de desviar as forças revolucionárias das mulheres e considerado como umha reivindicaçom burguesa, as 58 delegadas de 14 países reunidas em 1907, em Stuttgart, na Alemanha, na 1ª Conferência Internacional das Mulheres Socialistas, encabeçadas por Clara Zetkin, Rosa Luxemburgo e Alexandra Kollontai, tinham elaborado umha moçom que comprometia os partidos a envolver-se na luita polo voto feminino.

A 8 de Março de 1917 (23 de Fevereiro no calendário russo), as mulheres de Petrogrado saírom às ruas a exigir pam e paz. Ao juntar-se ao meio milhom de trabalhadores em greve -entre as quais as tecelás, costureiras e operárias têxteis- esta manifestaçom maciça de mulheres foi decisiva para obrigar o czar a abdicar e para desencadear a Revoluçom de Fevereiro.

Desde entom, o Dia da Mulher, com as suas palavras de ordem feministas, ficou consagrado nos partidos comunistas como dia de luita pola emancipaçom feminina. Estava demonstrado que as trabalhadoras se podiam organizar sob bandeiras próprias, ampliando assim a luita do proletariado. A organizaçom feminina dos socialistas alemáns dirigida por Clara Zetkin era o principal exemplo polo qual se guiava o movimento internacional.

Desde entom, duas conquistas principais ficárom adquiridas até os dias de hoje: o princípio emancipador do trabalho da mulher fora do lar e o direito de voto.

Burguesas e operárias

O que distinguia este movimento das comunistas dos restantes na Europa e nas Américas -na altura muito activos mas implantados sobretodo na pequena burguesia- era que as revolucionárias insistiam em que só o proletariado estaria em condiçons de criar as condiçons para a emancipaçom feminina, através do comunismo. Segundo elas, existe umha ligaçom inquebrantável entre a posiçom social e humana da mulher e a propriedade privada dos meios de produçom. Ao salientar este dado objectivo, as comunistas traçavam umha forte linha de demarcaçom com o movimento burguês pola libertaçom. Ao mesmo tempo, passavam a dispor de umha base para analisar a questom feminina como parte integrante da questom da classe operária e para a associar firmemente à luita de classes e à ideia da revoluçom.

Definiam o feminismo comunista como um movimento de massas integrado no movimento geral, nom só dos proletários, mas de todos os explorados e oprimidos, de todas as vítimas do capitalismo ou da classe dominante. Daí derivava a noçom do grande significado que teria o movimento feminista para a luita do proletariado e a sua missom histórica: a criaçom de umha sociedade comunista. Embora orgulhosas de terem nos seus partidos a fina-flor das revolucionárias, as comunistas sabiam que o decisivo era ganhar para essa luita pola emancipaçom milhons de trabalhadoras das cidades e dos campos que viessem em perceber que a construçom de umha sociedade comunista seria a sua salvaçom. Sem essas mulheres, nom poderia haver um verdadeiro movimento de massas.

Segundo um relato de Clara Zetkin, o próprio Lenine comentou um dia com ela, em 1920: "Temos de combinar o nosso apelo político à consciência das massas femininas com os sofrimentos, as necessidades e os desejos das trabalhadoras. Todas devem saber o que a ditadura do proletariado significará para elas: a total igualdade de direitos com os homens, quer legais, quer na prática, na família, no Estado e na sociedade, e que isso corresponderá também ao aniquilamento do poder da burguesia".

O movimento sufragista burguês nom tinha umha perspectiva tam grandiosa, em nada o preocupava a libertaçom social das operárias e nunca aprofundava a análise das causas da desigualdade dos sexos, pois lhe escapava a noçom de que o sistema capitalista era o gerador de todo o feixe de contradiçons contra as quais se insurgia. Apesar da sua pujança e projecçom de massas, nesse aspecto estava muito mais atrasado do que o feminismo socialista.

Embora partilhando em muitos aspectos a sua condiçom de oprimidas, de facto as mulheres estám separadas entre si polas suas respectivas classes, cujos interesses se revelam intransponíveis, patroas e assalariadas nunca se poderiam irmanar em todo, antes se haveriam de opor justamente por causa das posiçons antagónicas em que se encontravam do ponto de vista social.

No relato já citado de umha conversa com Lenine, Clara conta como lhe expujo a sua ideia de propor ao congresso das mulheres socialistas que se iria realizar em breve. Tratava-se de chamar a umha grande reuniom internacional nom só as militantes dos partidos comunistas, mas também muitas outras que se destacavam na luita polos direitos das mulheres: as líderes das operárias organizadas nos respectivos sectores laborais, as trabalhadoras envolvidas em temas políticos ou sociais, todas as organizaçons das mulheres burguesas, independentemente do seu pendor, e por fim professoras, médicas, escritoras e outras figuras de destaque.

