Passada a surpresa e a desorientação inicial perante as revoltas que derrubaram os ditadores "bons" da Tunísia e do Egipto, a "comunidade internacional" parece ter recuperado e voltado a tomar as rédeas da nova ordem internacional. Ao que tudo indica ainda não vai ser desta vez que os povos do norte de África e Médio Oriente vão subverter as vassalagens geoestratégicas das suas classes dominantes e privar-nos do gás natural e do petróleo que sustenta o bem-estar e o progresso das "nossas" democracias e faz a miséria desses povos ricos em matérias-primas.
Mas se as potências coincidem e cooperam neste ponto, o de controlar e encaminhar as revoltas populares mantendo sob seu controlo os recursos energéticos, isso está longe de significar que nesta guerra de influências e domínio geoestratégico elas não travem uma outra guerra, entre si, para enfraquecer a posição do aliado e reforçar a sua. Só assim (para além das debilidades militares das potências europeias face aos EUA, que no caso líbio as obrigaram a todo um conjunto de manobras para comprometer Obama com mais uma guerra que a França, Inglaterra, Itália, Alemanha sabem não estar capazes de travar sozinhas) se compreende a intervenção da NATO na Líbia, mas não na Síria; o apoio que estão a dar aos regimes ditatoriais do Iémen, e principalmente do Baharaine, e a pressão sobre os ditadores amigos de Marrocos, Argélia e Jordânia para que façam reformas democráticas que não sejam só de fachada e antecipem algumas reivindicações populares. E que relativamente à Tunísia e ao Egipto tenham começado a canalizar avultados meios financeiros e a disponibilizar toda a sorte de "conselheiros" para ajudar a democratizar esses países.
Contrariamente ao esperado pela "comunidades internacional" a agressão da NATO à Líbia, vendida como mais uma "guerra humanitária" de defesa das populações civis, somada ao apoio político e aos milhões que têm sido canalizados para os rebeldes líbios, não está a resultar. Kadafi resiste e a guerra parece ter entrado num impasse, ameaçando eternizar-se. O que a acontecer vai obrigar ao seu recrudescimento, dado que o gás natural e o petróleo líbio são demasiados importantes para que as potências ocidentais possam abrir mão deles. Os ataques aéreos, no final de Junho, a alvos civis podem indiciar a vontade de alguns países agressores inicirarem uma escalada na guerra, apostando no terror para minar a base de apoio de Kadafi. Ponto de vista que está longe de ser consensual entre os agressores, principalmente os europeus, que temem o arrastamento do conflito, o que a acontecer os colocará na total dependência dos EUA, a única potência com capacidade militar para continuar o conflito. Daí que a França (tal como a Itália), que começou por ter uma postura de enorme ferocidade e intransigência face a Kadafi, tenha recentemente passado a defender a moderação e a solução não militar do conflito através de um compromisso entre "rebeldes" e Kadafi. Dadas as divergências surgidas no seio da NATO, nas câmaras de deputados e representantes dos EUA, e entre os países europeus devido à duração e ao impasse da guerra, às vítimas civis que os bombardeamentos estão a provocar, a opção da invasão terrestre pode vir a ser colocada como forma de resolução rápida do conflito, uma vez que forças anti-Kadafi não estão a dar conta do recado. Depois do Afeganistão e do Iraque, os imperialismos norte-americano e os seus aliados europeus parecem caminhar para novo atoleiro.