Além disso, como a política não é uma ciência exata, convém ver "em cabeça alheia" os resultados da linha que se propõe como a melhor, sobretudo se se pensa na construção do socialismo e se fala de "aprofundamento" do mesmo (que, por outra parte, ainda não existe).
Ora bem, no momento em que Cuba tenciona adaptar os modelos chinês ou vietnamita, o Vietnã, apesar de todas as restrições ao direito de greve, sofre uma onda crescente e sem precedentes de conflitos sindicais espontâneos (pois neste meio ano ela chega já a 220 grandes conflitos, contra 210 durante todo o ano passado), com uma inflação de quase 18 por cento anual que devora os salários, os quais não atingem 60 dólares mensais em média.
Ao mesmo tempo, o governo cubano acaba de autorizar a todas as empresas privadas a contratar trabalhadores assalariados. Se temos em conta que as chamadas empresas estatais "socialistas" não são tais, porque o relacionamento de propriedade não mudou os relacionamentos de produção capitalistas, pois nessas empresas "socialistas" rege uma disciplina vertical e os assalariados colaboram na sua exploração mediante o trabalho de salário por rendimento (ou por empreitada) ou dependem de uma série de prémios e punições decididos pela direção, como em qualquer empresa capitalista do resto do mundo, vemos que se está produzindo um poderoso reforço do capitalismo na ilha.
O recente congresso do PCC em suas resoluções, ainda, legaliza esse curso quando diz que o objetivo é dar a todos "igualdade de oportunidades", mas sem "igualitarismo", quando essa "igualdade de oportunidades" (entre um camponês tzeltal e um milionário mexicano ou um imigrante árabe e um financista europeu) é sinónimo da igualdade e liberdade só ante o mercado, ou seja, é sinónimo das políticas neoliberais capitalistas e a justiça mais elementar requer em mudança uma discriminação positiva, ajudando bem mais os que são mais fracos na via democrática da liberdade, igualdade e fraternidade, que foi fixada pela Revolução Francesa já faz mais de dois séculos.
Por se isto fosse pouco, o congresso partidário não definiu para onde espera que vá Cuba e, pelo contrário, sustentou que estabelecerá um "equilíbrio entre o mercado e o planejamento". Entretanto, o mercado é mundial e não depende do governo cubano e, mediante os preços dos produtos que Cuba deve importar ou a estabilidade ou instabilidade dos países que comercian com Cuba apesar do bloqueio, determina o curso da economia da ilha. Ou seja, que a burguesía mundial influi já poderosamente em Cuba, embora nesta -ainda- não se tenha desenvolvido uma nova burguesía local a partir das camadas privilegiadas da burocracia e da população (às quais, por outra parte, se dirigem todas as concessões, como o direito a comprarem autos novos ou casas, ou a viajarem ao exterior, coisas que são impossíveis para os pobres).
O mercado, além do mais, é caótico por definição, pois depende do interesse e das expectativa de lucro dos produtores e das empresas às que o PCC, em seu congresso, autoriza a contratar entre si e a atuar livremente no mercado e, portanto, não pode ser "planificado", e às vezes nem sequer planejado de modo geral, como o provou o caso yugoslavo tão discutido em tempos do Che -e tão esquecido pelos dirigentes da economia cubana.
O congresso não decidiu nenhuma mudança real e, na realidade, legalizou um perigoso curso pró-capitalista dirigido burocraticamente pela mesma direção que levou à beira do abismo o processo de construção do socialismo em Cuba. Nem antes nem depois dele se fez a menor tentativa de explicar por que esse Congresso foi sendo atrasado durante nove anos, quando se requeria urgentemente fixar uma nova linha, nem se fez jamais a menor autocrítica quanto às políticas e métodos errôneos do passado. Nesse mesmo congresso não houve uma renovação dos dirigentes quase octagenários nem dos métodos verticalistas e por cooptação de seleção dos quadros que impedem o desenvolvimento de elementos jovens e criativos. Como dantes, se segue aplicando o método de decidir algo na cúpula do Estado e depois "baixá-lo" ao partido e à população, embora essa decisão já esteja sendo aplicada, para que ambos a aprovem -a posteriori- sugerindo quando muito modificações muito parciais que servem aos dirigentes para medirem a temperatura social e graduarem a aplicação do decidido.
O governo tomou dos jugoslavos a nefasta autogestão empresarial, que consistia em que as empresas estatais funcionassem no mercado nacional e internacional autarquicamente como empresas capitalistas em concorrência entre si, mas não tomou a autogestão operária, a participação operária nas decisões, a nomeação pelo pessoal dos diretores, nem encarou uma discussão em todo o país sobre a autogestão social generalizada, sobre a participação popular em assembleias resolutivas, sobre a elaboração e controle de orçamentos locais participativos, nem sobre nada que estimule a criatividade e a auto-organização, e mantém sem qualquer mudança sua concepção paternalista e burocrática verticalista de controle sobre a sociedade herdada do chamado socialismo real. No entanto, enquanto não se discutir essa experiência terrível "que não era socialista" e não se der rédea solta à participação do povo cubano, o avanço do capitalismo continuará, e Cuba, nossa Cuba de todos, estará a cada vez mais em perigo.
Tradução do Diário Liberdade
Fonte: La Jornada.