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Ana Barradas

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Em coluna

Nom pagamos, nom pagamos

Ana Barradas - Publicado: Sábado, 07 Mai 2011 02:00

Ana Barradas

Na seqüência da reprovaçom pola oposiçom no parlamento do quarto Programa de Estabilidade e Crescimento (PEC 4), o governo demitiu-se e estám agora marcadas eleiçons legislativas para 5 de junho.


Porém, antes de se afastar de funçons e passadas três décadas depois do fim da crise revolucionária gerada polo 25 de Abril, o atual inepto governo PS submete de novo o país, como há trinta anos, à iníqua interferência do FMI, que nos próximos anos vai determinar a forma como nós, a cidadania, continuaremos a pagar a dívida contraída pola desastrosa governaçom das classes dominantes, para a qual em nada contribuímos.

Polo meio ficam o golpe militar contrarrevolucionário do 25 de Novembro, a entrada na CE com promessas e miragens de bem-estar, umha sucessom de governos revanchistas e neoliberais, um desenvolvimento em que, por determinaçom da Europa rica, fôrom destruídos a agricultura, as indústrias e quase todas as fontes de produto nacional potencialmente geradoras de autonomia económica. À laia de sobras, temos um resíduo de decepçons, desistências e conformaçom dos trabalhadores a este estado de cousas.

Foi assim que se aninhárom na orla do regime os sindicatos inermes e dóceis que temos hoje, os partidos de oposiçom que desistírom de resistir e se entregárom ao remanso do reformismo colaborante, as novas camadas da pequena-burguesia que, com o seu enorme peso social, marcam negativamente a paisagem ideológica das classes exploradas com o seu espírito timorato, inimigo da mudança e, na sua ánsia de imitar as classes de cima, sempre pregando a busca da moderaçom e procurando o ascenso social a todo o custo.

Cravos de Abril murchos

A pulsom dos que estám em posiçom dominante e tenhem acesso aos mecanismos do poder para se apossarem de bens e riqueza disponíveis e ao seu alcance tem vido a ser assumida sem complexos, ao longo dos últimos anos, como umha espécie de direito de pernada, posse legítima, pecado menor, justo privilégio que entre pares se discute abertamente para determinar conveniências, procedimentos, partilhas e parcerias. Ao mesmo tempo, entre os de baixo aceita-se como inevitável tributo ao qual fechamos os olhos por ser inerente à funçom exercida e socialmente aceite.

Assim temos que parte apreciável dos recursos do Estado é apropriada sem escrúpulos e sem critérios razoáveis, e desviada para fins particulares ou corporativos que nada tenhem a ver com o bem comum, muito polo contrário.

A crise global em curso fai desfilar diante de nós os emprestadores e os seus juros, os bancos e a sua arrogáncia, as agências de rating e as suas manhosas e manipuladas penalizaçons, a falta de investidores, a incompetência de patrons e gestores, a ganáncia de empresários de vistas curtas e outros percalços típicos destas conjunturas de crise tem servido de pretexto ao governo e aos partidos implicados na governaçom, coniventes ou aspirantes a ela, para transferirem as suas responsabilidades e procurar refazer a sua imagem num momento em que se aproximam eleiçons. 

A guerra em curso entre as diversas facçons, das quais se destacam as facçons PS-PSD atirando umha contra a outra as pedras da responsabilizaçom alheia pola crise que ambos, umhas vezes em conluio, outras em rivalidade, agravárom, som bem reveladoras da sucessom de negociatas e desentendimentos com que som abordados os negócios nas mais altas esferas do Estado. Sem a mínima consideraçom polos que em última análise serám vítimas insuspeitas dos desatinos inconseqüentes da luita polo poder, estes senhoritos que se julgam acima da lei e do imperativo de fidelidade às promessas com que guindárom a altas posiçons nem se apercebem da situaçom que estám a criar. Insensíveis à crescente dificuldade dos cidadaos comuns em responder às solicitaçons de contençom económica a que som chamados, nom sabem medir bem o grau de toleráncia a que se pode chegar e nom conseguem prever o ponto de viragem em que os governados considerarám insuportável a sua condiçom de austeridade e começarám a sair à rua a tornar visível a sua ira e indisponibilidade para continuar a jogar esse jogo.

