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Celso Álvarez Cáccamo

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Como Apostatar de NCG (uma crónica)

Celso Álvarez Cáccamo - Publicado: Segunda, 10 Outubro 2011 23:55

Celso Álvarez Cáccamo

Acabei de exercer o meu direito, reconhecido constitucionalmente, de deixar de pertencer à igreja NCG. Ainda sou membro de outras (bancos, companhias telefónicas, multinacionais informáticas, cárteis da desinformação), mas é difícil abandonar todas as fés abruptamente sem algumas recompensas.


A minha apostasia, além, foi delegada, também em nome da minha companheira: era uma conta nossa da igreja NCG que mantínhamos fielmente durante décadas para ir alimentando as indemnizações milionárias dos nossos hierarcas. Agora que estas já foram cobradas, a nossa missão está cumprida.

O procedimento de apostasia é rápido, mas não isento de passagens surreais que tornam a nossa imensa Resistência Cívica em curiosos atos memoráveis. Os empregados da igreja NCG, como os curinhas, são simples representantes de poderes superiores: "Ao fechar uma conta, cobram-che a comissão de manutenção, pro-rateada" (virá de "rato"?). "E isso está estipulado?", inquiro. "Não sei, estará no contrato". Ah. O Desconhecimento das Leis Não Exime do seu Cumprimento. No caso de NCG, a comissão era nada menos que 15 euros por semestre, isto é, 30 por ano, suficientes para uma boa ceia de aquelarre. Olho para o papelinho: "Cobram-me 10 euros por manutenção, é demais". "Eu não sei, é o que diz a máquina". Ah: A Máquina -- por fim compreendo. A Máquina é a máxima conselheira delegada do Reino de Deus na terra da finança. Está programada para ratear a nossa vida inteira com exactidão. Seria ingénuo protestar: tem por detrás o sistema judicial do mundo. Bom, aceito doar os últimos 10 euros a qualquer pobre executivo de NCG, para o seu uisquinho.

"Ah", esclareço ao acólito bancário. "A outra titular da conta também deve ter um cartão de débito". "Pois seria bom que o trouxesse por aqui, para dá-lo de baixa". O diálogo que segue manifesta o carácter inescrutável da programação da Máquina. "Por que devolvê-lo?", pergunto, "se a conta já não existe. Não poderá utilizá-lo". "É que quando expire o cartão atual, em 2013, vão-lhe mandar [Eles, de novo] um cartão novo, e intentarão cobrar-lhe". "Mas não haverá dinheiro!". Escapa-me como se pode enviar um plástico não solicitado para um freguês já inexistente, a um endereço que já não deveria constar na Máquina, e procurar cobrar-lhe. Citação judicial? Embargo de bens? Persecução policial? Acho que a explicação (que nem a Máquina nem o acólito compreendem bem) é singela: se a pessoa apóstata entrega voluntariamente todos os seus signos de fé bancária, a igreja poupa os quartinhos dum novo cartão inútil. Pouparem (Eles), é a palavra. Outro uísque, por favor.

Saí do local, devidamente apostatado, com aquela sensação de limpeza interior que sentia quando, de meninho, tragava cada domingo uma obreia de pão insulso diante de Deus e o seu lacaio. Deve ser que hoje, na madurez do cérebro e da pele, a anti-fé rebelde é o mais semelhante à Fé verdadeira que se conhece. Sob um sol inusual que nos faz acreditar noutras terras, toquei no bolso um feixe de euros sólidos, efémeros vestígios da minha pertença a esse pedaço dum mundo que colapsa. Restam-nos muitas abjurações, sem dúvida. Tempo ao tempo, não é fácil. Talvez nunca se consiga. Mas é com atos minúsculos que se aprende a imaginar um país interno soberano.

10 de outubro de 2011


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