O congresso, que devia ser um "corpo representativo popular", discutiria primeiro o direito de acesso das mulheres a todas as actividades e profissons. Ao entrar por este tema, automaticamente levantaria outras questons: desemprego, salário igual para trabalho igual, jornada de trabalho de oito horas, protecçom laboral para as mulheres, organizaçom de sindicatos, assistência social às maes e crianças, medidas sociais para aliviar a carga de trabalho e responsabilidades das maes e donas de casa, o estatuto da mulher no casamento, na legislaçom sobre a família e nas leis em geral.

Quando Lenine lhe perguntou se tinha a certeza de que as comunistas seriam capazes de sustentar esse debate com as nom comunistas -que estariam em superioridade numérica e eram feministas muito batidas na luita política, com grande prestígio e poder de argumentaçom- Clara respondeu-lhe que sim, desde que se providenciasse umha boa preparaçom prévia e trabalho de equipa, porque além disso tinham a seu favor a admirável experiência da revoluçom na Rússia no que tocava à emancipaçom das mulheres. E concluiu: "Mesmo que as nossas propostas nom sejam aprovadas, o simples facto de que termos travado esse combate porá o comunismo num primeiro plano e terá um grande efeito em termos de propaganda. Além disso, irá dar-nos pontos de partida para um trabalho subseqüente".

Infelizmente a ideia de Zetkin nom mereceu a aprovaçom da reuniom das mulheres socialistas, sobretodo por causa da oposiçom das delegadas búlgaras e alemás, que dirigiam os maiores movimentos de mulheres comunistas fora da Uniom Soviética. Quando mais tarde Clara informou Lenine desta decisom, este comentou: "Que pena, que grande pena! As camaradas perdêrom umha excelente oportunidade de dar umha nova e melhor perspectiva de esperança às massas de mulheres e assim atraí-las para as luitas revolucionárias do proletariado. (...) Sem a actividade organizada das massas sob liderança comunista nom se pode vencer o capitalismo e construir o comunismo. É por isso que as massas femininas ainda adormecidas tenhem de ser finalmente postas em movimento".

As mulheres, a guerra e a luita antifascista

Na primeira década do século XX, começavam a acumular-se as tensons que iriam dar origem à Primeira Guerra Mundial. O Congresso Internacional Socialista de Sttutgart de 1907 foi aquele em que Lenine, Rosa Luxemburgo e Martov travárom um debate aceso sobre a necessidade de os comunistas nom apoiarem as tendências belicistas das suas burguesias. Infelizmente, o movimento dos partidos comunistas da época orientava-se já no sentido do social-patriotismo.

Em 1912, no Congresso Socialista Internacional realizado em Basileia, Clara Zetkin fijo um apelo às mulheres para que luitassem contra este ambiente e se manifestassem claramente contra a guerra.

Quando em 1914 e os deputados comunistas se prontificárom a votar nos respectivos parlamentos a favor dos créditos de guerra que permitírom o desencadear do conflito, Clara Zetkin aderiu sem hesitar à facçom espartaquista de Rosa Luxemburgo e bateu-se pola defesa dos ideais internacionalistas, proletários e revolucionários.

Em 1915, declaradas as hostilidades, Clara organizou a primeira Conferência Internacional das Mulheres pola Paz, em Berna, num país neutro, onde pola primeira vez se lançou a palavra de ordem da guerra revolucionária à guerra imperialista, se exigiu o fim das hostilidades e umha paz sem anexaçons nem conquistas. Foi umha das iniciativas mais importantes do período da guerra e foi também a partir daqui que se cavou a divisom que depressa se iria tornar patente entre os movimentos socialista e comunista, o primeiro a favor do apoio ao esforço de guerra, o segundo jurando combater todas as acçons belicistas.

Como principal dinamizadora da Conferência Internacional, Clara passou a ser alvo da atençom da polícia, juntamente com os seus companheiros da ala esquerda do SPD (o partido comunista alemám), os espartaquistas, o que a obrigou a passar à clandestinidade. Nem por isso se coibiu de criticar a orientaçom política do seu partido, afirmando: "A maior parte da social-democracia alemá nom constitui hoje um partido proletário, um partido socialista de luita de classe, mas um partido reformista, um partido nacionalista que se entusiasma com as anexaçons e conquistas coloniais". Acusada polos dirigentes do SPD de violar os estatutos do partido, em Julho de 1915 foi presa e acusada de alta traiçom.

Nom obstante a repressom exercida polas autoridades e polos seus antigos companheiros de partido sobre os espartaquistas, Clara persiste nas suas posiçons, apesar de em 1917 ter de abandonar a direcçom do jornal Gleichheit que fundara em 1891 por, segundo se alega, nom seguir "a linha política do partido".