A continuarem as cousas como estám, todo se encaminha para a prazo termos em Portugal um surto de greves, manifestaçons e outras formas de luita desagradáveis para quem preferiria que a domesticaçom dos trabalhadores se processasse na maior calma e respeito pola ordem. Foi o que se passou na Grécia e se vai percebendo um pouco por toda essa Europa aparentemente conformada com a transferência da crise para cima dos ombros dos trabalhadores. Se porventura a conjuntura se agravar, como é provável, e as luitas dos trabalhadores europeus se generalizarem, podemos estar certos de que melhorarám as condiçons para se conter a ofensiva burguesa contra direitos adquiridos e se criam possibilidades para umha alteraçom decisiva na correlaçom de forças entre trabalho e capital.

Forças intermédias mais receosas de um possível distúrbio da ordem estabelecida -aparentemente neutras e preocupadas com a defesa de democracia parlamentar- nom deixarám de propor supostas alternativas, qual delas a mais débil. É o que se passa já com a iniciativa de um grupo de jovens no dia 25 de Abril, convidando cada cidadao a depositar na escadaria da Assembleia da República um cravo vermelho… “para que o 25 de Abril nom esqueça, para que permaneça vivo e todos o saibam”. É sintomático o apelo: estes jovens deviam saber que o espírito do 25 de Abril já nom existe, que o regime é cada vez mais antipopular e autoritário, que estamos entregues aos ditames da arrogante Alemanha, verdadeira cabeça da Europa neoliberal, e que é ingenuidade e patetice virarmo-nos para o parlamento de maioria PS ou PSD e supormos erradamente que esses parlamentares podem ou querem interpretar as aspiraçons legítimas de quem se sente preterido e reclama um lugar ao sol. O que esses jovens precisavam de dizer é que o Estado de direito democrático é umha farsa e nom podemos confiar nele, antes temos de o substituir por outro.

FMI, polícia de proximidade

O FMI tem um programa a fazer cumprir aos diversos agentes económicos e em particular ao Estado: aumento da taxa de exploraçom do trabalho, reduçom dos salários, reduçom dos preços dos elementos do capital constante para comprimir os custos de produçom, aumento do capital em açons oferecidas por obrigaçons do Estado.

As isençons e subsídios ao capital para lhe dar meios de cumprir este programa só podem sair dos fundos do Estado que para isso contrai as dívidas necessárias ao mesmo tempo que procede a cortes dramáticos em serviços públicos, salários e outros. Foi aliás assim -privatizando em benefício dos bancos parte da riqueza social disponível (sem FMI)- que há três anos os salvou da bancarrota.

Nom faltará em Portugal o complemento keynesiano, que consiste em encontrar como pretexto a necessidade de maior regulaçom para melhor fazer passar a ideia de privatizar todo quanto ainda der lucro ou possa ser vendido a baixo preço. É oportuno recordar que estas receitas para umha economia de mercado baseada na livre concorrência levárom ao estabelecimento de ditaduras militares na América Latina, a começar polo Chile de Pinochet. E nom é de mais recordar que receitas de austeridade engendradas polas cabeças pensantes do FMI noutros países, sobretodo em África, só contribuírom para agravar ainda mais a situaçom social e económica dos seus cidadaos, reduzindo as possibilidades de crescimento e desenvolvimento autónomo desses países, poderosamente subjugados polas potências imperialistas, num padrom de relaçons que nada ficam a dever às antigas relaçons coloniais.

Para suster a queda do sistema, o Estado português, acolitado e aconselhado polo FMI e polas suas duvidosas receitas, atua agora como instrumento que vai beneficiar a burguesia monopolista e fazer dos trabalhadores as suas vítimas.

