É agora encarado como uma quase certeza o fim do euro, a constituição de uma nova união em que os Estados membros teriam estatutos diferenciados e seriam tutelados por um núcleo duro centrado na Alemanha, para o qual seria transferido o que ainda resta da soberania dos Estados que o não integrassem. Por isso, no nosso país, tornou-se comum ver os protagonistas do "centrão" - que ainda não há pouco tempo pediam meças aos seus adversários sobre patriotismo, defesa do orgulho e interesse nacional - acharem natural que sejam a Alemanha e a França a ditar os orçamentos, as políticas e as leis nacionais, o que deve constar ou não nas constituições de cada Estado e que, por via disso, se esvaziem e secundarizem os parlamentos e o voto popular. Porque, dizem com a sua lógica de serviçais, quem deve só tem que obedecer.
Mas mais importante que a incapacidade da cimeira para avançar uma única ideia ou medida de saída da crise e relançar o crescimento económico, assunto que preocupa as oposições e os apoiantes mais lúcidos das medidas da troika, é perceber que, a par da inépcia dos que mandam na União Europeia, decorre um outro processo no seu seio: a aceleração da concentração capitalista e do poder.
A cimeira, pese o seu fracasso, sancionou, na prática, o fim do directório que mandava de facto na União Europeia até ao agravamento da crise, constituído pela Alemanha, França, Inglaterra e Itália, e a sua substituição, para já, pelo eixo germano-franco. Merkl e Sarkozy há muito que decidem em privado, dão ordens e falam em nome da UE, não se preocupando com as aparências e ignorando o ECOFIM. Foi este o resultado substantivo da cimeira, onde só a Inglaterra não aceitou ser reduzida a um papel menor.
Significa isto que a UE que conhecíamos, de matriz social-democrata e democrata-cristã, tem os dias contados. E que em seu lugar está a ser construída outra Europa, mais neoliberal e fortemente centralizada ao nível económico e político. Estamos a entrar numa nova fase da "construção europeia", mais violenta e selvagem, de aceleração da concentração capitalista tendo por pólo a Alemanha. Aceleração propiciada pela crise que, ao debilitar de forma desigual as economias dos Estados, desfez o anterior equilíbrio de forças e de relações económicas, criando e/ou agravando velhas e novas dependências.
As políticas de recessão e empobrecimento impostas pela Alemanha e a França não são só fruto da ignorância económica e da baixa qualidade política de Merkl e Sarkosy, como se tornou comum dizer. Há nelas uma lógica e uma intenção: através da imposição de medidas recessivas, forçar os Estados "ajudados" a contrair novos empréstimos, sucessivamente, para pagar uma dívida que não cessará de crescer. E com isso provocar a transferência de riqueza dos países endividados para os credores, tal como a posse das estruturas produtivas. É o que já está a ser feito com o pagamento das dívidas e as "privatizações", e o porquê da agiotagem praticada com imposição de exorbitantes taxas de juro aos países em ruptura financeira.
A UE está de pantanas e poderá esfrangalhar-se, não se sabendo qual vai ser o seu futuro e o da moeda única. O que necessariamente não significa um retrocesso (será, isso sim, um grande tropeção) na tentativa de edificar um imperialismo europeu, nem a interrupção do processo de concentração capitalista a ela associada. A dar-se o colapso, como as coisas parecem indicar, a "união" reaparecerá sob outra forma, sob pena de a Europa Ocidental entrar em declínio. Aquilo que se perfila no horizonte é uma nova "união", ao estilo imperial, com um núcleo restrito de países a exercer diktat sobre os restantes, que verão a sua soberania reduzida de acordo com o grau de debilidade e peso económico de cada um. O que, no caso de Portugal, Grécia, Irlanda e outros poderá significar a redução ao estatuto de colónias ou protectorados.
Perante este quadro, os trabalhadores não têm que defender "políticas patrióticas e de esquerda", a "economia nacional" e o "sector empresarial do Estado", nem "uma outra Europa" com "mais democracia", como lhes propõem o PCP e o BE. Se o fizerem, mais uma vez não estarão a lutar pelos seus interesses de classe, mas a atrelar-se aos do pequeno capital nacional, do pequeno e médio patronato que vai ser esmagado e arruinado neste processo. Esta tem sido a via seguida, desde antes da integração do país na então CEE, com resultados desastrosos para o mundo do trabalho.
Os trabalhadores não têm outra Europa e pátria a defender que não seja as que resultem do derrube e expropriação da burguesia e da eliminação do capitalismo. Deve ser este o fio condutor de toda a sua luta sindical e política.