Em Novembro de 1917 fundou o suplemento feminino do jornal espartaquista Leipziger Volkezeitung, e em 1920 foi eleita presidente do Movimento Internacional de Mulheres Socialistas. Participou nas jornadas revolucionárias de Janeiro de 1919 em que fôrom assassinados os seus melhores amigos, Rosa Luxemburgo, Karl Liebknecht e Leo Jogiches.

Em 1921, eleita para o comité executivo da III Internacional, denunciou o reformismo da direcçom social-democrata e acusou-a de nom luitar com a devida energia contra a sociedade capitalista.

Fundado o Partido Social-Democrata Independente Alemám (USPD) a partir da ala de esquerda, entre 1920 e 1932 representou-o como deputada no Reichstag. Quando os nazis subírom ao poder em 1933, na sua última intervençom no parlamento fijo um apelo à unidade contra o fascismo.

Obrigada a exilar-se na Rússia -onde viveu um ano antes de morrer- adaptou-se ao estalinismo e, à semelhança de Nadezha Krupskaya, viúva de Lenine, transformou-se numa prestigiada figura simbólica.

Depois de Clara Zetkin

Na luita feminista, Clara tivo como discípulas de destaque Rosa Luxemburgo e Alexandra Kollontai. Ambas prosseguírom o seu combate na teoria e na prática. A primeira tivo pouco tempo de vida e nunca pudo realizar todo o seu potencial. A segunda destacou-se entre todas como a mais capaz de encontrar, a partir das condiçons objectivas e com base nas premissas marxistas, o fio condutor teórico a seguir polos comunistas para fazer avançar a causa feminista. Como Comissária do Povo do regime bolchevista, realizou umha obra social e política notável e produziu literatura institucional, literária e teórica de grande valor. Ainda hoje é preciso recorrer a ela para encontrar resposta a muitos dos problemas que se colocam na abordagem comunista às questons do feminismo.

Lenine sintetizou bem o trabalho realizado: "Estamos a organizar cozinhas comunitárias e refeitórios públicos, lavandarias e oficinas de reparaçons, creches, infantários, lares para crianças e todo o tipo de instituiçons. Em suma, estamos muito empenhados em corresponder aos requisitos do nosso programa no sentido de transferirmos as funçons domésticas e educativas do ámbito individual e caseiro para a sociedade. A mulher vai assim sendo libertada da sua velha escravatura doméstica e de toda a dependência em relaçom ao marido. Passa a ter a capacidade de dar livre curso às suas aptidons e inclinaçons. As crianças passam a ter oportunidades de desenvolvimento melhores do que em casa. Em relaçom à mulher, temos a legislaçom mais progressista do mundo e ela é posta em prática por representantes legítimos dos trabalhadores organizados. Estamos a abrir maternidades, casas para mulheres e crianças, centro de saúde materna, cursos de cuidados neonatais e infantis, fazemos exposiçons sobre cuidados maternos e infantis, e coisas assim. Esforçamo-nos ao máximo para prestar assistência a mulheres necessitadas e desempregadas".

Se nos alongámos na citaçom, foi porque quigemos mostrar a importâáncia que Lenine dava a estes avanços e pôr em contraste esta atitude e situaçom com os tempos actuais, em termos estruturais muito mais gravosos para as mulheres e com tendência a piorar, tanto na esfera do trabalho como na vida privada.

As conquistas feministas da Revoluçom de Outubro estavam na continuidade da linha internacional sobre a emancipaçom feminina e continham o germe de umha verdadeira transformaçom futura. Todo esse processo foi interrompido e posto de lado pola contra-revoluçom estalinista, que retomou o essencial da velha ideologia patriarcal, adaptando-a aos interesses da nova burguesia surgida no regime pós-leninista.

Também no Ocidente nom deixou de se agravar desde entom a opressom patriarcal e a exploraçom no trabalho. Persiste a dependência da mulher, mesmo nos países onde se alcançou algum desenvolvimento económico.

Nom se pense pois que foi por mero acaso que em 2007, a 18 de Março, se assistiu à demoliçom no bairro Noerrebo de Copenhague do edifício em que Clara Zetkin e outras proclamárom o 8 de Março como Dia da Mulher Trabalhadora.

Fonte: Abrente.


Diário Liberdade é um projeto sem fins lucrativos, mas cuja atividade gera uns gastos fixos importantes em hosting, domínios, manutençom e programaçom. Com a tua ajuda, poderemos manter o projeto livre e fazê-lo crescer em conteúdos e funcionalidades.

Microdoaçom de 3 euro:

Doaçom de valor livre:

Última hora

Quem somos | Info legal | Publicidade | Copyleft © 2010 Diário Liberdade.

Contacto: info [arroba] diarioliberdade.org | Telf: (+34) 717714759

Desenhado por Eledian Technology

Aviso

Bem-vind@ ao Diário Liberdade!

Para poder votar os comentários, é necessário ter registro próprio no Diário Liberdade ou logar-se.

Clique em uma das opções abaixo.