Ao ingerir-se nos assuntos internos do país, quase por imposiçom internacional e tendo como base justificativa problemáticas análises económicas cujo principal intuito parece consistir em arrastar a Espanha neste processo de desqualificaçom internacional em que estám envolvidos os chamados PIGGS, o FMI nom fai mais do que atuar como polícia de proximidade: certificar-se de que as normas entram em aplicaçom e som obedecidas sem contestaçom ou turbulência, doa a quem doer, para reposiçom do mito neoliberal.

Os cidadaos que nom se revém nos partidos do regime e se sentem inconformados com a ditadura dos mercados financeiros deveriam rebelar-se e pressionar as instituiçons para as impedir de despojarem a democracia de todos os seus atributos.

Foi o que aconteceu na Islándia. Indignados com a factura da dívida soberana, mobilizárom-se e fôrom para a rua, exigindo umha nova Constituiçom contra os abusos do sistema financeiro e convocando um referendo realizado nesse mês de abril, em que 93% dos eleitores se pronunciárom contra o pagamento da dívida.

Já em 2000, Néstor Kirchner, presidente argentino, impelido pola pressom popular, comunicou aos credores que a dívida do país era ilegítima e propujo-se pagar apenas umha parte. O FMI indignou-se, mas os credores fôrom obrigados a ceder e a Argentina levantou-se temporariamente da terrível situaçom em que se encontrava.

A Europa agrupada na sua associaçom de interesses, a Uniom Europeia, mostrou o que vale desde que se iniciou a crise na Grécia, que deixou entregue à sua sorte. O desenvolvimento europeu continua a diversas velocidades, e os mais ricos exploram os mais pobres através de empréstimos ruinosos que lhes enchem os bolsos e nom resolvem a mais mínima das dificuldades dos países menos desenvolvidos, aprofundando a distáncia entre si.

Marx: que diz ele de novo?

Ao fim de cento e tal anos, o fantasma de Karl Marx ainda nom se calou e a sua voz profética e contemporánea vê agora confirmadas muitas de previsons que no seu tempo fijo, conforme reconhecem inclusive figuras reconhecidas da economia burguesa. Algumhas das ideias marxistas, postas à luz da atual crise, revelam-se agora em toda a sua clareza, apontando para soluçons que o capitalismo está incapaz de encontrar. Com efeito, como dizia e di ainda Marx:

-Quanto mais o capital cresce, mais ele produze a sua própria crise de sobreacumulaçom, sobreproduçom, subconsumo e queda tendencial da taxa de lucro.

- Vivemos na atualidade mais umha das vagas cíclicas que afogam o proletariado, sacrificado às conveniências do capital a braços com umha grave crise. Neste momento, o capital no seu todo nom tem onde aportar nem forma de se reproduzir.

-O capitalismo descreve agora a sua curva descendente como movimento histórico que precisa de ser superado por já nom conseguir funcionar eficazmente. Está esgotada a projeçom mítica e invencível projetada polo neoliberalismo do capitalismo como sistema virtuoso contribuindo para o estabelecimento do bem comum. Os factos vam no sentido previsto por Marx, ao contrário do que, por exemplo, em 1999 o conceituado sociólogo Boaventura Sousa Santos imprevidentemente proclamou.

-A crise do capitalismo nom leva necessariamente ao seu fim. Se nom se exercerem resistências e contratendências organizadas com um objectivo bem definido, podemos estar à beira da crise final e catastrófica. Nom basta existir umha crise económica para que haja umha revoluçom. As açons das classes sociais é que som decisivas. Estas nom podem limitar-se à luta económica, mas tenhem de se travar também ao nível ideológico, fazendo os trabalhadores assumir como sua a luita política pola tomada do poder por meio de umha revoluçom socialista.

Dizer nom ao reformismo

Infelizmente temos de dizer que, contra o sistema e o regime, apenas podemos contar com pequeníssimas formaçons de extrema-esquerda, todas elas com umha diminuta capacidade de influenciar, por se revelarem incapazes de crescer e superar as suas insuficiências e estarem pouco preocupadas com a necessidade de se concertarem entre si em luitas e campanhas pontuais ou nom que poderiam fazer a diferença.

Assim, no momento atual, se se pusesse de pé um forte esforço de divulgaçom e propaganda no sentido de mostrar aos trabalhadores que as obrigaçons contraídas em nosso nome para o pagamento da dívida soberana nom fazem mais do que arruinar-nos e comprometerem o nosso futuro imediato, poderia criar-se um movimento alargado e poderoso sob o lema “Nom pagamos, nom pagamos” -evocando a inspiradora peça de teatro de Dario Fo- que demonstrasse tratar-se de umha exigência abusiva, insensata e impossível de cumprir.

Com efeito, a totalidade dos sacrifícios que hoje nos proponhen nom chegará para satisfazer a cobrança de juros crescentes sobre umha quantia incobrável, por desproporçom com a estrutura económica do país, o fraco volume da sua força de trabalho, o peso da corrupçom e das mordomias das classes dominantes, a capacidade reduzida do aparelho produtivo e o enorme défice de investimentos em projetos viáveis e geradores de postos de trabalho.

Mais do que isso, o que umha esquerda consequente e anti-reformista devia proclamar e fazer compreender é que a única alternativa a prazo é a alternativa socialista, baseada na necessidade da produçom social da riqueza a ser gerida de forma social, levando à sua acumulaçom social, concebida esta como valor de uso e nom como mercadoria.

Os comunistas de todos os quadrantes deveriam, se quisessem fazer justiça ao seu nome, apoiar os trabalhadores nesta conjuntura para desempenharem o seu papel: resistir e nom aceitar carregar o fardo principal da crise, organizando-se para levar por diante o lema “Nom pagamos, nom pagamos”. Esta ideia poderia ser criativamente desdobrada em várias vertentes: que nengum direito seja retirado; que nom se agravem as condiçons já precárias de sobrevivência; que o Estado seja impedido pola pressom popular de deitar mao a recursos públicos para com eles colmatar falhas por perdas de capital ou para incentivar a economia da burguesia monopolista; que nom se sintam os trabalhadores obrigados a optar entre a soluçom governativa A ou B da burguesia e reconheçam que naufragárom todas as belas soluçons de crescimento económico por esta apresentadas, que só os atirárom para umha situaçom ainda mais insustentável, sem fim à vista.

O eleitorado consciente deve recusar o debate patético em que se envolvem o BE e o PCP sobre “como sair da crise”, pola simples razom de que nom há salvaçom dentro do sistema e que nom vale a pena estarem a tentar deitar a mao ao criminoso PS em queda, supostamente contra a direita -como se o partido de Sócrates fosse de esquerda- e em nome dos trabalhadores. Estes nom precisam de ser enganados. Antes tenhem que optar pola melhor maneira de atender aos seus reais interesses e aos da humanidade em geral e impedir que, ciclicamente, todo o seu esforço produtivo seja reduzido a zero por umha nova crise estrutural, com todas as consequências altamente gravosas que daí podem advir. É a sua própria sobrevivência que está em jogo, umha vez que a burguesia em geral -à qual está intimamente associada a burguesia portuguesa-, na sua ánsia de salvar o capital e as taxas de lucro, só tem aproximado os seres humanos de umha catástrofe genocida.

Bourdieu dizia que a política é a arte de “fazer crer que se pode fazer o que se diz”. E o que há a dizer é que ninguém se pode apropriar da riqueza coletiva. É esse desafio que está posto à nossa frente.


Ana Barradas fai parte do Conselho de Redaçom da revista comunista portuguesa Política Operária.

Artigo publicado originalmente no Abrente nº 60, revista do partido comunista galego Primeira Linha.


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